por Luís Nassif, no GGN
As manifestações desse domingo trazem conclusões curiosas:
- O número de manifestantes frustrou os organizadores, mostrando que o populacho não reage mais ao simples apertar de botões.
- Em São Paulo a equipe da Globo foi atacada por furiosos com a falta de empenho da emissora em mobilizar as massas.
A velha mídia entrou em uma sinuca de bico.
Primeiro, alimentou a onda de intolerância, tornando-se prisioneira da própria armadilha montada. Não pode oferecer mais sangue do que oferece, sob risco de reduzir seu público a um tropel de trogloditas. Descontenta os trogloditas, que a acusam de pouco empenho, e descontenta os demais leitores que criticam a ausência de jornalismo.
Depois, deflagrou o processo de impeachment e agora teme seus efeitos.
Subordinar o jornalismo à política sem estratégia dá nisso, comprovando que a crise de liderança que acomete os três poderes não poupou igualmente o quarto.
O fracasso das manifestações, no entanto, não zera o jogo do impeachment.
Os próximos capítulos serão decisivos e se darão em torno de três campos.
O campo econômico
A conta dos deputados – entre ficar com o governo ou embarcar na aventura Michel Temer – levará em consideração a maneira como enxergam o futuro da economia em cada alternativa. Qual seria a pior aposta: chegar em 2018 carregando o fardo Dilma ou o fardo Temer? Beneficiar-se de ser anti-Dilma ou anti-Temer?
A tal Ponte para o Futuro de Michel Temer, se bem explicada, é um filme de terror não apenas para os beneficiários de programas sociais. Significará subordinar o país a um modelo econômico que produziu os maiores níveis de desemprego na Europa, liquidando com o estado de bem-estar europeu.
Significará abortar qualquer política industrial, regredir na implantação de universidades federais, eliminar o acesso dos mais pobres ao ensino superior, destruir a rede de proteção social duramente conquistada pelo país.
Essa conta será cobrada em 2018 de quem aderir ao impeachment.
Mas o que Dilma tem a oferecer em contraposição? Até agora, apenas o ajuste fiscal de Joaquim Levy. Ou seja, outro filme de terror.
Dilma tem o ônus e o benefício de estar no poder. A cada dia que passa, o aprofundamento da crise torna mais palatável a alternativa Temer. Por outro lado, assim que apresentar uma estratégia econômica minimamente viável, recupera o protagonismo.
Com doze meses de atraso, há dois desafios (que ficaram enormes pela demora em serem enfrentados) pela frente: um movimento estratégico impedindo o aprofundamento da crise; uma visão de futuro.
A estratégia para segurar a crise passa por três movimentos óbvios:
- A recuperação da cadeia do petróleo e gás. Pelo menos dois pontos do PIB deve-se ao descaso com que o tema foi tratado pelo governo. Há pelo menos um ano deveria ter sido negociado um modelo de acordo de leniência que preservasse as empresas. Agora, há centenas de empresas a ponto de serem liquidadas. Esse movimento precisa ser interrompido, através de medidas heroicas de recuperação do setor.
- A crise fiscal, com a aprovação da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). Conta, para tanto, com a adesão incondicional dos governadores, que sabem onde o calo pega.
- Recompor a liquidez na economia. O trancamento do crédito poderá produzir um desastre ainda maior em 2016, com a crise de liquidez se espalhando pela economia.
Nas conversas com parlamentares, não se trata apenas da falta de sensibilidade política de Joaquim Levy, valendo-se do viés economicista de acenar com o fim do mundo, em vez de trabalhar o início da criação. Em Brasília brinca-se que ele tem uma carta de demissão plastificada, tantas foram às vezes que sacou do bolso para tentar impor seu ponto de vista.
Tem-se um quadro complexo para 2016, com a crise fiscal dos estados e uma inadimplência generalizada das empresas. O desafio maior será estancar essa queda para poder acenar com o próximo tempo.
O tempo de Levy acabou. E não basta apenas substituí-lo. Tem que ser por alguém com visão estruturada da economia, capacidade de juntar todas as peças do jogo econômico e com total aval de Dilma.
Há uma bomba atômica disponível para quem souber usá-la. Pode ser a saída para a crise ou poderá ser o dia do juízo final: o uso criterioso de parte das reservas cambiais em programas de investimentos em infraestrutura e de recuperação do parque industrial.
Quadro social
É trunfo para Dilma.
O agravamento da crise de emprego atiçará mais os ânimos gerais, seja com Dilma ou Temer.
Mas, com o impeachment, haverá um ingrediente explosivo a mais.
- A imagem de um Michel Temer mediador, acima das paixões e do jogo rasteiro da política ficou comprometida com o episódio oportunista da carta. Todos os que participaram da queda de Collor se sentiam, de certo modo, responsáveis pelo sucesso do governo Itamar Franco. Esse fato blindou-o, em que pese a extrema mediocridade de sua gestão. Temer perdeu esse bônus.
- Sem essa legitimidade, do lado esquerdo Temer enfrentará as manifestações dos sindicatos e dos movimentos sociais; do lado direito, dos paneleiros. Pesquisas junto a esses manifestantes mostram que se movem por slogans: são a favor de menos estado, mas, ao mesmo tempo, de serviços públicos gratuitos. Quando Temer der início aos cortes em políticas sociais, será tiro para todo lado.
Por outro lado, enquanto não apresentar um programa com ideias claras, não se saberá qual o lado de Dilma. A bandeira em torno dela é de defesa da legalidade, contra o golpe. Derrubada a tese do impeachment, se o governo Dilma continuar inerte, ninguém segurará as ruas em 2016.
Quadro político
Até agora, o presidencialismo de coalizão – inaugurado por Fernando Henrique Cardoso, mantido por Lula e Dilma – consistia em lotear cargos para garantir o controle do orçamento e a implementação das políticas centrais.
Em vez de aspirar, Temer propõe coalizão injetável: repartir o orçamento. Trata-se da proposta mais irresponsável de loteamento político desde os infaustos tempos do governo José Sarney.
A estratégia de Dilma deverá ser mostrar a inviabilidade desse modelo, ainda mais em um quadro de crise fiscal. Não há o que repartir. Se tirar da saúde e da educação, em 2018 a cobrança dos eleitores será fatal.
Fica claro que se trata de uma cenoura visando abrir espaço para os novos donos efetivos do poder, Temer e seu grupo associados aos tucanos de José Serra – que levarão seu quinhão com a aprovação de uma nova lei do petróleo. Eles ficarão com os cargos; os parlamentares com a promessa de controlar um orçamento quebrado e com a conta da impopularidade em 2018.