por Rubens Casara, no Justificando.
Dez fatos
1 – Os direitos fundamentais, percebidos como obstáculos à eficiência repressiva do Estado, são negados de norte a sul do país.
2- Para punir quem viola a lei, o Estado brasileiro também viola a lei (grampos ilegais, gravações clandestinas, “delitos de ensaio” travestidos de legítimos, prisões ilegais e desproporcionais, etc.).
3 – As ilegalidades praticadas pelo Estado no combate ao crime são naturalizadas pela população (que, em razão da tradição autoritária em que está inserida, identifica “justiça” com “punição”, “liberdade” com “impunidade” e goza sadicamente com o sofrimento de pessoas) e ignoradas ou desconsideradas pelo Poder Judiciário, em especial nas grandes operações que ganham (pelos mais variados motivos, nem todos legítimos) a simpatia dos meios de comunicação de massa.
4 – Na fundamentação das decisões judiciais, as teorias penais e processuais penais, bem como o compromisso com os valores “verdade” e “liberdade”, foram substituídas por discursos de cunho político recheados de senso comum e/ou moralismos rasteiros.
5 – Desconsidera-se a secularização, com os atores jurídicos a reintroduzir no sistema de justiça criminal a confusão entre direito e moral, crime e pecado, Estado e Igreja.
6 – Atores Jurídicos passam a adotar posturas messiânicas, com discursos salvacionistas, e a demonizar, não só a política (que deveria ser um espaço criativo e comum), como também todos aqueles que não comungam de seus pontos de vista.
7 – Prisões são decretadas em contrariedade à legislação brasileira, inclusive em violação aos limites semânticos contidos no texto da própria Constituição da República (a recente prisão de um parlamentar brasileiro é apenas mais um dentre tantos casos).
8 – Como no período pré-kantiano, o imputado (indiciado ou acusado) voltou a ser tratado como objeto, instrumentalizado para alcançar fins atribuídos ao Estado, o que acontece, por exemplo, nas hipóteses de prisões cautelares ou restrições de direitos com o objetivo de obter confissões ou delações.
9 – Pessoas que se afirmam “defensores dos direitos humanos” estão a aplaudir a violação de direitos e garantias fundamentais daqueles que identificam como inimigos de classe ou de projeto político, bem como, o que é ainda pior, na medida em que não há a desculpa da cegueira ideológica, para ficar bem aos olhos da opinião pública fascistizada (que glorifica a ignorância, tem medo da liberdade e aposta em medidas de força).
10 – Um juiz brasileiro passou a ser criticado por cumprir a Constituição da República e a Lei de Execução Penal, porque assim – pelo simples, e pouco comum, fato de tratar os presos com dignidade – teria se tornado “o queridinho” de criminosos. Essas críticas, feitas pelos mesmos meios de comunicação de massa que reforçam concepções autoritárias e naturalizam crimes praticados por agentes estatais, não mencionam, por ignorância ou má-fé, que as chamadas “grandes organizações criminosas” (pense-se no Comando Vermelho e no PCC) nasceram em contextos de violação aos direitos dos criminosos presos.
Em nome do que representa o Estado Democrático de Direito (um projeto político de contenção do poder, de limite às diversas formas de opressão, em que a liberdade concreta de cada um não precisa ser trocada por promessas abstratas de segurança), peço muita reflexão ou… UM MINUTO DE SILÊNCIO.