Análise Diária de Conjuntura Cafezinho – 04/09/2015
O clima político voltou a degenerar nesta sexta-feira. A fala de Michel Temer, vice-presidente da república, em evento organizado por empresários hostis ao governo, prestou um enorme desserviço àqueles que lutam pela estabilidade.
Claro que se deve avaliar a sua fala dentro do contexto. E a decisão de participar de tal evento provavelmente se deu em função da busca da conciliação, não o contrário.
Mas o efeito foi ruim.
Temer deixou claro que Dilma jamais renunciaria, mas, perguntado sobre a cassação eleitoral, respondeu que “voltaria feliz para casa”, enquanto a presidente, “não sei se tão feliz”.
A frase pegou mal, ainda mais vindo de quem vem, um dos últimos bastiões confiáveis do PMDB. Por que Temer voltaria “feliz”?
Michel Temer avaliou ainda que Dilma dificilmente completará seu governo com índices tão baixos de aprovação. O vice falou o óbvio. Nossa democracia não é tão sólida para suportar um governo tão impopular – o que nos leva, mais uma vez, a lamentar a estupidez do Planalto, que fez uma transição truculenta de uma gestão para outra, sem o cuidado de gerenciar as expectativas, sem uma estratégia de comunicação, sem compensar recuos macro-econômicos com avanços em política.
Distanciando-se, por fim, seus próprios eleitores – afinal Dilma ganhou as eleições, não?
Esses constrangimentos protagonizados por Temer são um pouco inevitáveis, e podem ser corrigidos nos próximos dias, com outras falas, outros posicionamentos, além de mudanças no próprio governo.
Mas também sinalizam o distanciamento de Temer do núcleo duro da presidência, como se ele desse um recado: já estou de malas prontas.
Por falar em malas prontas, o Painel da Folha menciona um possível “dead line” da relação entre PMDB e governo, que pode ser o Congresso do partido, em novembro. As alas de oposição do PMDB falam abertamente em usar o evento para aprovar a decisão de romper com o Planalto, usando como pretexto as dificuldades econômicas pelas quais passa o país, e sobre as quais o PMDB não quererá mais assumir responsabilidade política.
Os jornais de hoje falam muito sobre uma intriga crescente entre Aloisio Mercadante e Michel Temer. Teria sido Mercadante quem minou o trabalho de Temer na articulação política.
Intriga ou não, Mercadante desponta, mais uma vez, como figura negativa, sobretudo porque dele não se vê nenhuma exposição, nenhum posicionamento, nenhuma luta aberta em prol do governo do qual participa. A última e única (?) entrevista que ele deu este ano foi para o programa da Miriam Leitão na Globonews, em canal fechado.
A ala dos aloprados do PT, hoje liderada pelo vice-presidente, Alberto Cantalice, e pelo próprio presidente da sigla, Rui Falcão, continua firme e forte em seu exercício de atirar no próprio pé. A “chamada” à militância para sair de verde e amarelo às ruas, no dia 7 de setembro, não poderia ser mais imbecil, criando um factoide político triplamente desastrado: 1) cria uma mobilização contrária, da oposição, para o mesmo dia; 2) irrita o próprio campo progressista, que hoje tenta se organizar de maneira supra-partidária; 3) gera confusão em todos, porque pediu-se para que pessoas saíssem de verde e amarelo, a mesma combinação dos “coxinhas”.
O fato de terem voltado atrás em seguida apenas confere um epílogo patético ao fato.
Esses aloprados são um caso extraordinário de incompetência política, e ajudam a explicar uma série de problemas que estamos vivendo. Eles não tomam nenhuma iniciativa de produzir um agenda mínima de debates sobre a conjuntura política. Não aparecem em nenhum momento com posicionamentos inteligentes na luta para coesionar a base progressista que votou em Dilma. Não fazem a ponte com o governo, o qual, ao contrário, aparece cada vez mais como um ente distante, até mesmo hostil, apesar de – paradoxalmente – precisar mais e mais de apoio popular.
Os aloprados são a nova geração do PT, um bando de tarefeiros especializados apenas em reunir delegados do partido para votar nas eleições internas, garantindo a posição deste ou daquele grupo. São aqueles que se acostumaram com a boa vida de um partido que, até então, vinha só acumulando vitórias fáceis. Em momento de dificuldade, eles não sabem o que fazer, não organizam lutas, debates, encontros, ações políticas. A militância do partido pede, há tempos, para que se volte a fazer trabalho de base, mas as figuras com cargos importantes na legenda não tomam nenhuma iniciativa neste sentido. Não fazem política, apenas fingem tender para este ou aquele lado, ao sabor dos ventos.
O PT parece dar razão à uma análise recente de Luis Nassif: virou uma grande militância sem partido e sem lideranças.
A nova delação de Ricardo Pessoa, presidente da UTC, de que depositou o dinheiro das proprinas do “petrolão” diretamente nas contas do PT; e a criação de uma “frente pró-golpe”, com parlamentares da oposição, também não ajudaram em nada a melhorar o clima político.
O golpômetro do Cafezinho subiu uns três pontos de ontem para hoje, de seis para 9 pontos (numa escala de 1 a 20). Prefiro, no entanto, não apontar tendências, porque o clima voltou a ficar instável.
A boa notícia para Dilma veio, mais uma vez, de um setor econômico importante. O presidente da Vale, Murilo Ferreira, em entrevista ao Valor, diz que concorda com editorial do New York Times, publicado há algumas semanas.
“O jornal [NY Times] fez menção ao fato de que o Brasil, apesar dos problemas, tem mostrado apreço pela lei. E este talvez seja o ponto mais forte do Brasil, ter se mostrado uma democracia sólida. Só se fala em posição política como esta [impeachment] em casos em que esteja absolutamente tipificado nos diversos artigos da lei. Até o momento, que eu saiba, não existe nada de concreto contra a presidenta. Vamos fazer impeachment porque parte da população, ainda que expressiva, não está satisfeita com os rumos do país? Isso foge da regra constitucional.”
O presidente da Vale explica a crise econômica vivida pelo Brasil pela forte queda no preço das commodities, que são os principais geradores de divisas para o país, o que leva a arrecadação menor de impostos pelas empresas e, portanto, a dificuldades fiscais.
Ferreira defende que o país sairá da crise através de uma ação concertada entre todos os setores nacionais.
Para isso, naturalmente, o governo precisa melhorar profundamente a sua comunicação com a sociedade. É impressionante como o governo está disposto a pagar o custo político de até mesmo ser derrubado, para fazer valer um ajuste fiscal, mas não paga o custo de melhorar sua comunicação. É uma situação esquizóide, porque evidentemente nenhum ajuste fiscal dará certo sem estabilidade política, e não há estabilidade sem um esquema inteligente de comunicação.
O executivo reforça, todavia, seu desacordo em relação aos juros:
“Meu desacordo em relação à política econômica é que no momento em que a economia mundial vinha em desaceleração, o Banco Central elevou a taxa de juros sistemática e excessivamente apesar dos sinais de enfraquecimento de economias importantes do mundo, com um crescimento mundial revisado para baixo. “
Sobre a China, Ferreira observa que a economia do país não depende tanto da bolsa como acontece com nações ocidentais. Aconteceram algumas tomadas de risco, que estão sendo neutralizadas. É falsa a ideia de uma bolha imobiliária na China, diz Ferreira. O que houve foi simples alta de demanda em virtude da migração do campo para a cidade, ou seja, uma alta fundamentada, não uma bolha. Ele contesta ainda o aumento no desemprego na China: o que se vê é transferência de empregos da indústria para o serviço, como o ocorreu em todo mundo desenvolvido nas últimas décadas. A participação da indústria na economia chinesa deve cair um pouco, embora não a ponto da nação se tornar uma economia baseada em serviços, como aconteceu com EUA e Europa.