Publicado originalmente no Justificando.
No Justificando Entrevista dessa semana recebemos o Jurista Pedro Estevam Serrano para uma conversa sobre Política, Judiciário e Mídia. Serrano lançou recentemente o livro O Justiça na Sociedade do Espetáculo, no qual reúne uma série de textos escritos ao longo de sua carreira.
A entrevista que durou em torno de vinte minutos, aborda a tese do Jurista sobre atuação do Judiciário como agente da exceção. Isto mesmo, aquele que seria o garantidor de direitos e aplicador das leis está se comportando justamente como o Poder que suspende garantias individuais. Serrano explica a ideia da “exceção”: “uma força política que ingressa nas relações jurídicas entre Estado e pessoa para suspender o Direito e fazer valer uma soberania absoluta”.
Segundo ele, o Judiciário pode atuar de duas formas quanto à exceção. A forma secundária, porém permanente, que ocorre no Poder Judiciário – na prática juízes, promotores e advogados – chancela a exceção imposta pela política policial do Estado brasileiro em periferias e favelas:
“Há um Estado de Exceção Permanente em relação à pobreza, que tem os seus direitos à circulação suspensos – depois das onze horas ninguém circula na periferia; tem o seu direito à livre expressão suspenso, veja a repressão ao funk. E quando há o suspeito de ser o tal do ‘inimigo’, o tal do ‘bandido’ tem o direito à integridade física e à vida suspensos. Direito à defesa não existe – 40% dos aprisionados no Brasil, quarta maior população aprisionada no mundo, são presos sem direito de defesa em celas e cadeias medievais”.
“Nesse aspecto, o Judiciário é um dos agentes (da exceção). O agente principal é a PM (Polícia Militar), mas o Judiciário consolida isso, por exemplo, quando apriosiona 40% das pessoas com ordens cautelares e não com ordens definitivas. O Juiz e o Promotor acabam sendo agentes desse estado de exceção também. Agentes secundários nesse tipo de questão” – completou.
A outra forma de atuação como agente da exceção ocorre quando o Judiciário decide interromper o ciclo democrático e agir contra à Constituição. Essa forma de exceção tem tido uma certa força na América Latina, com dois casos que aconteceram há pouco tempo em Honduras e Paraguai.
“(Nesse caso) tem o Judiciário ou como agente da decisão de interromper o ciclo democrático ou como agente que legitimou a decisão de impechment de interrupção”.
Em Honduras, o Presidente Zelaya chegou a ser expulso do país, em decisão frontalmente contrária à Constituição do país – a Corte, posteriormente não só anulou a expulsão, como também o próprio impeachment, mas apenas anos depois de ele já ter sido tirado do poder. No Paraguai, por exemplo, o processo de impeachment teve duas horas de defesa e pouquíssimas oportunidades para fazê-la. O caso foi tão gritante que há mais garantias em se defender de uma multa de trânsito do que se defender de um golpe.
No Brasil, para Serrano o Mensalão acendeu o “farol amarelo”, quando suspenderam o direito de defesa, por condenar uma série de pessoas sem provas, muito por causa da relação perniciosa entre Justiça em Mídia. “Você substitui a lógica do Direito, que é a do lícito e do ilícito por uma lógica do notícia e não-notícia”.
A entrevista ainda abordou sobre as oscilações do Judiciário brasileiro quando atua como um “garantidor de direitos”, ao que Serrano atribuiu considerou esse comportamento errático do avanço como até onde a elite e mídia razoavelmente aceitam.
“O voto do Ministro Barroso foi um exemplo disso. Ele faz discurso muito bom, uma justificação muito boa, que aponta para o sentido de descriminalizar o porte para uso de substâncias entorpecentes, ou seja, que favorece as pessoas no direito de propriedade mais essencial, que é o direito de propriedade do próprio corpo; e no final ele vai restringir só para a maconha. Então ele fez um discurso muito bonito, mas uma decisão ruim, na minha opinião, porque ao invés de obedecer a Constituição, preferiu mediar com a mídia e a opinião publicada”.
Ou seja, para Serrano o Supremo Tribunal Federal tem sido errático quanto à dialética entre exceção e Constituição. Já a primeira e segunda instância, ou seja, demais juízes do Brasil, a postura que tem prevalecido é a da exceção: “O Judiciário Penal de primeira instância, majoritariamente, é uma força de exceção para recriminar e punir a pobreza”.