Lula: aprendi a enfrentar adversidade

Publico abaixo a análise de conjuntura de Lula, feita no último dia 29 de outubro, para registro histórico.

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Matéria publicada no Jornal GGN.

Lula analisa conjuntura política e aponta saída para crise do governo e PT

QUI, 29/10/2015 – 15:27
ATUALIZADO EM 29/10/2015 – 15:27

Por Cíntia Alves, no jornal GGN.

Para ex-presidente, o “trunfo” contra a oposição será arrumar a economia e mudar a pauta. Quanto as investidas do MPF contra sua família, Lula disse: “Não precisa ter pena, eu vou sobreviver”

Jornal GGN – O PT precisa rever suas prioridades e se esforçar mais para conter os ânimos dos aliados no Congresso e aprovar, rapidamente, as medidas do ajuste fiscal enviadas pela presidente Dilma Rousseff. Tão logo isso acontecer, a recuperação da economia ficará menos distante e, consequentemente, o partido terá condições de recuperar parte da credibilidade que perdeu junto à base social que deu a vitória à Dilma em 2014. Essa é a visão do ex-presidente Lula, exposta durante o encontro do Diretório Nacional do PT, em Brasília, na manhã desta quinta-feira (29).

Na reunião aberta à imprensa, Lula indicou que não adianta centrar fogo na política econômica e tampouco no ministro da Fazenda, Joaquim Levy, uma vez que o governo terá de fazer o necessário para evitar o aumento de desemprego – mesmo que isso signifique abraçar, circunstancialmente, um programa ideológico incompatível com as promessas do PT na última campanha eleitoral.

“A prioridade zero do PT no Congresso hoje, se a gente quiser começar a governar o País, é criar condições para aprovar as medidas que Dilma mandou, para que ela encerre essa ideia de ajuste e a gente possa ver a economia crescer, fazer a geração de empregos e renda. Sem a conclusão desse ajuste, ficamos numa confusão política e de credibilidade muito grande”, disse Lula.

Contrariando o discurso de dirigentes petistas, Lula disse que a bancada deve abraçar o ajuste fiscal como “prioridade zero”, dialogando com quem for necessário, e deixar questões menos objetivas – mas que dominam o debate público hoje – para segundo plano. Caso das ameaças de impeachment e da eventual cassação de Eduardo Cunha (PMDB).

Para Lula, o PT está sendo pautado pela grande imprensa – que tem dado destaque ao impeachment, à crise econômica e às operações Lava Jato e Zelotes – e pela oposição – que tenta, incansavelmente, reverter a derrota de Aécio Neves (PSDB) nas urnas. “Se a gente aprovar as medidas que estão no Congresso – e aí o papel dos líderes é muito importante, porque vão ter que conversar com quem gostam e quem não gostam – a gente pode ficar livre para discutir outros assuntos”, apontou Lula.

Com doses de bom humor e ironia, Lula ainda comentou as investidas do Ministério Público Federal, Polícia Federal e Receita Federal contra seu filho, o empresário Luís Cláudio Lula da Silva, no âmbito da Operação Zelotes, além de outros tentativas de envolver o próprio ex-presidente em escândalos do BNDES e da Petrobras.

“Quero dizer que ninguém precisa ficar com pena, porque se tem uma coisa que aprendi foi enfrentar a adversidade. Se o objetivo é truncar qualquer perspectiva de futuro, então vão ser três anos de muita pancadaria, e podem ficar certos: eu vou sobreviver. Eu não sei se eles sobreviverão com a mesma credibilidade que eles acham que eles têm. Mas eu vou sobreviver.”

O GGN acompanhou virtualmente a fala de Lula durante o encontro e reproduz, abaixo, os principais trechos.

O PT é maior

“A primeira coisa que acho que temos que fazer no nosso partido é aferição correta sobre conjuntura política. Certamente, nós não vivemos nosso melhor momento. Nós vivemos momento de acirrado bombardeio contra PT e petistas. Nunca houve na história dessa País o bombardeio que a gente recebe 24 horas por dias, até nas coisas mais simples que acontecem. (…) É preciso que a gente não fique nervoso com isso, porque a tendência natural é ficar nervoso quando a gente vê isso acontecer.”

“(Os ataques) têm uma explicação. Eles sabem que nós somos infinitamente maiores do que meia dúzia de companheiros que podem estar, justamente ou injustamente, pagando o preço de erros cometidos. Eles sabem que esse partido, sempre que colocado em xeque, esse partido reage como se fosse fênix. Reage das cinzas, mais forte do que estava antes do que qualquer crise.”

“(…) Na lógica deles, o PT sairá do mapa eleitoral da como nós tiramos o Brasil do mapa da fome. Essa crítica acirrada ao partido tem o objetivo de apagar da memória do povo um legado de 12 anos que é o profícuo legado deixado por um governo na história desse País.”

Problemas com coalização

“Depois de ganharmos a eleição mais difícil da qual participamos, tivemos um grande problema político, sobretudo com nossa base, quando tomamos a atitude de fazer o ajuste que era necessário fazer. Estávamos discutindo com os trabalhadores quando, de repente, em 29 de dezembro, anunciaram mudanças em algumas áreas sociais que deixaram a nossa gente muito irritada. Nós ganhamos as eleições com um discurso e depois das eleições tivemos que mudar e fazer aquilo que dizíamos que não iríamos fazer. Isso é um fato conhecido. Mas essa crise política se arrastou por mais tempo não só por causa disso, mas por causa da construção da coalizão política.”

Lula afirmou brincar com o PT dizendo que o “ideal” seria que eleger o máximo de petistas possíveis para o Congresso, ou formar coligações apenas com legendas de esquerda, “com os companheiros que pensam igual a gente”. “Mas isso não é possível”, admitiu, pois é necessária uma coalização de amplo espectro em cima do programa proposto pelo PT. “É com essa gente que a gente tem que governar.”

“O problema é que, apesar de termos feito tudo isso, os partidos estão enfraquecidos. As direções dos partidos já não têm o poder que tinham tempos atrás. Os líderes dos partidos não conseguem mais liderar suas bancadas. Hoje os partidos funcionam por grupo de interesses, por suas regiões.”

Além dos líderes estarem enfraquecidos, tem outro “agravante”, segundo Lula: “Tem um componente novo, que é a força de Eduardo Cunha junto a um grupo muito grande de deputados. Ele diz para muita gente que ele não lidera aquela quantidade de deputado. O que ele diz é que aqueles deputados estão insatisfeitos com a gente e o que Cunha faz é aceitar aquilos que eles querem colocar em votação. O certo é que estamos vivendo uma situação de certa estranheza no Congresso. Cada um tem seu grupo e seu jogo de interesses. E obviamente o PT virou uma espécie de sapinho feio, rejeitado. Ou seja, na medida em que o partido é atacado, muita gente se afasta do PT.”

Esboçando uma reação

“Do ponto de vista político, a nossa situação é a mais difícil. De uns tempos para cá, Dilma começou a agir pessoalmente e discutir diretamente com os partidos e a gente sente que nos últimos dois meses houve uma melhora na relação política. E a tendência é que a gente possa consolidar essa relação política no Congresso.”

“Por que precisamos restabelecer isso? Porque é preciso governar o País. E não é possível imaginar que alguém possa governar o País na situação política que estamos vivendo hoje. Estamos fazendo exatamente aquilo que a oposição quer que a gente faça, que é não governar. (…) Não podemos permitir que eles façam a nossa pauta. A nossa pauta somos nós que fazemos a partir do compromisso que assumimos no dia 26 de outubro. Temos uma pauta e por conta dela é que temos que fazer os nossos acordos políticos para que a gente possa governar.”

Prioridades para o PT

“A prioridade zero do PT no Congresso hoje, se a gente quiser começar a governar o País, é criar condições para aprovar as medidas que Dilma mandou, para que ela encerre essa ideia de ajuste e a gente possa ver a economia crescer, fazer a geração de empregos e renda. Sem a conclusão desse ajuste, ficamos numa confusão política e de credibilidade muito grande.”

“Se a gente aprovar as medidas que estão no Congresso – e aí o papel dos líderes é muito importante, porque vão ter que conversar com quem gostam e quem não gostam – a gente pode ficar livre para discutir outros assuntos. Depois, temos outra coisa para discutir, que é prioridade também, que é o impeachment. Não podemos permitir que se discuta o impeachment sem base legal e razão, porque se a moda pega, qualquer um perca a eleição entra com o pedido de impeachment.”

“Temos que ter em contra isso. Depois entra a questão Eduardo Cunha.”

“Vocês não acompanham pesquisas?”

“Eu acho importante vocês [dirigentes petistas] conversarem com a base política de Dilma no governo, porque não podemos passar mais seis meses discutindo ajuste e CPMF. Temos que começar a votar amanhã, se for o caso. (…) A não ser que tenha alguém aqui que ache que isso não é importante. Que primeiro tem que derrubar Eduardo Cunha, depois o impeachment, e só depois, se tudo der certo, a gente vota nas coisas que a Dilma quer. Acho importante a gente medir, porque o tempo do governo é um tempo que urge. Em nossa situação, precisamos urgentemente recuperar a credibilidade que a presidente já teve. Ou vocês não acompanham pesquisa de opinião pública? Por elas sabemos que vivemos momentos difíceis. Mas como a gente recupera? Não tenho medo de pesquisa que diz que você é rejeitado hoje. Tenho medo de a gente não trabalhar para recuperar. A sociedade está esperando um sinal de que a gente tem condições de governar o País.”

Questão econômica

“Da mesma forma que já ouvi companheiros falar ‘Fora Levy’, já ouvi falar ‘Fora Palocci’, ‘Fora Meirelles’. (…) Eu garanto a vocês que não tem ninguém aqui que queira arrumar a economia mais rápido que Dilma. (…) Eu vejo os companheiros gritarem ‘Fora Levy’ como se fosse ‘Fora FMI’, e não é a mesma coisa. É importante lembrar que o programa econômico estava pronto antes de Levy. O país tem que voltar a crescer. Temos que voltar a despertar sonho e esperança no povo brasileiro.”

Segundo Lula, a situação é de União, Estados e municípios arrecadando cada vez menos e, consequentemente, investindo menos. E o empresariado repete o comportamento.

“Temos que ter em conta que a recuperação da economia é o maior trunfo que nós temos para recuperar a nossa credibilidade e a do governo diante da sociedade, dos trabalhadores, diante daqueles que votaram na gente. É através da economia que a gente vai conseguir mostrar que as coisas vão melhorar.”

“Nós temos duas formas [de melhorar a economia]. Uma é aumentar imposto, mas é mais difícil de acontecer quando a gente está fragilizado na política. Mesmo assim, acho um esforço extraordinário do governo, de construir as condições para aprovar essas medidas. E aí os nosso lideres têm que negociar com os presidentes das Câmaras e do Senado.”

“Mas se a gente não aprovar impostos, temos outra coisa para fazer: fortalecer uma grande política de crédito. E já está acontecendo. O Banco do Brasil já está começando a financiar as cadeiras produtivas”, apontou Lula, para quem é necessário, ainda, investir em um estudo sobre o potencial do consumo interno e do comércio exterior com a América do Sul.

Denúncias de corrupção

“Ainda tenho três filhos que não foram denunciados e mais sete netos. Não vai terminar nunca isso. E ainda tenho uma nora que está grávida. Me criaram um problema desgraçado. Tenho quatro noras, me disseram que uma recebeu 2 milhões. Começaram a perguntar lá quem é que está rica aqui na família. Daqui a pouco uma começa a abrir processo contra a outra, para repatriar o dinheiro que pegou”, disse Lula, arrancando risadas dos militantes.

“Quero dizer que ninguém precisa ficar com pena, porque se tem uma coisa que aprendi foi enfrentar a adversidade. Se o objetivo é truncar qualquer perspectiva de futuro, então vão ser três anos de muita pancadaria, e podem ficar certos: eu vou sobreviver. Eu não sei se eles sobreviverão com a mesma credibilidade que eles acham que eles têm. Mas eu vou sobreviver.”

Eleições

“A gente não pode aceitar o discurso que a eleição no Brasil é a eleição com o clima de Minas, do Rio ou São Paulo. Cada eleição acontece em uma cidade, reflete uma cultura. Em geral, a população vota de acordo com o que vê na sua cidade. Temos que estar preparados.”

“Pode ficar certo que nós temos chances de ganhar a Capital de São Paulo. Se a gente ficar analisando as pesquisas feitas na Avenida Paulista, não. O que temos que olhar é que toda a cidade, apesar da zona rica, em periferia e zona pobre. É nessa zona que está a nossa força. No que eles chamam dos grotões das pessoas mais pobres, nós ganhamos. Nós temos que ter a certeza de construir um bom programa para cada cidade e depois ir para a rua.”

Que partido fez mais?

“Eu acho que não há porque um petista ficar de cabeça baixa ouvindo um ladrão chamar o PT de corrupto. Temos que levantar a cabeça. Certamente temos defeitos e erros. Mas qual o partido que conquistou o direito de andar de cabeça erguida como esse partido? Quem fez mais pelo povo? É o seguinte, não tem outro jeito: em época de dificuldade econômica, a gente tem que ir para a rua. A única coisa que não vale é se esconder.”

“Quem quiser sair do PT, que saia. Esse partido tem porta aberta para entrar e para sair. O que não dá é para a gente disputar com companheiros que na primeira dificuldade, ele quer puxar o carro.”

“O PT tem história, tradição, legado. Nós servimos de modelo até ontem. Temos que fazer as pessoas lembrarem do que conquistaram. Se não as pessoas esquecem, a imprensa não fala e nós também não falamos.”

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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