Imprensa amplia ataques a Lula

Análise Diária de Conjuntura – 01/10/2015

Como acontece desde que Lula ganhou as eleições em 2002, a imprensa de hoje amanheceu com fortes ataques ao ex-presidente, ao governo e ao PT.

Com a Lava Jato já cansando um pouco, o Estadão agora surge com outra “bomba”, a de que uma Medida Provisória teria sido “comprada por lobby”.

O texto da matéria é curioso.

Logo no início a reportagem fala o seguinte:

(…) Uma das mensagens, de 15 de outubro de 2010, diz que houve “acordo para aprovação da MP 471” e que Mauro Marcondes pactuou a entrega de R$ 4 milhões a “pessoas do governo, PT”, mas faltou com o compromisso.

“Faltou com o compromisso”, vai vendo.

É tipo assim. Pagou propina mas não pagou, entende.

A história em seguida fica mais excitante.

(…) Comunico ao senhor do acordo fechado para a aprovação da MP 471, valor este do seu conhecimento. (…) o sr. Mauro Marcondes alega ter entregado a pessoas do atual governo, PT, a quantia de R$ 4 milhões, o qual (sic) não é verdade”, alega.

Yeah!

A bomba do Estadão é uma propina que não existiu.

A história toda é uma mistificação.

Lobbies existem em Brasília. Lula não é um ditador soviético para, assim que assumisse o poder, mandar interromper as atividades político-empresariais que giram, freneticamente, no entorno dos ministérios, do Congresso, do Palácio, sempre em busca de decisões políticas que beneficiem os setores que patrocinam estes lobbies.

O setor automotivo trabalha diuturnamente para reduzir seus impostos.

O setor bancário trabalha diuturnarmente para elevar os juros.

Os deputados e senadores têm suas campanhas patrocinadas por aqueles setores que, após as eleições, exigem o cumprimento de acordos previamente acertados.

Isso é a realpolitik.

Não é crime. É política.

Os sindicatos apoiam um candidato que, em seguida, trabalhará em prol das campanhas sindicais.

Mesmo com a proibição das doações empresariais a políticos, os lobbies continuarão a existir.

A imprensa manipula a opinião pública quando tenta emplacar uma narrativa criminalizadora da atividade política, e apenas contra um lado.

A intensificação dos ataques midiáticos e a persistência dos maus índices de popularidade da presidenta elevam o golpômetro em dois pontos.

As conspirações judiciais, por sua vez, espalham-se como metástase.

Além da matéria exclusiva do Estadão, que tenta arrastar até o filho de Lula para dentro do escândalo, a Lava Jato ficou mais agressiva, na esteira da loucura dos procuradores – que já admitiram que o objetivo é este – para derrubar o governo.

Novamente o Estadão – o jornal mais desesperado de todos, a nossa Veja em formato diário – assume a dianteira das conspirações.

Essa é a teoria preferida do golpe, porque atinge Dilma, PT e a eleição.

Eu chamo de conspiração midiático-judicial por razões óbvias. A PF seleciona exatamente os trechos que interessam às narrativas que a imprensa deseja estabelecer, num joguinho de vai e vem de cartas marcadas.

A PF tem acesso a milhares de emails, mensagens, etc. De posse de tanta informação, pode-se montar qualquer teoria.

As mensagens usadas para criminalizar uma candidatura que obteve 54 milhões de votos, e produzir uma das maiores crises políticas da nossa história recente, são assim:

“RP, vc acha que eu devo ligar para o contato que o bovino religioso passou???.”

Sim, é surreal.

A própria matéria afunda-se em suas próprias contradições, ao dar a seguinte informação:

Do total de doações que a UTC fez nas eleições de 2014 – R$ 52,2 milhões – , R$ 14,7 milhões foram para os comitês de candidatos, dos quais a campanha da petista recebeu R$ 7,5 milhões. Houve um terceiro repasse de R$ 2,5 milhões no dia 22 de outubro em nome do comitê de Dilma.

Vejam bem!

A UTC fez doações de mais de R$ 50 milhões em 2014, das quais Dilma – a candidata favorita – recebeu R$ 7,5 milhões.

Os artifícios para criar uma aura de crime na doação para Dilma, e apenas para Dilma, são escandalosamente sórdidos.

Os jargões usados pelos executivos para se comunicarem entre si recebem a interpretação que a conspiração deseja.

Mais frases, vazadas ao Estadão e usadas como prova “midiática” para fazer a condenação política – que é o que importa, afinal de contas:

“Já estive com ele. Abrs”.

“Ele pensa que é 5, mas é 4. Ele me pediu 1. Então só dei 1. Contorne ai pois ainda tem rescaldo”.

“RP, posso resgatar o que fizemos de doações esta semana?? Tá pesado e não entrou um valor da PB que estava previsto para hj, +/- 5mm”

Enquanto isso, aterrorizam-se os empresários, mantendo-os em prisão preventiva eterna, sob ameaça de condenações completamente estapafúrdias, como as impostas à Vaccari e a Renato Duque, de 15 e 20 anos, respectivamente.

Isso além das ameaças às famílias dos réus. Não podemos esquecer que Sergio Moro está mantendo a filha de José Dirceu presa sob acusação de lavagem de dinheiro porque ganhou um apartamento do pai.

Em Minas Gerais, o governador Pimentel enfrenta a sua Lava Jato local (as notícias são de hoje) – por isso falei que as conspirações midiático-judiciais se espalham como metástase. O modus operandi é sempre o mesmo: relações promíscuas entre setores reacionários da Polícia Federal – transformada em polícia política antigoverno – e a imprensa.

Conteúdos sigilosos, delações, são vazadas criteriosamente, sempre com objetivo de se tornarem peças de uma narrativa previamente escrita, de aparência novelesca, criminalizando determinados agentes políticos, para benefício eleitoral de outros.

Para consumar mais um glorioso dia da imprensa golpista, não podia faltar a campanha de Augusto Nardes, relator do processo no TCU que investiga as contas de Dilma Rousseff, para condenar o governo.

Afinal, não basta o TCU rejeitar as contas da presidenta.

Como estamos diante de um julgamento político, desta vez não apenas de meia dúzia de caciques petistas prontos a serem engaiolados e sacrificados no altar do interesse político maior, é necessário uma grande campanha para desmoralizar o governo e oferecer clima para o impeachment.

Os golpistas parecem ter uma agenda muito bem definida.

O governo ao menos conseguir levar adiante uma reforma ministerial: muito meia bomba, para falar a verdade, sobretudo porque, mais uma vez, o governo não fez o dever de casa. Não se comunicou.

O ministro da Saúde foi trocado por um cacique do PMDB, de maneira abrupta, que mereceu imediatamente de Ciro Gomes – virtual candidato presidencial do PDT para 2018, ou mesmo antes, em caso de golpe –  os epítetos carinhosos de “semianalfabeto” e “picareta de nascença”.

Não sei se Ciro Gomes está certo. Do ponto-de-vista político, o que importa é o efeito fortemente midiático de suas ações, junto ao povo nordestino, onde a presidente obteve os seus mais espetaculares resultados eleitorais.

Bater no governo, antes um esporte, agora se tornou quase uma obrigação política, à direita e à esquerda, e tudo porque o governo entrega os anéis, os dedos, os braços, os ombros, mas esquece sempre o principal: a política.

É preciso falar de política, ou seja, de democratização da mídia, reforma agrária, mobilidade urbana, metrôs, bicicletas, gestão inteligente do lixo, estratégias geopolíticas.

Sem política, não há estabilidade, sem estabilidade não há ajuste fiscal.

Pode entregar o governo inteiro para o PMDB que não adiantará nada. A instabilidade durará enquanto o governo permanecer inerte perante a grande luta política e ideológica travada na sociedade.

É preciso mobilizar a opinião pública que votou em Dilma Rousseff, e que também inclui juristas, magistrados, delegados, procuradores.

Em cada micro-universo político – ou seja, em cada repartição da Polícia Federal, do Judiciário, do Ministério Público – existe uma disputa, e se o governo central não faz política, ele implode, porque a esquerda perde a luta política em cada um desses micro-universos.

Daí nascem as conspirações. Todos os núcleos de oposição, incrustados na sociedade, começam a se mobilizar em torno do objetivo central: derrubar o governo e eliminar o PT.

O governo precisa oxigenar seu próprio corpo, injetar juventude, sangue novo, nomes novos, em seus ministérios, para recuperar seus poderes criativos e sua autoconfiança.

Para isso, é preciso surpreender a sociedade, apresentar-lhes novidades. Por que não mudou completamente o ministério e todo o corpo do governo assim que virou o ano? Não é evidente que esse foi o erro capital que fez desmoronar o apoio social ao Planalto?

Até mesmo o PMDB mais reacionário tem pedido isso ao governo: que faça mais política, que se posicione, que amplie a comunicação direta com a sociedade. E não através de sistemas burocráticos, quase infantis, como o Dialoga Brasil, e sim através da política. Ou seja, através de nomeações diferentes, que mobilizem e empoderem setores novos da sociedade brasileira, e de estratégias de relacionamento com a imprensa mais ousadas, mais plurais.

Custa alguma coisa, por exemplo, usar melhor o blog do Planalto? Por que a presidenta acabou com o Café com a Presidenta e nunca lançou nada em seu lugar?

Custa lançar uns aplicativos originais, que nos permitam acompanhar os atos do governo?

Como é possível que um governo que criou tantas coisas legais, como o portal da transparência, a CGU, os programas sociais, que aprovou uma nova lei para o salário mínimo, que criou programas inovadores para a saúde e educação, tenha perdido completamente seus poderes criativos para se comunicar com a sociedade?

Até mesmo o problema da corrupção é um derivado da comunicação, porque somente o monitoramento mais atento da sociedade é capaz de desinfetar a roubalheira, e para isso é preciso criar canais de acesso mais diretos, a começar pela mobilização política.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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