Por Lia Bianchini, repórter especial do Cafezinho. Com fotos de Bruno Bou
Vênus de Willendorf. Considerada a escultura mais antiga já encontrada, ela remete a tempos desconhecidos para as sociedades do século XXI, quando o símbolo maior de adoração e representação de um povo era uma figura feminina, nua, gorda. A Vênus de Willendorf representa a criação do mundo pelas mãos de uma mulher.
Na tarde da última quarta (28), o Centro do Rio de Janeiro foi palco não de uma descoberta arqueológica, mas de um nascimento político. A Vênus carioca não era uma escultura, mas sim várias vozes femininas que entoavam a criação de seu próprio mundo: elas gritavam contra o déspota Eduardo Cunha e a favor da liberdade de seus corpos, a favor de seu direito de escolha.
Às 14h, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) começava a ser estampada com faixas e cartazes que carregavam dizeres como “meu corpo, minhas escolhas”, “meu útero é laico”, “fora Cunha! Este corpo não te pertence”.
O local de concentração do ato não foi por acaso. Naquela mesma tarde, dentro da Alerj, a CPI do Aborto aprovava seu relatório final, que torna ainda mais rígida a punição aos corpos que abortam. Entre as medidas incluídas no documento aprovado pela Comissão, está a obrigatoriedade de que hospitais notifiquem à polícia todos os casos de aborto atendidos, mesmo os previstos em lei.
Os retrocessos impostos às mulheres, porém, não se restringiram ao estado do Rio de Janeiro. No último dia 21, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 5069/13, de autoria de Eduardo Cunha, que modifica a Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Lei 12.845/13).
Mais conhecido como “PL do Estupro”, o projeto altera o conceito de violência sexual, torna obrigatório que a mulher vítima de estupro faça um Boletim de Ocorrência e exame de corpo de delito para, só então, poder abortar, desobriga os hospitais a informarem sobre os casos em que mulheres têm direito ao aborto, e prevê detenção para pessoas e profissionais da saúde que ajudem mulheres a abortar.
Em meio a esse contexto de ataque à autonomia, milhares de mulheres caminharam da Alerj à Câmara Municipal do Rio cantando, gritando, reafirmando cada vez mais alto que seus direitos não serão tomados assim tão facilmente. As milhares de vozes, majoritariamente femininas, gritavam: “se empurrar, o Cunha cai”, “se o Papa fosse mulher, o aborto seria legal e seguro”, “se cuida seu machista, a América Latina vai ser toda feminista”.
No ponto final do ato, na Cinelândia, com a praça lotada, uma grande faixa foi estendida nas escadarias da Câmara Municipal, com os dizeres “nenhuma mulher deve ser maltratada, presa ou humilhada por ter feito aborto!”. Sobre ela, a artista Luciana Pedroso personificou as milhares de vozes que ali se encontravam, em uma representação de Vênus de Willdorf. Em uníssono, o coro feminino gritava: “eu sou livre, eu sou forte, eu sou mulher”.
Abaixo, fotos do ato: