Menu

Wanderley Guilherme e os perigos da auto-ilusão esquerdista

O último post do professor Wanderley Guilherme, em seu blog Segunda Opinião, traz um daqueles alertas desconfortáveis à esquerda nacional. Desconfortáveis porque sinceros e verdadeiros – e a verdade dói, sempre. Há uma série de coisas que preferíamos não falar – coisas dolorosas, constrangedoras, inexplicáveis. Ingenuamente, esperamos que o tempo curará todas as feridas. De […]

11 comentários
Apoie o Cafezinho
Siga-nos no Siga-nos no Google News

O último post do professor Wanderley Guilherme, em seu blog Segunda Opinião, traz um daqueles alertas desconfortáveis à esquerda nacional.

Desconfortáveis porque sinceros e verdadeiros – e a verdade dói, sempre.

Há uma série de coisas que preferíamos não falar – coisas dolorosas, constrangedoras, inexplicáveis.

Ingenuamente, esperamos que o tempo curará todas as feridas. De fato, cura, mas somente décadas depois.

O texto de Wanderley me dá oportunidade de desenvolver alguns conceitos que venho matutando há tempos, sobre a questão da corrupção.

Wanderley tem razão.

“A favor dos direitos civis e políticos de todos, não satisfaz à esquerda, contudo, refutar os ilícitos dos que herdaram a responsabilidade política com a denúncia de ilícitos cometidos pela processualística das investigações.”

Em termos mais simples, a esquerda não conseguirá se recuperar politicamente apenas denunciando os abusos processuais das operações que investigam os seus mau feitos.

O professor lista as grandes derrotas da esquerda desde os anos 50, derrotas que ela esconde embaixo do tapete de sua própria memória seletiva.

Parte da esquerda – em especial o partidão – sofreu uma terrível derrota política após a reviravolta emocional no país provocada pelo suicídio de Vargas.

O povo aderiu à memória de Vargas com uma paixão avassaladora, contra os conservadores, mas também contra a esquerda radical.

Nos bastidores do golpe de 64, também se esconde uma derrota política importante da esquerda, diz Wanderley. Ela se deslumbrou com algumas vitórias e não viu o avanço dos adversários.

Resultado: 21 anos de ditadura.

Mesmo a luta armada também resultou num fiasco em vários sentidos.

A esquerda saiu dessas escaramuças machucada, mas de cabeça erguida, lembra Wanderley.

Hoje não.

A esquerda – em especial o PT – vive uma situação de vergonha.

Deixemos de lado, por um instante, os abusos processuais, as delações forjadas, as conspirações midiático-judiciais.

Consideremos tudo do ponto-de-vista exclusivamente político, um universo no qual, como todo mundo sabe, não basta ser honesto. É preciso parecer honesto.

O PT pode sofrer um baque eleitoral muito forte em 2016 e 2018 em virtude de sua imagem devastada pelo noticiário da Lava Jato.

Para reduzir esses danos, o PT, e os setores da esquerda que o rodeiam, precisaria desenvolver estratégias de inteligência bastante complexas.

Em primeiro lugar, é preciso não se iludir.

O PT é o principal responsável político pelo mensalão, um grande esquema de caixa dois nas eleições de 2002 e 2006, e pelo petrolão, um esquema de desvios de recursos superfaturados em obras da Petrobrás.

Outros partidos participaram das orgias, mas a legenda mais atingida, por ser governo, e por ser de esquerda, ou seja, portadora de sonhos e utopias, foi o PT.

A única reação política que o povo respeitaria seria propor uma série de ações concretas, visíveis, para tratar do problema da ética, da moral e da corrupção no serviço público.

Ao PT não cabe fazer o papel de vítima. Há indivíduos petistas sendo objeto de perseguição judicial, e isso é muito chocante, mas ainda assim isso não comove a opinião pública.

Ao PT, como partido, cabe discutir iniciativas políticas para aprimorar o monitoramento dos próprios recursos partidários.

Ao governo cabe pautar uma agenda de ações contra a corrupção. Ao invés de esperar que nova multidão saia às ruas xingando a presidenta e convocando intervenção militar, deveria criar uma agenda permanente de políticas públicas contra o peculato e a corrupção, até para se blindar contra novas denúncias, que fatalmente ocorrerão.

Existe corrupção, em alto grau, no Estado brasileiro, ponto.

Ao governo federal cabe a responsabilidade política de liderar campanhas e iniciativas para reduzir os desvios. Iniciativas políticas, administrativas, policiais, educativas, e até mesmo – porque não? – morais.

Assim como não basta ser honesto, e sim parecer honesto, também não adianta apenas executar políticas contra a corrupção. É preciso divulgar essas políticas. E falo isso não pensando no efeito de propaganda, mas por entender que somente uma ampla divulgação de uma iniciativa permite que a debatamos; e a população tem ansiedade de pôr o problema moral da corrupção como um elemento central do debate político. A imprensa explora isso. O governo, não.

Nada disso impede que a esquerda continue denunciando os ilícitos processuais de algumas operações que investigam o governo.

Mas, evidentemente, a esquerda deve fazer essas denúncias de maneira universal e democrática, e não apenas levando em conta os abusos contra este ou aquele figurão da política ou do mundo empresarial.

Entretanto, o professor – experiente cientista político – adverte que, à esquerda, não basta gritar que está sentindo dores. É preciso tratar, com assertividade, humildade e franqueza, a origem do problema.

Caso contrário, repetiremos não apenas as derrotas do passado, mas copiaremos também as auto-ilusões com as quais a esquerda, historicamente, aliviou a consciência de seus erros.

A esquerda não precisa lutar apenas pela vitória eleitoral. Há também uma luta pela restauração de sua dignidade – o que talvez seja ainda mais importante para seu futuro de médio e longo prazo.

***

VERGONHA E REDENÇÃO À ESQUERDA

Por Wanderley Guilherme, em seu blog Segunda Opinião

Em sessenta e cinco anos de história brasileira, os grupos políticos à esquerda amealharam algumas dolorosas derrotas. Logo ao início dos anos 50, feroz oposição liderada pelo Partidão ao segundo governo de Getulio Vargas só cessou quando a oposição conservadora emudeceu perante o suicídio presidencial, em agosto de 1954. A memória seletiva da esquerda tradicional apagou a ferida de que a morte de Getulio não calou apenas a direita.

Triunfalismo na interpretação da vitória sobre a tentativa golpista de impedir a posse de João Goulart, em 1961, estimulou radicalismo esquerdista crescente que, somado à míope presunção antecipada de poder, manietou o governo trabalhista e pariu a anestesia de todos os setores da esquerda, espectadora aturdida da marcha patusca de Mourão Filho, em 31 de março/ 1 de abril de 1964, transformada em vitória da reação, quarenta e oito horas depois, sem enfrentar resistência séria. A versão canônica da esquerda some com vários personagens do enredo e coloca fuzileiros navais americanos, que não estavam no roteiro, dando sentinela às portas do palácio do Governo, recebendo os golpistas que atravessavam a rua, vindos do Congresso. A derrota perdurou por 21 anos.

A partir de 1969, com o início da segunda edição do golpe civil-militar, registrada como Ato Institucional nº 5, veteranos de organizações revolucionárias convocaram a paixão de generosa juventude e acreditaram na via armada para o socialismo. A desilusão com as históricas lideranças progressistas, particularmente com o Partidão, cobriu de simpatia o apelo heroico e, a acreditar no testemunho posterior e memorialístico de sobreviventes, o estoque natural de solidariedade dos dezoito anos fez com que muitos ingressassem na rebelião acompanhando amigos de geração ou colegas de colégios e universidades. Para alguns mais lúcidos, a guerra foi perdida quando se deram conta de que “reagrupamentos de forças” escondiam contundentes derrotas físicas e, mais friamente, quando a taxa de recrutamento de combatentes ficou sistematicamente abaixo da taxa de perdas por desaparecimento, morte e prisão. Duríssimos momentos em que a rendição significava aparente e irreparável traição emocional aos companheiros mortos pela causa que estavam prestes a confessar perdida. Desde 1974, a tentativa revolucionária, como opção coletiva, estava destruída. Os militares, no entanto, fizeram dos mortos fantasmas a assustar conservadores e liberais por mais 11 anos.

De todas as desventuras, inclusive menores, os grupos à esquerda saíram feridos, mas não envergonhados. O rubor nunca fez parte do cardápio do campo progressista da política. Até recentemente. Por maior que seja o exagero e a falsificação do noticiário, por extensa que se prove a arbitrariedade do judiciário curitibano, não é possível à esquerda fingir que não é com ela. Reinterpretar a história para ficar bem na foto é estratégia eficaz enquanto a emoção não entrega os pontos. E não há cremes e batons que disfarcem o embaraçoso corado da face, o caminhar desorientado, o desânimo vocal. Trata-se de uma prostração histórica, não da batalha circunstancial de uma eleição ou outra. Vitórias eleitorais serão importantes, mas insuficientes para convencerem bons filhos a retornarem à casa antiga. A ruptura com os seduzidos pelos nefandos hábitos da direita privada, sempre pronta a expropriar clandestinamente os recursos públicos, é inevitável. Difícil e triste, pois exige autocondenar a negligência com que cada um se deixou encantar por um punhado de bravos, que o foram, quando deixaram de o ser. Crimes da direita não redimem pecados da esquerda.

A favor dos direitos civis e políticos de todos, não satisfaz à esquerda, contudo, refutar os ilícitos dos que herdaram a responsabilidade política com a denúncia de ilícitos cometidos pela processualística das investigações. A purga do desencaminhamento será amarga e lancinante. A começar pelo desconforto de reconhecer por ações e palavras que parte dos decaídos, a maior talvez, não está mais entre nós. E convocar os dispostos à longa reconstrução institucional do destacamento de vanguarda do país. A contabilidade de quantos bons filhos de boa fé sobraram é urgente.

Apoie o Cafezinho

Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

Mais matérias deste colunista
Siga-nos no Siga-nos no Google News

Comentários

Os comentários aqui postados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site O CAFEZINHO. Todos as mensagens são moderadas. Não serão aceitos comentários com ofensas, com links externos ao site, e em letras maiúsculas. Em casos de ofensas pessoais, preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência, denuncie.

Escrever comentário

Escreva seu comentário

Frederico Freder

06/10/2015 - 03h00

Eu voto no PDT para prefeito da minha cidade e não votaria no candidato do PT. Mas eu gosto do PT nacional, tirando algumas figuras que não tem nada a ver com o partido.

João Pedro De Oliveira

05/10/2015 - 16h47

Jéssika S. Tenóriio Gabriel Lopes Lisboa

surreal

05/10/2015 - 13h39

A mídia máfia anti-nacional sofismática é tão poderosa na dissonância cognitiva que até os blogueiros estão se vendendo.

Ricardo Edmundo Cecconello

05/10/2015 - 16h32

UMA PERGUNTINHA QUE NÃO QUER, NEM PODE CALAR:

Senhor Doutor Juiz Moro, responsável pela OPERAÇÃO LAVA JATO, e ordens de prisões preventivas contra “bandidos” sem situação de privilégios, POR QUE A ESPOSA DO DEPUTADO EDUARDO CUNHA, que se suspeita ter contas ilegais montando o valor de cinco milhões de dólares, AINDA NÃO ESTÁ PRESA?

Lembramos que a “esposa” não tem “foro privilegiado”, Excelência.

Ou a dita cuja “jornalista esposa” não será presa por não ser “PETISTA”?

Ou a guantánamo do Paraná usa de dois pesos e duas medidas?

Elson Josué

05/10/2015 - 16h11

Fi O Cafezinho aparece esta mensagem pra mim “Service Temporarily Unavailable

The server is temporarily unable to service your request due to maintenance downtime or capacity problems. Please try again later.

Additionally, a 503 Service Temporarily Unavailable error was encountered while trying to use an ErrorDocument to handle the request.”

Alvaro Rangel

05/10/2015 - 15h33

Texto interessante; com coisas precisas e outras não. Vislumbro ainda que no que concerne à abordagem do PT e do desgaste atual da esquerda, comete duas impropriedades significativas; primeiramente ao colocar o PT como partido de esquerda, quando na realidade o PT não é nem jamais se tratou de um partido político bem de esquerda, mas sim um partido constituído no início da década de 1980 como um partido de frente de centro-esquerda, com forte influência desde sua fundação de sindicalistas independentes economicistas, voluntaristas e/ou espontaneístas com matiz ideológica reacionária sem questionar o sistema capitalista (Lula, por exemplo) da social-democracia e das Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica; segundo ao destacar na abordagem da crise atual basicamente a questão da corrupção, quando, na realidade, justamente por não ser o PT um partido verdadeiramente de esquerda, nem social-democrata, nem socialista, nem reformista, nem socialista, nem comunista, muito menos revolucionário, está dentro do âmbito da normalidade quando o PT fez quaisquer tipo de alianças espúrias para chegar e se manter no poder, conchavando com fisiologistas do PMDB e prepostos das classes dominantes; não aponta que os governos PT não romperam com o neoliberalismo e foram caracterizados pelo paternal-assistencialismo, eis que os justos e necessários programas sociais não foram concomitantes ou acompanhados de uma práxis de conscientização, educação e organização do proletariado, com vistas ao objetivo estratégico de revolução socialista. Obviamente que o desdobramento resultante de tais circunstâncias foi o inchaço do PT com elementos carreiristas, oportunistas e corruptos em suas fileiras.
Finalmente, também tenho reservas com relação ao texto que, ele negligencia que da mesma forma que a mídia das classes dominantes prega o maniqueísmo onde o capitalismo é o bem e santificado, e o socialismo é o meu e demoníaco, manipulando ideologicamente o povo nesse sentido, como manipulou no sentido do golpe de 1964 e a ditadura militar serem “coisas boas”; essa mesma mídia das classes dominantes, no sentido de afastar o proletariado e a juventude dos partidos verdadeiramente de esquerda, fez nos últimos 35 anos toda uma propaganda e campanha midiática para incutir na cabeça das pessoas que o PT seria supostamente o partido político representativo da esquerda no Brasil, ora amenizando e apresentando-o como partido social-democrata clássico, ora como socialista reformaste, ora até mesmo como partido comunista. Na época da eleição do Collor o discurso implico e explícito sistemático de que o PT hipoteticamente seria um partido comunista que iria confiscar as casas, propriedades e contas bancárias do povo, foi usado inescrupulosamente pela mídia burguesa para criar na classe média e proletariado remediado um pavor do PT. A mensagem que obteve sucesso era de que os problemas do país não decorriam do sistema capitalista e sim de pessoas individualmente, marajás e corruptos, onde Collor era o “Caçador de Marajás” e “salvador da pátria”.
Mostrando sua verdadeira face de partido burguês e falsa esquerda, o PT cumpriu o papel delineado pela burguesia e jogou lama na história da esquerda no Brasil, desgastando e tornando impopular a esquerda e suas mensagens em prol do socialismo, fincando a ideia de que socialismo seria sinônimo de autoritarismo, autossuficiência da arrogância e corrupção.
Graças ao PT a luta da esquerda para recuperar sua imagem positiva vai ser longa, árdua e dura; e deverá passar distante do próprio PT; salvo se o PT fizer profunda autocrítica e s´ria depuração de seus quadros.
O PT nunca foi de esquerda.
O PT não é esquerda.
O PT cumpriu com maestria o seu papel de desgastar, difamar e tornar impopular a esquerda. Parabéns burguesia.

Márcio Montalti

05/10/2015 - 15h32

Achei o texto tão mal embasado. Principalmente a parte sobre o Golpe de 64. É de conhecimento público que era articulado dwsde 61.

mineiro

05/10/2015 - 10h11

esse negocio de frente de esquerda , ta mais parecendo que querem ganhar tempo para tentar enganar o povo. mais isso nao vai acontecer , porque hoje existe uma coisa chamado internet e quem quer se fazer de esperto , achando que vai passar por cima do povo , ta muito enganado. a esquerda hoje ta mais parecendo uma segunda via da direita , ta borrando nas calças de medo e fica falando so em salas fechadas, se isso vai adiantar alguma coisa. se o desgoverno desse fantoche escolheu a direita temos que lutar contra ele tambem , se for o caso , mas se for , tem que incluir nao pacote.

mineiro

05/10/2015 - 10h06

parabens faz tempo que nao leio um verdadeiro como esse e ta precisando de gente assim , para ir na ferida. porque tem muita gente no se fazendo de imbecil ,fingindo que nao esta acontecendo nada , é o caso da segunda via da direita a tal esquerda covarde e do pt bundao que se vendeu ao sistema a muito tempo. nao tem mais volta , ou esses covardes comecem a lutar ou vai acabar sendo esquecido pela historia , pelos covardes que foram em se ajoelharem para a direita sem lutar e é o que infelizmente vai acontecer.

Edson Antonio Barboza Ramos

05/10/2015 - 11h02

O PT precisa de uma faxina ética. Somente os que não têm resquícios dos maus feitos, poderiam estar aptos à cargos eletivos. Cargos a serem preenchidos, só por carreira. Cada região deveria trabalhar por alguns nomes com efetiva chance de vencer e com condições éticas e firmeza de propósitos. Chega de panfletagem vazia, feita à muita grana. Um candidato têm que estar muito próximo ao eleitor, onde ele sente junto com uma comunidade, e discuta com essas pessoas as pautas que irão propor, nem que seja através de assessores diretos, em que fique claro, para os eleitores essa proximidade. Foi esse distanciamento, que possibilitou que o PT seja apenas mais um partido como todos os outros.

Wagner Antonio Tavares

05/10/2015 - 09h22

É mas…tem que além de PRENDER…tem queCONFISCAR!!!!!!!!!!!


Leia mais

Recentes

Recentes