Um dos pré-candidatos à presidência dos Estados Unidos esteve no Brasil (mas provavelmente você não soube disso)

por Carlos Eduardo, editor-assistente do Cafezinho

Quem me acompanha aqui no Cafezinho já deve ter percebido que sou fascinado pela política norte-americana. E hoje vou falar sobre um dos pré-candidatos do Partido Democrata mais ignorados nas primárias deste ano: Lawrence Lessig.

Advogado e professor da Escola de Direito da Universidade de Harvard, Lawrence Lessig fundou em 2001 a organização sem fins lucrativos, Creative Commons, que deu origem à licença de mesmo nome, revolucionando os conceitos de propriedade intelectual na era da internet. Por este motivo, ele esteve no Rio de Janeiro, onde participou do encontro Emergências, promovido pelo Ministério da Cultura, em parceria com movimentos sociais.

Mas, infelizmente, a maioria dos brasileiros sequer foi informada sobre sua passagem pelo Brasil. O portal Opera Mundi foi o único a noticiar a participação de Lessig no Emergências com o devido zelo. Por que será?

Lessig veio ao Brasil para debater a liberdade na internet e isso, sem dúvida, já é um tema incômodo para as grandes empresas de telecomunicações e a velha imprensa. E o Brasil foi o primeiro país do mundo a regular a neutralidade da rede, por meio do marco civil da internet, que serviu de exemplo para diversos países, incluindo os Estados Unidos.  

Mas há ainda outro aspecto sobre Lawrence Lessig que talvez seja o verdadeiro motivo por trás de tamanho desinteresse da mídia em suas ideias. Afinal, estamos falando de um pré-candidato à presidência dos Estados Unidos e professor da universidade norte-americana mais respeitada no mundo, não é pouca coisa.

Sua principal proposta de campanha: proibir de uma vez por todas o financiamento empresarial nos Estados Unidos.

É público e notório que os barões da mídia apoiam o financiamento privado, pois se beneficiam disso, e talvez isto explique porquê nenhum grande veículo de comunicação cobriu direito sua passagem por aqui.

Em artigo para o New York Times intitulado “O único modo realista de consertar o financiamento de campanha” (tradução livre para The Only Realistic Way to Fix Campaign Finance), publicado em julho deste ano, antes de anunciar sua candidatura, Lessig escreveu:

Pela primeira vez na história moderna, a maior preocupação dos eleitores americanos na próxima eleição presidencial, de acordo com uma pesquisa do Wall Street Journal/NBC News, é que “os milionários e as grandes corporações terão muita influência sobre o vencedor”.

Mas a resolução da crise de nossa democracia não será barato ou fácil. Nós só vamos acabar com a corrupção de um sistema político em dívida com os financiadores, no dia em que nós, cidadãos, formos os financiadores. (tradução livre)

No entanto sua proposta é considerada polêmica entre os americanos, pois propõe regras mais rígidas para o financiamento de campanha, impondo até mesmo limites para as entidades organizadas e movimentos sociais, como associações e sindicatos, que nos Estados Unidos tem o costume de financiar campanhas políticas — os maiores doadores de Bernie Sanders, por exemplo, são os sindicatos

As pessoas físicas — ou seja, os cidadãos — continuariam com o direito de doar, respeitando alguns limites, e as pessoas jurídicas — ou seja, as empresas — estariam terminantemente proibidas de financiar campanhas eleitorais.

Proibir o financiamento privado de campanha. Este é o único modo de acabar com a corrupção na política, avalia Lessig

Honestamente, considero esta a melhor proposta. Todos sabemos que os super ricos se escondem por atrás das corporações para fazer doações anônimas. Aqui mesmo no Brasil tivemos o caso da Marina Silva que recebeu apoio explícito do Itaú. Mas quem é o Itaú? Sim, eu sei que o banco pertence à família Setúbal, mas quem são os outros acionistas? Ninguém sabe. E é aí que mora o perigo.

No mundo globalizado em que vivemos, ao se permitir a doação de empresas, corremos o sério risco de permitir que fundos internacionais de investimento, sócios de nossas empresas nacionais, influenciem no resultado eleitoral.

Sobre a candidatura de Lawrence Lessig, desde o princípio ele enfrentou enormes dificuldades.

Ignorado pela mídia, foi também boicotado pelo seu próprio partido. Em setembro, ao anunciar sua candidatura à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, teve que correr atrás de US$ 1 milhão para se inscrever nas primárias. Conseguiu o dinheiro em tempo recorde: menos de 30 dias. Mesmo assim não foi convidado para nenhum dos debates.

No Partido Democrata funciona da seguinte maneira: depois de inscrito nas prévias, o candidato é formalmente recebido na corrida presidencial pelo Comitê Nacional Democrata. A partir daí o DNC (Democratic National Committee) contrata institutos de pesquisa para avaliar a performance dos candidatos entre os eleitores democratas. Os candidatos que alcançam 1% dos votos em pelo menos três sondagens, ganham um convite do DNC para participar dos debates.

Parece simples, não?

No entanto, a candidatura de Lawrence Lessig foi sonegada pelo Comitê, que incluiu seu nome em apenas três das dez pesquisas realizadas antes do primeiro debate. Resultado: Lessig não alcançou a porcentagem mínima necessária para ser convidado.

O próprio candidato denunciou isto, em artigo no Politico, uma semana antes do primeiro debate Democrata, em que disse:

Eu estou na corrida presidencial. Ou tentando. Mas minhas propostas estão sendo sufocadas com a aprovação tácita da liderança do Partido Democrata, que está implantando contra mim o método mais antigo disponível para marginalizar campanhas das quais eles não gostam: manter-me fora dos debates presidenciais democratas. (tradução livre)

Diferente de seu concorrente mais pop, Bernie Sanders, Lawrence Lessig luta por uma sociedade onde os ricos não tenham tanta influência no rumo das políticas públicas.

Aqui cabe uma comparação com o Governo Lula.

Bernie Sanders tem boas propostas e defende um Estado de Bem-Estar Social, mas sem interferir radicalmente no status quo. O que Sanders basicamente faz é alertar à plutocracia de que a excessiva concentração de renda está destruindo a classe-média, base de sustentação do capitalismo, e que os 1% mais ricos precisam fazer algumas concessões aos mais pobres, caso contrário, a sociedade como conhecemos pode entrar em colapso.

Historiadores e analistas políticos já mostraram que suas propostas nada mais são do que uma reinvenção do New Deal, de Franklin Delano Roosevelt, parecido com o que o Governo Lula fez no Brasil. Fornecer à classe trabalhadora uma vida digna, com garantia dos direitos trabalhistas, aumento do salário mínimo superior à inflação, programas de distribuição de renda etc.

Os ricos continuariam cada vez mais ricos, com a diferença de que a classe-média e os mais humildes também aumentariam de renda, ao invés de ficarem mais e mais pobres.

Talvez por isso a campanha de Lessig tenha sido sumariamente boicotada, inclusive, pelo seu próprio partido. Ele propõe uma mudança radical no sistema.

‘Eu estou tentando concorrer à presidência, mas os Democratas não deixam’, afirma Lessig

O lobby no Congresso dos Estados Unidos é o maior do mundo e centenas de políticos, sejam eles do partido Republicano, ou Democrata, são financiados por grandes empresas, por isso ninguém em Washington tem vontade de mudar as regras do jogo.

A candidatura de Lawrence Lessig desnudou o fisiologismo que toma conta hoje dos dois partidos norte-americanos. Um outsider, ou alguém de fora, como é chamado Lessig, sem apoio dos bilionários e suas corporações, tem poucas chances de vitória.

Destaco aqui um trecho do artigo de Lessig publicado no Politico:

Esta experiência [a candidatura à presidência dos Estados Unidos] levou-me a acreditar que não é apenas as regras do jogo que desencorajam um outsider Democrata. É também o partido. E isto é o que nenhum político até agora teve a coragem de dizer.

Como Hillary Clinton e Bernie Sanders, eu acredito que a América precisa de uma reforma urgente e importante: precisa de um salário mínimo que seja realmente um salário mínimo; Precisa de uma legislação sobre mudanças climáticas; Precisa respeitar a igualdade entre os cidadãos e pôr fim à diferença de status e classe que muitos americanos conhecem.

A América precisa de um sistema de saúde que os americanos possam pagar; Precisa acabar com os subsídios às petrolíferas e parar de tolerar sua poluição; Precisa de coragem para enfrentar os bancos e restaurar a segurança do sistema financeiro. (…) E precisa de um controle sobre as armas, que mantenham metralhadoras distantes de um novo massacre.

Mas ao contrário de Clinton e Sanders, eu estou disposto a dizer à América a verdade sobre estas necessidades urgentes e importantes.

A verdade é esta: as políticas que estão nos empurrando são fantasia. Não porque, como disse o Wall Street Journal, não podemos pagá-las. Claro que podemos. Se podemos pagar uma guerra de trilhões de dólares que só fez da América menos segura, claro que podemos pagar por um sistema de previdência social, ou um sistema de saúde que não se venda às empresas farmacêuticas.

A razão pela qual essas políticas são fantasias é por causa da corrupção [causada pelo financiamento privado de campanha]. (…) Uma “democracia”, na qual 400 famílias respondem por 50% das doações de campanhas não é uma democracia americana. É uma democracia típica de República das Bananas. (tradução livre)

A triste notícia é que no início de novembro Lawrence Lessig anunciou sua saída da corrida presidencial. Entretanto, o lado bom é que seu desabafo fez surgir entre os democratas um sentimento de revolta com o sistema político.

O Salon, um dos blogs mais progressistas da blogosfera norte-americana, publicou recentemente um artigo do jornalista Shane Ryan, com o título “Vamos deixar os Republicanos ganharem: Talvez as coisas tenham que ficar realmente ruins para a América acordar” (tradução livre para Just let the Republicans win: Maybe things need to get really bad before America wakes up).

Shane Ryan conclama os democratas para que não votem em Hillary Clinton, caso ela seja escolhida nas primárias do DNC. Analistas respeitados dizem que Clinton está mais para uma republicana moderada que para uma democrata. E mesmo com Bernie Sanders empurrando-a para a “esquerda”, entre os progressistas há uma enorme desconfiança sobre como seria um eventual governo de Hillary Clinton.

“Vamos deixar os Republicanos ganharem: Talvez as coisas tenham que ficar realmente ruins para a América acordar” — Shane Ryan

Também é nítido o favorecimento do Comitê Nacional Democrata à campanha de Hillary.

Enquanto os republicanos agendaram doze debates antes das primárias, no Partido Democrata haverá apenas seis confrontos. Pra se ter uma noção do que isso significa, na primeira eleição de Obama foram realizados 26 debates antes das primárias democratas. Por que o DNC reduziu assim tão drasticamente o número de debates neste ano?

Dizem as más línguas para favorecer a candidatura de Clinton.

No artigo do Salon, Ryan acusa a liderança democrata de estar enganando o eleitorado progressista do partido com falsas esperanças. Segundo ele, o DNC estaria tolerando a participação de candidatos como Lawrence Lessig e Bernie Sanders nas primárias apenas para satisfazer o sonho dos jovens por mudanças. Mas tudo já estaria armado para Hillary Clinton vencer a disputa.

Considerem isto: E se nós não votarmos e Hillary perder as eleições? Gostem ou não, seria uma assertiva poderosa. Provavelmente forçará o Partido Democrata a dar uma guinada à esquerda sobre questões econômicas e, temendo outra derrota, apostar em um candidato mais progressista em 2020. (tradução livre)

Do jeito que o Partido Republicano anda mal das pernas, com o maluco do Donald Trump liderando as intenções de voto, arrisco dizer que até mesmo o mais progressista dos democratas vai acabar votando em Clinton na hora da eleição. Tudo para não repetir o desastre de uma administração à la Bush.

Os ventos estão à favor de Hillary Clinton e ela tem tudo para ser tornar a próxima presidente dos Estados Unidos.

Mas fazendo um paralelo com o Brasil, é muito bom ver um pré-candidato à presidência dos Estados Unidos defender o fim do financiamento privado de campanha, porque isso derruba com o discurso da direita brasileira — encabeçada por PSDB e DEM — que ainda insiste em defender um sistema que se mostrou fracassado e extremamente corrupto.

O financiamento privado de campanha é a “mãe de toda corrupção”. E pior: é uma corrupção institucionalizada, permitida por lei.

Acabar com as doações de empresas é a principal reforma, a “reforma de todas as reformas que precisamos para restaurar a democracia e atender as necessidades do povo”. A questão do financiamento privado de campanha é o “primeiro problema a ser resolvido, antes de resolvermos todos os outros problemas”. Este é o alerta que Lessig faz em suas palestras.

Pois do jeito que as coisas estão, antes mesmo do início das primárias há uma eleição obscura e secreta que apenas o 1% dos mais ricos participa — a hora de escolher quais candidatos vão entrar para o seleto grupo que recebe suas doações milionárias e quais vão ficar de fora. O dinheiro ganhou tanto poder na política que apenas os candidatos que conseguem financiamento junto às grandes corporações tem alguma chance de vencer a disputa. E isso precisa ter um fim.

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Como sempre, gosto de finalizar meus artigos com um vídeo e abaixo segue a palestra de Lawrence Lessig no TED Talks de 2013. O vídeo está legendado em português. :D

Redação:
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