Fabiano Santos: Opção pelo golpe vai ser cobrada na história

O Cafezinho tem a honra de publicar uma entrevista exclusiva com um dos nossos cientistas políticos mais atentos e, porque não dizer, mais preocupados com a conjuntura.

Fabiano Santos, professor e pesquisador do IESP, um dos principais institutos de ciência política do país, não vê a política apenas como um acadêmico.

Ele a vê também com olhos de cidadão disposto a lutar, com as armas da análise, com as luzes da filosofia política, com sua austera sobriedade científica, pelo futuro de seu país.

Em virtude da complexidade do tema, a entrevista deixa várias pontas soltas, e gostaria muito que pudéssemos discuti-las aqui no blog.

As principais questões são: o que fazer para superar a crise política, salvar o processo democrático de um golpe hondurenho e resgatar a estabilidade política e o desenvolvimento econômico?

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A entrevista foi realizada no dia 09 de setembro de 2015, na sala de Fabiano no Iesp.

Cafezinho: Passamos agosto, não teve o golpe, mas os rumores de uma possível ruptura política ainda estão no ar. Foi criada uma frente de deputados, abertamente voltada para o impeachment. Os jornais falam diariamente em impeachment. O governo parece não ter se encontrado, agindo de maneira errática, desorientada. Eu queria saber sua opinião sobre essa conjuntura.

Fabiano Santos: O país vive situação extremamente delicada, muito difícil. Em primeiro lugar, experimenta forte crise econômica cuja intensidade não se imaginava que poderíamos ter na ocasião das eleições. De um lado, ao que tudo indica o governo não forneceu à sociedade todas as informações atinentes à delicadeza da situação econômica. De outro, a oposição para esta mesma sociedade é sempre vista como um ator enviesado, interessado em piorar e exagerar a realidade. Por óbvio, o governo não detinha as informações a respeito do que poderia vir a ocorrer na economia, especificamente sobre variáveis derivadas do cenário internacional. A crise econômica é um estimulador, um determinante da crise política, de sua gravidade e delicadeza. Crise política por si só existe, todavia seu significado seria outro caso a situação econômica não estivesse tão deteriorada.

Trata-se de uma situação econômica envolvendo o governo, envolvendo as contas públicas, estas diretamente afetadas pelo problema da arrecadação. Sendo fraca a atividade econômica, ruim também será a arrecadação. Cria-se um cenário de cobertor curto, de escassez, estando o governo na difícil posição de ter de extrair mais recursos da sociedade. É exatamente neste ponto que entra em tela o papel da política, a arte da política, a política naquilo que tem de mais essencial. Fazer política na bonança é fácil, todos somos grandes estadistas na abundância. É muito difícil fazer política na escassez, em especial depois de longo período de crescimento, com natural aumento das expectativas de mais afluência e inclusão.

Vejamos então a crise política. Esta já se desenhava desde das eleições: disputa muito acirrada, uma polarização muito desinteressante. Logo após a vitória do governo, a oposição sinaliza que sua postura seria diferente daquela adotada desde os primeiros anos do governo Lula. De uma postura semi-udenista, o PSDB parte para uma postura francamente golpista e anti-sistêmica. E aqui é importante separar o joio do trigo. Determinados atores, desde o ano passado enredados na lógica da radicalização, apostam agora numa saída fora do regime democrático, fora da legalidade democrática. Releva ressaltar que esta opção vai ser cobrada desses atores na história – e não se trata de história no longo prazo. Isso se volta contra esses atores logo ali na esquina, nas próximas eleições. Partido golpista é um estigma ruim para qualquer agremiação e assim será visto o PSDB daqui por diante. E não apenas o partido – estamentos importantes estão envolvidos na trama da solução para a crise fora dos marcos da legalidade democrática. Obviamente que com exceções. Veja o comportamento da Polícia Federal, do Ministério Público e de partes importantes do Judiciário – não é preciso muito esforço para compreender que tais estamentos agem substituindo historicamente o papel dos militares, como instrumento de reação ao trabalhismo e sua agenda de desenvolvimento com inclusão social.

Mas, como disse, é preciso separar o joio do trigo. Há um segundo grupo de atores que joga com o cenário político tal como este se apresenta. E aqui entra a delicadeza da situação. Não se pode tapar o sol com a peneira. O governo está tendo muita dificuldade em organizar forças sociais e econômicas consistentes, coordenar coalizões políticas minimamente eficientes, para que se estabeleça uma agenda positiva de enfrentamento da crise. Em uma palavra, o país precisa de um governo que consiga governar. É lamentável constatar, mas o governo não tem demonstrado capacidade política de superação dos sintomas mais importantes da crise. O governo precisa apresentar uma coalizão consistente e uma agenda consistente de enfrentamento dos desafios econômicos e de alargamento do horizonte de perdas e ganhos dos atores sociais e grupos de interesse. A delicadeza da crise, hoje em dia, reside exatamente nesta incapacidade política do governo, que permite a elucubração em torno de saídas não democráticas, o que sem sombra de dúvida significa um verdadeiro desastre para o país.

Cafezinho: Porque iria piorar…

Fabiano: Piorar muito, porque o vice-presidente é politicamente frágil. Trata-se de uma liderança mais provinciana, de São Paulo, especializado na máquina pemedebista. O PMDB é um partido complexo, longe está de ser um partido da moral, um partido que corresponda aos anseios da população. Não possui marca distintiva, uma identidade bem definida. É um conjunto disperso de lideranças locais que não falam a mesma língua, e que às vezes partem para o confronto aberto. Em suma, ao PMDB falta coesão mínima para governar, ainda mais em tempos de crise.

Além disso, o vice-presidente torna-se vice em chapa eleita com a presidenta Dilma, trazendo desde logo um problema de legitimidade para governar, legitimidade de origem.

Por fim, a sociedade organizada, mas não só, toda a população perceberá em pouco tempo o seguinte: que a solução cantada pela oposição de que a derrubada da presidenta produzirá necessariamente um mundo melhor, mais puro e afluente não virá. A pergunta então será: como o vice-presidente, com sua pouca densidade política, responderá a essa expectativa da sociedade? Haja repressão nas ruas…

A outra solução, que não seja a entrada do vice, é golpe, pura e simplesmente, golpe em sua mais crua realidade. Aí é o caos. Porque segmentos importantes da sociedade não vão aceitar isso, durante anos e anos. Então para o Brasil, as duas soluções são desastrosas. Solução da vice-presidência é uma não-solução. Solução de novas eleições ou impedimento da chapa é também não-solução. São duas soluções desastrosas para o Brasil.

Portanto, Miguel, a solução que se quer é que o governo apresente, dentro da legalidade democrática, soluções para o país, mínimas. Alargamento dos horizontes dos atores. Mas é exatamente isso que governo não apresenta. E por isso mesmo, minha preocupação com o cenário atual.

Cafezinho: Eu percebi uma coisa também. Existem dois fatores sobre os quais eu queria pedir sua opinião. Um é sobre o colapso da informação no Brasil, que você percebe quando você constata que as pessoas não sabem nada do que está acontecendo. Aquele vira-latismo latente, que existe no Brasil historicamente; em momentos em crise, ele explode. O Brasil começa a odiar o Brasil, e perder completamente as esperanças sobre seu próprio país. A capa da Veja desta semana é “a esperança acabou”. Eu tenho escutado muito isso. Outra coisa é sobre a classe média. Eu acho às vezes engraçado, porque ela é encarada como uma elite, só que talvez a esquerda tenha errado em encarar a classe média como elite. Dentro do Brasil, em comparação aos muitos pobres, ela representava isso. Mas agora você tem uma espécie de rebelião política da classe média brasileira, ou de setores dela, indo para as ruas, fazendo política, e fazendo política no vale tudo. E não podemos ser ingênuos, porque política é um vale tudo sim, desde que não se rompa a legalidade democrática – mas existe uma linha tênue na democracia sobre o que é legalidade ou não. Para algumas pessoas, uma coisa é legal, para outras não é.

O discurso deles, por exemplo, é que o impeachment não é golpe. Há uma pressão muito grande sobre os estamentos, para eles fazerem a ruptura. Essa pressão vem da classe média. É o ambiente social onde transita toda a elite dirigente. Essa é a leitura que ninguém fez com a profundidade que deve ser feita. É o ambiente onde a elite vive, e não só a elite dos milionários. Mas os advogados, procuradores, juízes, deputados, médicos, engenheiros. Então a classe média se deu conta de repente do poder que ela tinha. Que apesar dela não constituir maioria da população, ela rodeia completamente os estamentos dirigentes do país. Então ela tem o poder de acossar. O cara vai no restaurante, ela xinga, faz isso no avião. Isso gera muito medo junto a esses estamentos, que estão vendo a agressividade, muitas vezes até flertando com a truculência fascista, dessa classe média. Mas a classe média também um setor do povo, um setor remediado, como se diz. Essa classe média pode ser reconquistada? A gente conversou uns anos atrás, sobre a possibilidade de haver essa virada conservadora. Lembro que você falou: não, isso vai demorar, porque tem muito pobre no país ainda. Só que a classe média avançou o sinal. A gente não contou com isso. Ela ainda não ganha eleição presidencial, mas avançou em termos de participação. Como você lê essa radicalização da classe média? Eu não acho que a vocação dessa classe média é necessariamente conservadora. Nos EUA, usa-se o termo classe média como sinônimo de gente pobre. Qual o impacto dessa classe média para os partidos políticos?

Fabiano Santos: É preciso, Miguel, separar duas classes médias: uma tradicional é classe média brasileira, formada por profissionais liberais, assalariados, professores universitários, portadores de diplomas universitários, pelos que alcançaram a pós-graduação, muitos com a oportunidade de estudar fora, e que voltam para o país a fim de compor nossa elite. Não é composta propriamente por ricos, milionários, empresários, mas é uma espécie de elite. Digamos, uma elite pensante. Uma elite de especialistas. Trata-se, portanto, de uma lite em um país desigual, segmentado.

Temos de separar essa classe média, que se vê como elite, de uma “classe média” nova (aqui não pretendo entrar no debate especializado sobre o que sociologicamente define uma classe média), que ascende desde a estabilização monetária, e mais intensamente com as políticas de inclusão de Lula, e que se torna (este sendo o ponto crucial) um novo ator. Este novo ator ascende socialmente, econômica e simbolicamente com os governos do PT. Ascende endogenamente e vem da massa, antes basicamente pobre. Temos de saber que separar bem essas duas “classes médias”. A classe média elitizada é ignorante politicamente, e, o que é pior, não se reconhece como ignorante. Esse é o problema psicológico básico dela. Acha que entende de política, mas não entende nada. Cai em contos do vigário. Adota fórmulas fáceis para desvendar a realidade da política. Não entendem a política porque este é um fenômeno complexo. O interessante é notar que, ao mesmo tempo e não obstante, essa classe média tradicional tem pouca influência sobre o que pensa a grande massa da população – a chamada nova “classe média”. Essa sim está impactada pela quebra de expectativas de inclusão. A partir da segunda metade do primeiro mandato Dilma, o governo passou a ser incompetente, claramente incompetente, para conduzir todo o legado de políticas econômicas e sociais construídas anteriormente. Por falta de liderança e capacidade de condução.

Aí, como se diz no popular, o “bicho pega”. A população começa a reagir e a coalizão, baseada no âmbito partidário no PT e PMDB, e no âmbito societal, centrais sindicais, movimentos sociais e grandes grupos empresariais (com exceção da oposição renhida e desleal dos grupos de mídia familiares) que vinha sustentando o governo ameaça ruir. É uma coalizão pensada para incluir empresários e trabalhadores, inserindo o Brasil como grande player geopolítico internacional, ao mesmo tempo com um governo que inclui a massa de despossuídos no mercado formal de atividade economica. Essa é a estratégia do desenvolvimento político-econômico brasileiro. Exige sabedoria política, capacidade de coordenação. Exige fazer política nacional e internacional o tempo inteiro. O governo abdicou disso. Parece não entender que para o modelo continuar funcionando a política é o ingrediente essencial. Nesse contexto, Miguel, a massa, a nova “classe média”, não poderia deixar de manifestar sua contrariedade. Porque percebe. Porque ela entende de política. Sabe quando um governo está realizando coisas importantes no sentido de seus interesses mais profundos. A classe média tradicional, a “elite”, é, na verdade, uma casta privilegiada, bem formada em sua especialidade, mas é ignorante politicamente. A nova “classe média” não, ela entende de política porque depende do governo e da política: e ela está percebendo a fraqueza do governo. Percebe que de alguma forma a expectativa de inclusão e de ascensão foi quebrada. E, muito acertadamente, está reclamando. A fórmula impeachment, ou impedimento, eles não entendem muito como é isso, mas não querem saber, querem apenas manifestar sua insatisfação com a condução política do governo. E o governo tem de acordar para isso.

Cafezinho: O que você chama, tecnicamente, de condução política?

Fabiano: A montagem de coalizações consistentes para definir uma pauta política, econômica e societal, de enfrentamento da crise. Soluções criativas para a vida das empresas brasileiras, as grandes estatais, os investimentos, que precisam ser feitos para o Brasil continuar sendo uma das pontas de lança do crescimento econômico e mundial. Coisas que o governo tem de fazer. E não faz, por exemplo, quando deixa uma operação como a Lava Jato alterar para muito pior a vida das grandes construtoras internacionais geradas em nosso país. E não faz nada. Finge que não é com ele. Só diz que é transparente, que age de maneira “republicana”. Como que age de “maneira republicana”? Estamos diante de questões estratégicas para o país. É a energia nuclear brasileira. É o pré-sal. É a Petrobrás e seus planos de investimento. E a vida das empresas brasileiras de maior capilaridade internacional que está em jog – empresas que produzem e negociam petróleo, gás, química, construção pesada e energia nuclear! E o governo, em nome de um princípio republicano abstrato e inócuo, age como se não afetasse o país. Como se isso não mexesse com os empregos e as vidas das pessoas. Como se isso não mexesse com os investimentos. Evidente que o governo tem a ver com isso, que o Estado tem a ver com isso. O ministério da Justiça existe exatamente para fazer a ponte entre os operadores do direito e os interesses nacionais cuja sinalização é dada pelo que se expressa nas urnas a cada 4 anos e que norteia a agenda do governo e suas políticas.

Cafezinho: Ele não está presente no debate, não participa…

Fabiano: Não está presente no debate e, o que é mais grave, não define limites para aquilo que o Judiciário, MP e polícia federal podem ou não podem fazer no campo político. O Judiciário, o MPO e a PF possuem hoje uma autonomia impensável em qualquer lugar do mundo democrático, e suas ações têm causado impacto profundo na vida dos brasileiros. A estimativa que se faz é que a operação Lava Jato poderá causar efeito negativo no PIB da ordem de 1 a 1,5%. É pouca coisa? E por que o governo não age em relação a isso? O governo não é responsável pela economia do país, afinal?

[A consultoria GO estima que a forma irresponsável como a Lava Jato tem sido conduzida pode causar impacto de 2,5% ou R$ 140 bilhões no PIB de 2015].

Retornando então ao tema da classe média. Devemos esquecer a classe média tradicional. Politicamente, ela é mal educada, não tem conserto. O grande ator novo da sociedade brasileira, as classes emergentes, este sim precisa ser esclarecido e ouvido. Insisto no ponto: o governo, ao abdicar de fazer política fora do âmbito do enclausuramento e da fofoca palaciana, não conduz politicamente o país e deixa de responder aos anseios de inclusão deste novo e fundamental ator. Não conduz no sentido de montagem de coalizões consistentes, no fito de produzir decisões criativas num cenário de crise. Decisões que ao mesmo tempo que tenham o apoio dos grandes agentes econômicos internos, o enforcement, para fazer valer essas decisões.

Cafezinho: Talvez não haja uma ausência, não só do governo, mas dos partidos políticos, que deveriam suprir essa criatividade, essa inteligência política, ser a ligação entre a sociedade e o governo? Formando quadros, dando ideias? O partido do governo parece tão consumido na guerra política contra a mídia e seus tentáculos no Estado, que esqueceu o próprio governo.

Fabiano: Boa pergunta. Nós temos uma crise de lideranças políticas. Isso passa pela crise dos partidos. Por exemplo, um partido como o PSDB, que tem um candidato que perde e adere a um golpe. É uma grande decepção histórica. Temos ainda um ex-presidente que, quando se manifesta, o faz de maneira ressentida, deixa o pessoal se sobrepor ao institucional e ao político. Então a gente está num vazio. O partido do governo está combalido, pela baixa popularidade do governo e de si próprio, pelas denúncias de mal fios (para citar a presidenta), e pela perseguição da grande mídia familiar. É dramático mas os atores da oposição não demonstram tampouco sabedoria e prudência tendo em vista conduzir o governo nesse contexto de crise. Parece mais um bando de urubus querendo comer a carniça. Como se o Estado fosse um espólio, um butim a ser saqueado, ao invés de um país a ser conduzido.

Então não temos lideranças políticas que estejam falando numa linguagem adequada para a gravidade do momento. O próprio partido dos trabalhadores não consegue dar uma fala, um gesto, um encaminhamento das questões que seja adequado ao tamanho do problema. Ocorre um vazio de lideranças partidárias e o país é quem sofre com isso.

Cafezinho: Há um lugar comum que fala que, em política, não existe o vazio. Ele é preenchido por alguma força.

Fabiano: Essa força pode ser desastrosa para o país. E é para isso que gostaria de chamar sua atenção. Esse vazio não existe. O governo pode cair de maduro, sendo a solução, qualquer uma delas muito ruim para o país. A melhor solução é a legalidade democrática. Mas para que ela seja conduzida a bom termo, o governo precisa governar, sair da intriga palaciana. Sair do enclausuramento. Se o governo não está funcionando a contento, cabe à chefe do Executivo mudar suas peças centrais.

Cafezinho: Sempre que a gente faz essa análise de conjuntura, sempre voltamos à questão da presidenta. Até o Nassif andou escrevendo sobre a questão da guerrilheira, de voltar a mentalidade muito de guerrilheira, que deve resistir, resistir, calada. A impressão é que a Dilma está presa. Foi presa de novo. Que transformou o palácio numa espécie de Dops. Só que política não é assim. E ela não está presa. Ela é presidente duas vezes. Outra coisa que eu queria perguntar a você é o seguinte: a questão da pesquisa. Quem domina a pesquisa no Brasil, você não acha que tem um poder que é perigoso, porque você tira o poder do sufrágio. Eu não contesto o resultado de uma pesquisa de um instituto, nunca entrei nessa linha, embora a gente saiba que tem muita falcatrua. Mas você tem o timing, a hora certa de fazer a pesquisa, a pergunta certa. Você cria fatos políticos a partir das pesquisas, a depender da hora que você faz aquela pesquisa. Você já observou como funciona essa coisa da pesquisa no resto do mundo, e como a gente poderia dar mais segurança à democracia contra esse tipo de manipulação? Até mesmo o vice-presidente admitiu que uma presidenta com essa popularidade não pode continuar governando. Então é um ciclo vicioso no qual o governo entra. Ele perde a capacidade de governar porque não tem popularidade, e ao mesmo tempo não tem popularidade porque não tem capacidade de governar. Há uma série de armadilhas das quais o governo não está conseguindo sair.

Fabiano: Não considero pesquisa de opinião quantitativa algo decisivo. Trata-se de um termômetro importante para os políticos, para a tomada de decisão dos políticos, mas estes não se deixam levar por pesquisas sem mediações importantes. Sabem que pesquisa é um retrato agregado e tosco do humor momentâneo da população, o que significa que sua decisão não será uma correspondente imediata vis-à-vis o que a maioria disse ao responder aos questionários. Político que se comporta assim nunca vai longe. As grandes lideranças, os políticos mais experientes, não se deixam levar por isso. É importante saber ler a pesquisa. O governo sai-se mal porque a economia está mal. O governo sai-se mal porque afirmou uma coisa na eleição e logo depois foi obrigado a tomar decisões em direção distinta. Exatamente como o PSDB fez em 1998/1999. Evidentemente que isso impacta fortemente o humor da população. Mas retira a legitimidade e a capacidade de governar? Claro que não. A legalidade é clara. A regra é clara. Não existe nenhum vínculo entre a reação da população ao governo, na transição das eleições para cá e a legitimidade e a legalidade de origem do governo. O governo deve governar de acordo com o que determina a Constituição. Quem sabe ler a pesquisa, sabe que as pessoas estão manifestando, em sua grande maioria, uma insatisfação , mas os políticos também sabem que a substituição deste governo por outro não criará um novo mundo, de pureza e afluência. Então, a pesquisa ao mesmo tempo em que fornece um parâmetro importante às decisões dos políticos, informa pouco, porque as decisões que os políticos devem tomar agora terão consequências no futuro, mas a pesquisa oferece apenas um retrato do momento. Os políticos sabem disso. Então acho que não é decisivo. O governo não pode ficar parado por causa de pesquisa. O governo tem instrumentos para agir independente dessa armadilha gerada pela pesquisa.

Cafezinho: E o que você acha da reforma ministerial?

Fabiano: São movimentos erráticos do governo, que são um sintoma da sua incapacidade de governar. Joga uma propaganda e vê como a sociedade reage. Joga a CPMF e vê como a sociedade reage. Joga um déficit orçamentário e vê como a sociedade reage. É justamente como não se deve agir.

Cafezinho: Joga um aumento no imposto de renda e vê como a sociedade reage…

Fabiano: Pois é. O chefe do Executivo tem que trabalhar com as peças que lhe dão segurança de montar uma pauta consistente para a sociedade. Isso que a sociedade quer. Foi eleita para isso. Não é para ficar jogando balão de ensaio, via imprensa, via grande imprensa decadente. Governar não é isso. Governar é ter lideranças capazes de agregar conjuntos de políticos em favor de agendas.

Cafezinho: É importante também se comunicar. O governo tem 39 ministros. Ninguém fala. Veja o Mercadante. Um dos quadros mais preparados do governo. Eu já vi entrevista com Mercadante. Ele sabe falar bem, mas não fala. Não defende o próprio governo. A Dilma também, a primeira entrevista que ela deu foi para o Jô Soares, às três horas da manhã. Eu não sei como são outros governos, mas imagino que você deveria ter um conselho político, trabalhando 24 horas por dia.

Fabiano: Os outros governos tem uma coalizão que lhes dá sustentação na sociedade e no Congresso. Nenhum governo consegue governar na ausência de tal coalização, mesmo que seja minoritária, no congresso e na sociedade. E uma agenda. Veja o caso do governo do Mariano Rajoy, na Espanha. Ele foi flagrado, o processo está na Justiça, recebendo propina, de recursos de caixa 2 de campanha, bastante significativos, de complementação salarial. Isso está nos jornais. E ele não cai. Mesmo sendo primeiro ministro no parlamentarismo. Não há maioria para derrubar o governo e ele continuá lá implementando a sua agenda, independente de quem ache a agenda errada ou não. Continua lá governando! Obama tem minoria nominal, mas faz acordos pontuais com os republicanos um pouco mais maleáveis, e reduz os estragos de um congresso que quer impor uma agenda conservadora. E la nave va. Não pode é ter um governo que fica jogando balão de ensaio. A população não quer isso. A população quer uma agenda que seja negociada, no dia a dia do congresso, e que seja consistente. Governo não está funcionando? Muda as peças responsáveis por fazer esse trabalho. E tem de mudar agora! Nâo é para o ano que vem. É para agora.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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