A judicialização da política brasileira

10/09/2015 - Sessão plenária do STF. Foto: Carlos Humberto/SCO/STF

por Jean-Philip Struck, no DW Brasil

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) começa a discutir nesta quarta-feira (16/12) quais serão as regras da tramitação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff no Congresso. O processo foi suspenso na semana passada pelo ministro Luiz Edson Fachin após o PCdoB ingressar com uma ação questionando o rito imposto pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um adversário o Planalto.

Os ministros do STF terão que responder a várias questões sobre a tramitação: a legitimidade da chapa que venceu a eleição para a comissão que vai analisar a ação; se a presidente Dilma deveria ter sido ouvida antes de o processo ter sido aceito; e qual será o papel do Senado no rito, entre outros detalhes.

A intervenção do STF em questões de impeachment não é uma novidade. Em 1992, quando a Constituição de 1988 era ainda recente e o então presidente Fernando Collor passou a enfrentar a ameaça da perda do mandato, o tribunal desenhou para o Congresso qual seria o rito a ser seguido.

Desta vez, no entanto, o papel do STF na questão ocorre após o tribunal ter assumido ao longo do ano um papel regular de árbitro em questões políticas enquanto o Legislativo e o Executivo enfrentam uma das maiores crises desde a redemocratização. Segundo juristas, a política brasileira passa por um “processo de judicialização”, em que questões sem solução ou acordo no Congresso acabam tendo que ser decididas pelo Judiciário.

Em 2015, não foi raro que o STF fosse acionado como árbitro quando um grupo político, tanto da oposição quanto do governo, ficou insatisfeito com o resultado de uma decisão do Congresso. Dados do tribunal disponíveis na internet mostram que o número de ações protocoladas por parlamentares no STF em 2015 já supera o total de processos desse tipo recebidos pela Corte nos dois anos anteriores combinados.

“A judicicialização é uma tendência constante desde 1988. Os políticos recorrem ao Supremo para ter um segundo round em disputas. Ao mesmo tempo, as próprias disputas no Legislativo estão adotando uma linguagem mais jurídica”, afirma Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo.

Na noite de terça-feira (15/12), o STF foi acionado mais uma vez por parlamentares, embora desta vez nenhuma ação tenha sido protocolada. Um grupo de 50 deputados encaminhou aos ministros uma carta aberta pedindo o afastamento do presidente Eduardo Cunha com base na suspeita de que ele está usando a Câmara em benefício próprio. Na semana passada, deputados do PRB também recorreram à Corte para tentar reconduzir o deputado Fausto Pinato à relatoria do processo de cassação contra Cunha.

Maior apoio entre os Poderes

O papel do STF nos últimos episódios da crise política não para por aí. Em outubro, o STF já havia sido acionado com um pedido para suspender o rito original de impeachment elaborado por Cunha na Câmara. Em 2015, outros temas, como a eleição da Mesa Diretora do Senado em fevereiro, rumos de CPIs e até mesmo a permissão para que cônjuges de deputados utilizassem passagens aéreas de deputados foram parar nas mesas dos ministros do STF.

E não somente assuntos que abordam o funcionamento interno do Legislativo têm sido levados ao STF pelos deputados. A Corte também discutiu ações para barrar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que prevê a redução da maioridade penal e de um projeto que tratava da terceirização no mercado de trabalho.

“Muitos artigos da Constituição e do regimento interno do Congresso são vagos. Isso favorece disputas no Legislativo, mas normalmente o STF teria a posição de se manter fora disso, entendendo que são assuntos internos, mas diante desse cenário de maior tensão, os ministros tem entendido que precisam intervir”, afirma Glezer.

Esse papel mais preponderante do STF também ocorre após o Judiciário ter desempenhado nos últimos anos papel determinante em decisões com forte impacto na sociedade e que não encontraram espaço para debate no Legislativo. Exemplo é o reconhecimento das uniões homoafetivas em 2011 e a inconstitucionalidade da proibição do aborto em caso de feto anencefálico (sem cérebro) em 2012.

Esse papel do Judiciário tem provocado efeitos na população. Pesquisa divulgada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) no final de outubro aponta que 31% da população brasileira confiam no Poder. O índice é bem mais alto do que o do Executivo, de 17%, e do Legislativo, 15%.

Outra pesquisa divulgada no início desta semana pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) revela que os juízes brasileiros acreditam que o STF possui uma atuação mais independente em relação ao Executivo e ao Congresso Nacional do que há 10 anos. Magistrados ouvidos deram nota 5,6, em uma escala de 0 a 10, para a independência do STF em relação ao Executivo – em 2005, a nota foi de 3,9. Já em relação ao Congresso Nacional, a avaliação da independência foi de 5,3 em 2005 para 6,4 em 2015.

Críticas por “intervenção”

Apesar de o STF ser constantemente acionado por políticos, esse papel preponderante tem incomodado alguns parlamentares. Em outubro, o presidente Eduardo Cunha acusou o Poder de “nítida interferência do Judiciário nos trâmites internos do Legislativo”.

Já a intervenção de Fachin que adiou o rito do impeachment na semana passada foi mal vista por alguns grupos que pedem a saída de Dilma. Em alguns dos protestos de domingo (13/12), o ministro, assim como Dilma e o ex-presidente Lula, foi criticado e chamado de “comunista”. Na terça-feira, manifestantes organizaram um protesto em frente à casa do ministro em Brasília.

Mas, conforme vem aumentando o foco no STF, os ministros passaram a se defender desse tipo de crítica. Em agosto deste ano, o ministro Luís Roberto Barroso apontou que o maior protagonismo do Judiciário foi causado pelos próprios políticos. “Em última análise, quem é senhor do maior ou menor grau de judicialização é o próprio Congresso, porque na medida em que ele atue, o Supremo não vai atuar”, disse.

O ministro Ricardo Lewandowski, também afirmou em novembro, após o STF suspender as doações ocultas, que o Congresso tem forçado essa situação. “Essa ideia de separação tão absoluta de poderes hoje não sei se ainda vigora. Sobretudo no momento que o STF tem um protagonismo um tanto quanto maior. É matéria própria do Congresso Nacional, mas que o Congresso Nacional hoje não tem como resolver”, disse Lewandowski.

Mas o ex-presidente da Corte Nelson Jobim adverte, no entanto, que a tendência dos congressistas de tentarem a sorte no Judiciário em vez de buscarem um consenso dentro do seu poder é prejudicial ao Legislativo já que resulta num aumento do poder dos juízes.

“O derrotado no sistema político resolve jogar a discussão política para outro Poder que não tem nada que ver com esse assunto e que, em determinado momento, não aceitava, mas, em outro momento, começou a gostar disso. E, quanto mais os [congressistas] constitucionalizarem coisas, mais poder [eles] darão aos juízes para dizerem o que [eles] não podem fazer. Será que isso vale a pena?”, afirmou Jobim em outubro, durante uma audiência pública no Senado.

O ministro Fachin: intervenção que adiou rito do impeachment foi mal vista por grupos que pedem saída de Dilma

Papel no impeachment

Quanto ao tema do rito de impeachment, a intervenção do STF levantou a questão se os ministros devem apenas adotar uma postura de sinalização sobre o caminho a ser seguido ou se devem discutir a legitimidade de todo o processo.

Juristas afirmam que fazer um juízo político da situação é apenas uma prerrogativa dos parlamentares e que não cabe aos ministros analisarem o mérito, mas defendem que os ministros no mínimo intervenham para zelar pelas condições jurídicas do impeachment.

“O papel de árbitro do STF é necessário porque há dúvidas sobre quais regras jurídicas do impeachment estão em vigor. É temerário começar sua tramitação sem o esclarecimento do rito e das garantias de defesa. Isso não vai eliminar as contestações judiciais ao longo do jogo. Os partidos vão continuar apelando ao árbitro. Mas saber qual é o rito permite a formação de expectativas, o debate público mais às claras e, principalmente, define algumas das condições para a legitimidade do juízo político”, opina Samuel Barbosa, professor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da USP.

Alguns ministros já se manifestaram nesse sentido e afirmaram que o impeachment é um tema de natureza política, e que ao STF cabe apenas definir as regras e devolver o tema o mais rapidamente possível ao Congresso. Nesse caso, portanto, a tendência é que o STF não altere radicalmente a disputa que vem se desenhando entre Dilma e o setores do Legislativo.

“A minha posição é que o Supremo deve tirar esse problema do seu colo o mais rapidamente possível, definir as regras do jogo e devolver para a política, onde essa matéria deve ser decidida”, afirmou o ministro Luis Roberto Barroso na semana passada. O ministro Gilmar Mendes seguiu a mesma linha. “Devemos ter muito cuidado na intervenção nesse tipo de matéria, para não virarmos uma casa de suplicação geral. Os temas têm que ser encaminhados no âmbito do Congresso.”

Enquanto o Judiciário vira o centro das atenções e se solidifica em seu papel de árbitro de disputas no Legislativo, algumas vozes advertem que existem limitações no alcance do poder para resolver os conflitos do país.

O juiz federal Sérgio Moro, que ganhou notoriedade ao conduzir os processos da operação da Lava Jato, afirmou no início de dezembro sobre os riscos de que a população enxergue os juízes num patamar superior ao dos políticos. “Não devemos ter a ilusão que o Judiciário vai mudar o país ou que o juiz vai ser o salvador. O Congresso e o Executivo também têm que trabalhar”, afirmou.

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