Futuro e legado da Lava-Jato
por Gesner Oliveira e seus sócios na GO Associados, no Valor
O futuro da Lava-Jato é chave para determinar como e em que condições a economia brasileira pode superar a atual crise. Os anos de 2015 e 2016 deverão ser a primeira vez desde 1930 em que o Brasil registrará dois anos consecutivos de recessão. 2015 fechará com a maior taxa de contração do PIB desde 1990.
Ninguém questiona a legitimidade da investigação e a condenação de eventuais culpados. Há, porém, duas questões que não estão bem respondidas. A primeira é como a sociedade pode atenuar o custo que a investigação tem no curto prazo. Qual é o futuro da Lava-Jato?
A segunda, como os resultados da operação histórica poderão ser revertidos em ganhos institucionais duradouros que eliminem a possibilidade de malfeitos serem repetidos. Qual é o legado da Lava-Jato?
Em relação à primeira pergunta, é incorreta a tese de que a investigação não teria gerado custo em termos de emprego e produção. É claro que ela não é o único, nem o mais importante fator explicativo da crise. Mas é certamente relevante.
Mesmo sob hipóteses conservadoras, que levam em conta que uma parcela do investimento da Petrobras e de grandes construtoras nacionais teria diminuído independentemente da Lava-Jato, os efeitos diretos, indiretos e os impactos na renda são expressivos. Quase 2% do PIB, 2 milhões de empregos e mais de R$ 42 bilhões em massa salarial.
Quer dizer que a Lava-Jato deve ser inibida? Ao contrário, deve ser aprimorada para gerar mais resultados com menores custos. E isso é possível.
A redução de seus custos passa por três pontos. Primeiro, pela blindagem da capacidade de financiamento, investimento e de produção e geração de emprego das empresas envolvidas. Milhões de trabalhadores nada têm a ver com os crimes eventualmente cometidos por suas empresas. Afastados os responsáveis pelas irregularidades, a sociedade tem interesse que tais empresas continuem a produzir e gerar empregos.
Vale citar a experiência do maior caso de corrupção corporativa do mundo, envolvendo a Siemens. Autoridades alemãs e americanas promoveram, com o apoio do comitê de auditoria da empresa, ampla investigação dos desvios encontrados em várias jurisdições de diversos países. Ao final impuseram obrigações de melhoria institucional e de governança à empresa, sem puni-la de maneira desmedida e sem interromper as suas atividades.
Segundo, pela não exclusão destas empresas do mercado de obras públicas e do crédito. O país precisa de mais concorrência e, portanto, de um maior número de companhias disputando a oportunidade de fornecer bens e serviços. Excluir empresas de licitações públicas significa maiores custos ao Governo.
Terceiro, pela agilidade na negociação de acordos que estabeleçam multas adequadas à gravidade dos danos causados. Em vez de longos processos, é melhor para todos que haja um final mais rápido dentro dos marcos legais e com os órgãos competentes, como a Controladoria Geral da União (CGU), o Ministério Público Federal (MPF) e o Cade.
O primeiro grande passo foi dado com a Medida Provisória nº 703, publicada em 21.12.2015. A medida altera a Lei Anticorrupção – nº 12.846/2013 – para dispor sobre acordos de leniência com empresas investigadas em casos de corrupção.
Há, porém, setores da sociedade que não apoiam a medida. Em 23/12/2015, o jornalista Elio Gaspari critica a MP no artigo “Dilma aderiu aos Oligarcas”. Segundo ele, com a MP, a presidente estaria enfraquecendo punições às empresas envolvidas na Lava-Jato.
Do ponto de vista técnico e de interesse público, condenar o fortalecimento dos acordos de leniência pouco agrega à solução do problema. Diferentemente do que ocorria no século XIX, na Era Vitoriana, o direito penal moderno prevê instrumentos de colaboração entre investigadores e investigados, os quais têm servido em vários países como uma forma efetiva de desmantelar organizações criminosas e concluir processos rapidamente.
Mas como assegurar que no futuro não haverá novas Lava-Jatos? Como garantir um legado em termos de melhor governança ao Brasil?
A MP oferece algumas respostas ao obrigar as empresas que firmarem os acordos de leniência a implantar ou aprimorar programas de compliance. Trata-se de procedimento aderente às práticas internacionais que consideram a existência desses programas como parte das obrigações de uma companhia condenada por corrupção.
Casos internacionais mostram que a criação e a constante melhoria desse tipo de programa devem ser consideradas como atenuantes na aplicação de penas por corrupção.
Cada empresa deve criar seu programa de compliance adequado às suas características e porte, o qual deve refletir os princípios da governança: transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. A aplicação efetiva do compliance diminuiria não só a chance de novas Lava-Jatos, mas também melhoraria o desempenho das instituições.
Não basta trocar o governo. O país precisa de um salto de governança que exige uma mudança cultural na sociedade e os acordos de leniência certamente são um poderoso instrumento para isso.
Por trás da crítica contra as oligarquias empresariais não se pode embutir um ranço ideológico contrário à atividade empresarial. Dela dependem os empregos de milhões de brasileiros. Garantir tais postos passa necessariamente pela saúde financeira das empresas, que só se perpetuarão com uma política sustentável e transparente de relacionamento como governo. Forjar essa política pode ser o principal legado da Lava-Jato.
Gesner Oliveira, ex-presidente do Cade e da Sabesp, é professor de economia (FGV) e sócio da GO Associados
Fernando S. Marcato, professor de direito na FGV-SP e sócio da GO Associados, atuou no caso Siemens, assessorando o departamento de Justiça americano
Pedro Scazufca, mestre em economia pela FEA-USP, é sócio da GO Associados
Andrea Curi, doutora em economia pela FGV-SP, é coordenadora de projetos da GO Associados
Andrea Vasconcelos é advogada da GO Associados