Análise Diária da Conjuntura Política – 03/09/2015
A fervura diminuiu visivelmente em Brasília esta semana. Difícil fazer previsões se voltará a subir nos próximos dias ou semanas, ou se a tendência é a estabilidade, mas eu apostaria na última opção. O encontro entre Dilma e Eduardo Cunha significou, aparentemente, uma trégua importante para o governo.
Infere-se de reportagem publicada no jornal Globo, sobre recusa de Michel Temer a pedido de Dilma para que este continuasse à frente da articulação política do governo que a imprensa faz um trabalho cuidadoso para intrigar o vice presidente contra Dilma.
É uma intriga que, a se acreditar na própria imprensa, tem o auxílio luxuoso de Aloisio Mercadante, ministro chefe da Casa Civil.
Os jornais mencionam irritação de Temer contra o fato de Dilma ter se encontrado diretamente com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o líder do PMDB entre os deputados, Leonardo Picciani, sem consultá-lo.
Se os fatos procedem, a irritação de Temer também procede, mas não há razão para acreditar que seja uma irritação muito grande, porque a iniciativa de Dilma deu bons resultados para um distensionamento político que é desesperadamente desejado por todos os agentes econômicos.
A decisão do Senado de aprovar uma reforma política que proíbe doação de empresas representa, por sua vez, uma interessante guinada à esquerda, que marca um afastamento enorme do que acontece na Câmara.
O Valor chega a usar o termo “reviravolta” em reportagem sobre o assunto.
O site do Senado informa que a Operação Zelotes, que investiga esquemas multibilionários de sonegação, está realizando esta manhã uma série de buscas e apreensões.
Qualquer notícia sobre a Zelotes é favorável ao governo, porque o ajuda a oferecer uma outra narrativa à opinião pública, de que é um governo no qual a Polícia Federal opera com autonomia e independência.
No campo da Lava Jato, operação cuja narrativa é dominada completamente pela mídia de oposição, o depoimento de Marcelo Odebrecht na CPI da Petrobrás também foi favorável ao governo, porque o executivo não fez nenhuma acusação a nenhum membro do alto escalão, como queria oposição.
A agenda política está consumida pelo noticiário econômico negativo, o qual, paradoxalmente, parece acalmar a mídia. Quanto mais notícia ruim no campo da economia, mais felizes parecem ser o editoriais da grande imprensa, e, ironicamente, mais suave o tom das críticas ao governo.
A presidenta fez uma jogada intrigante ao enviar ao Congresso um orçamento com déficit de 30 bilhões. Houve críticas, mas a transparência agradou a todos. Cunha ameaçou devolver o Orçamento, mas Renan rapidamente rebateu que isso não vai acontecer, e que o congresso vai ajudar sim ao governo a resolver o impasse.
Na Folha, o boato sobre desconforto de Levy à frente do ministério da Fazenda foi a manchete da manhã, mas a matéria toda recende a jogo político visando fortalecer o ministro diante dos ataques do próprio PT à política econômica.
No Economist, há matéria dura contra a política econômica do governo Dilma, mas o tom é condescendente, quase compreensivo. Sobra ainda uma repreensão sutil à postura golpista da oposição: “Muitos, tanto na oposição quanto entre supostos aliados, estão disperdiçando energia tentando derrubar Dilma, ao invés de encontrar um jeito de corrigir o Orçamento”.
No fundo, o mercado está satisfeito com a guinada conservadora do governo Dilma. Ao fim, a revista britânica admite que, apesar da melhor solução ser o corte de despesas, a Constituição brasileira determina investimentos obrigatórios nas áreas essenciais. De maneira que a solução viável para resolver o déficit é mesmo o aumento de impostos, possivelmente até mesmo a famigerada CPMF.
O governo conseguiu, portanto, mudar a pauta, antes restrita a capacidade ou não da presidente para gerir as questões políticas. A própria presidenta passou a se envolver mais na política e o país agora discute seus problemas econômicos, não mais a legalidade incontestável da soberania do voto.
Outra notícia publicada no Globo de hoje, sobre a proposta do Ministro do Planejamento, de extinguir 15 ministérios, reflete uma maior desenvoltura do governo. É uma pauta conservadora, para agradar o setor conservador da sociedade, mas já é alguma coisa ver o governo ter uma postura assertiva. O número excessivo de ministérios, apesar de não significar necessariamente gastos maiores, dificulta a gestão política do governo e dilui a autoridades dos ministros, jogando pressão política demasiada sobre uma presidenta sem grande apreço pela política.
O golpe hondurenho de Gilmar parece ter sumido da imprensa desta quinta-feira, e a decisão do Senado de proibir verba de empresa nas campanhas eleitorais ajuda a isolá-lo ainda mais, visto que foi ele quem segurou, por mais de um ano, um pedido de vistas num julgamento no STF sobre exatamente essa questão.
No Globo, Merval Pereira parece ressentido com a decisão dos agentes econômicos e de seu próprio patrão de não defenderem o impeachment. Sua coluna de hoje envereda por uma crítica repetitiva, mal ajambrada sintaticamente, com excesso de adjetivos, à presidenta Dilma. O jornalista perdeu o timing do momento, e finge não ver que a presidenta voltou a mostrar alguma capacidade de articulação política.
No Tijolaço, Fernando Brito escreveu ontem sobre a relação entre o doleiro Alberto Youssef e o jatinho sem dono de Eduardo Campos. É uma história estranha, que merece ser mais apurada, e pode dar pano para manga nas próximas semanas.
O PSDB também não conseguiu ainda reagir satisfatoriamente à notícia, publicada na grande mídia (embora sem aquele viés editorialmente agressivo que caracteriza qualquer notícia contra o PT), de que o TSE denuncia o misterioso desaparecimento de alguns milhões de reais da campanha presidencial de Aécio Neves. O fato desses mesmos milhões terem sido doações de empresas envolvidas na Lava Jato evidenciou, por sua vez, a parcialidade partidária de Gilmar Mendes, que se porta como leão diante de suas suspeitas contra a campanha de Dilma, e como gatinho ronronante diante das mesmas suspeitas contra a campanha de Aécio.
Temos, por fim, duas notícias importantes que mostram uma interessante mudança na conjuntura. Uma é o pedido da Polícia Federal ao ministro Teori para continuar investigando o senador Anastasia, pupilo de Aécio Neves. Outra é a fala do governador de Permabuco – principal estado controlado por um PSB até então pendente para o lado da oposição – posicionando-se contra o “golpe paraguaio”.
O uso do termo “golpe paraguaio” ilustra bem que a semântica do golpe se consolidou. E nenhum político responsável quererá ter seu nome inscrito na história como aliado desse tipo de rasteira contra a democracia.
Os governadores se mostram hostis ao debate sobre o impeachment da presidenta Dilma, também por intuírem que a jurisprudência provocaria insuportável instabilidade política em todas as federações. Qualquer governador, qualquer prefeito, poderia ser derrubado por firulas jurídicas similares às que Gilmar tenta usar para prejudicar a presidenta.
As alas rebeldes do PMDB, por exemplo, estão começando a ser enquadradas pelos governadores e prefeitos do próprio PMDB, liderados por Pezão e Eduardo Paes, titulares dos principais orçamentos controlados pelo partido. Como Pezão e Paes, além de muitos outros governadores e prefeitos, apoiaram com muita ênfase as duas eleições de Dilma, não poderão vender a seus eleitorados que a culpa de todos os problemas econômicos vividos pelo país é exclusivamente da presidenta. Se fizerem isso, serão varridos do mapa nas próximas eleições de 2016 e 2018.
A postura mais calma de Eduardo Cunha e a disposição de Leonardo Picciani de se reunir com a presidenta, já devem ser resultado dessa articulação liderada pelo governador do Rio para que o PMDB ajude o governo a ter sustentabilidade política no Congresso Nacional, levando para ainda mais longe os fantasmas do impeachment (golpe paraguaio) ou da cassação eleitoral (golpe hondurenho).
O golpômetro do Cafezinho, portanto, cai mais uns dois pontos nesta quinta-feira, estacionando em 6 pontos, numa escala de 1 a 20.
Na Reuters, temos duas notícias suavemente positivas. Uma delas diz que a situação melhorou um pouco no setor de serviços: a atividade parou de cair no ritmo com que vinha caindo.
A outra é sobre a inflação em São Paulo, que caiu. O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) de São Paulo encerrou agosto com alta de 0,56 por cento, bem inferior aos 0,85 registrados no mês anterior. A queda foi puxada pelo grupo Alimentação, que registrou deflação de 0,52% em agosto, ante uma alta de 1,33% em julho.