por Carlos Eduardo, editor-assistente do Cafezinho
O período de eleições primárias dos partidos Republicano e Democrata nos Estados Unidos é um prato cheio para os amantes da política. Para nós brasileiros, pouco acostumados com o debate político nas TVs, rádios e jornais, diria até que é algo inimaginável. Só o Partido Republicano tem este ano dez candidatos, cinco deles com alguma chance de vencer. No Partido Democrata são cinco candidatos, mas a disputa se restringe mesmo a somente dois deles: Hillary Clinton e Bernie Sanders.
Diferente do Brasil, onde a mídia é toda cartelizada e controlada por poucas famílias, nos EUA existem centenas de canais de notícia, rádios, jornais e blogs políticos que abrem espaço para todos os candidatos das prévias. Até mesmo aqueles que não alcançam sequer 1% nas pesquisas são entrevistados e tem a chance de expor suas propostas.
Diante de tudo isso, dá pra imaginar como ferve o debate político americano durante as prévias, não? E sem dúvida nenhuma, o candidato mais interessante destas eleições é Bernie Sanders, senador pelo estado de Vermont há 16 anos.
No início do primeiro debate democrata, realizado em outubro, pelo canal de notícias CNN, o âncora Anderson Cooper desafiou o senador Bernie Sanders a se descrever aos telespectadores como um “socialista democrático”, para logo em seguida receber de volta a confirmação. Sim, Sanders não tem medo da palavra “socialismo”, tão estigmatizada na sociedade americana e se autodefine como um “socialista democrático”.
Diante da afirmativa um tanto polêmica, o anfitrião da CNN foi mais longe e perguntou: “Como pode qualquer tipo de socialista ganhar uma eleição presidencial nos Estados Unidos?”, para risos da plateia.
No entanto, a questão do jornalista Anderson Cooper é bastante pertinente.
Isto porque, por mais de um século, o “socialismo” tem sido uma palavra suja na política americana. Chamar alguém de “socialista” nos Estados Unidos é um insulto. Por incrível que pareça, todos os presidentes americanos que puseram em prática programas de justiça social, seja ele Franklin D. Roosevelt com o New Deal; John F. Kennedy e a Lei de Direitos Civis; ou Barack Obama com seu Obamacare; em algum momento de seus respectivos mandatos foram acusados pela oposição de estarem levando o país rumo ao socialismo.
Mas algo está mudando na América, dizem os analistas.
A nova geração de americanos não viveu a Guerra Fria, portanto, não compartilha da mesma paranoia anti-socialista de seus pais e isto está se refletindo claramente na campanha de Bernie Sanders.
Outro ponto importante a meu ver é o papel dos comediantes americanos na formação política dos jovens.
Mais uma vez, diferente do Brasil, onde muitos comediantes são reacionários, nos Estados Unidos existem dezenas de programas de humor apresentados por comediantes que levantam temas considerados de “esquerda”. O maior deles é Jon Stewart, que até pouco tempo atrás apresentava o The Daily Show.
Uma pesquisa realizada em julho deste ano pelo Public Religion Research Institute mostrou que 11% dos jovens adultos, aqueles que têm entre 18 e 29 anos, não confiam em nenhum noticiário e sua principal fonte de informação são os programas de comédia do estilo Fake News, bastante populares nos Estados Unidos. The Daily Show e Last Week Tonight são bons exemplos do gênero.
É ai que entra em cena a figura de Bill Maher, um comediante que há 12 anos apresenta na HBO o programa Real Time with Bill Maher. No Brasil ele não é tão conhecido como seu colega de emissora John Oliver, também da HBO.
Bill Maher assumiu para si um grande desafio: desmistificar no imaginário dos americanos o que o termo “socialismo” realmente significa. Como todo programa de Fake News, Maher inicia seu show apresentando as principais notícias da semana, com ironia e toques de humor. Sempre há um entrevistado, principalmente políticos ou autores lançando um novo livro, além de uma mesa-redonda com jornalistas, políticos e outros comediantes, onde Maher debate os assuntos mais polêmicos da semana.
Maher costuma dizer que muitos americanos já são na prática “socialistas”, apenas não sabem disso. A campanha de Bernie Sanders é toda calcada na promoção de políticas públicas para reduzir a desigualdade social nos Estados Unidos, tais como:
- Aumentar os impostos do 1% mais ricos da sociedade;
- Aumentar o salário mínimo de US$7.25 para US$15 a hora de trabalho;
- Regular os bancos e proibir fusões que possam gerar desequilíbrios na economia;
- Garantir auxílio-doença e férias remuneradas aos trabalhadores [nos EUA se a pessoa ficar doente não recebe nenhum auxílio do Estado. Esta, inclusive, é a grande crítica que o seriado Breaking Bad faz ao sistema, e diferente do Brasil, o trabalhador não tem direito à 30 dias de férias remuneradas];
- Tornar as faculdades do governo públicas, livres de mensalidades [Pra quem não sabe, nos EUA não há faculdade pública, todas são pagas, o que faz com que os jovens saiam da graduação e ingressem no mercado de trabalho endividados com os bancos. Estudar em uma faculdade renomada, por exemplo, pode custar no mínimo US$40.000];
- Impor limites às doações de milionários e empresas privadas, estipulando um valor máximo de doação para campanhas políticas;
Quando perguntados sobre as propostas de Sanders, muitos americanos se dizem a favor. O que nos leva a seguinte questão: Estariam os americanos abraçando os ideais “socialistas”?
O problema é que as ideias de Bernie Sanders são consideradas progressivas demais pelos americanos acima dos 50 anos e até mesmo entre os eleitores de seu partido ele enfrenta grande oposição, como mostra uma pesquisa nacional da CBS, em parceria com o New York Times, realizada em setembro, antes do início dos debates.
Bernie Sanders só vence Hillary Clinton entre os liberais e aqueles entre 18-49 anos, mesmo assim por uma margem pequena.
O mais provável é que Hillary Clinton seja a candidata democrata em 2016, porém uma coisa é certa: a participação de Sanders na disputa está chacoalhando o debate político. E para melhor. Está forçando Hillary Clinton a apoiar algumas de suas medidas para não perder potenciais votos.
Outro problema enfrentado por Sanders é a mídia.
Neste aspecto os Estados Unidos não são muito diferentes do Brasil. Lá os principais canais de TV, ainda que tenham suas diferenças — uns apoiam o Partido Republicano, outros apoiam o Partido Democrata — são majoritariamente conservadores e não levam à sério as propostas de Sanders, dadas como impossíveis de serem colocadas em prática.
Por isso, vejo a participação de comediantes como Bill Maher fundamentais no debate político.
A entrevista de Bill Maher com Bernie Sanders foi considerada por analistas como a primeira em que o entrevistador não partia de pré-conceitos “anti-socialistas” para ridicularizar as propostas defendidas por Sanders. Ao contrário dos jornalistas, Bill Maher, um comediante, foi direto ao assunto e perguntou à Sanders o custo de suas propostas, se eram viáveis dentro do orçamento do Estado e como pretende coloca-lás em prática.
Abaixo segue a entrevista. Infelizmente está em inglês e não há legendas em português.
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