Quando eu falo que o maior problema do governo é a comunicação, imagino as pessoas torcendo o nariz. Uma logo pensa em rebater: não, não é! É a política! Outro se indigna: claro que não, o principal problema é a corrupção!
O próprio governo parece não saber o que é comunicação, o que significa que também esqueceu como fazer política.
Comunicação não pode ser confundida com a sua prima ordinária, a propaganda, nem com sua tia esnobe, as relações públicas.
Pensada no sentido mais pleno, mais profundo, a comunicação é alma que dá vida às línguas, à política, à arte.
A comunicação tem o poder de transformar o mundo.
Hoje os maiores lucros do planeta estão em mãos de empresas de comunicação, tanto as ligadas às novas tecnologias (Google, Facebook, Apple), quanto àquelas do setor de telefonia e celular (Nokia, Motorolla, etc).
O setor de entretenimento, uma das áreas mais nobres da comunicação, já se tornou a atividade econômica mais importante dos Estados Unidos, e o seu segundo maior gerador de divisas.
No setor militar da potência número 1 do planeta, a área de comunicação é uma das mais estratégicas e que mais recebe novos investimentos.
A CIA foi engolida pela NSA, a agência secreta americana especializada em espionar o mundo inteiro usando tecnologias de comunicação.
O grande capital mantém a sua hegemonia ideológica no mundo através dos meios de comunicação, que formam hoje uma vasta rede internacional.
Lembro-me quando o editor da Época, Diego Escosteguy, publicou uma mentira sobre Lula na revista, e foi rapidamente desmentido pelos fatos, ele procurou se apegar ao fato de sua mentira ter sido reproduzida ad infinitum por dezenas, quiçá centenas, de órgãos de imprensa mundo afora.
São todos submetidos ao mesmo padrão editorial, determinado pela matriz.
Se a ordem, por exemplo, é disseminar clichês mentirosos sobre a Venezuela e o Irã, é incrível como todos se engajam com disciplina.
A mentira da Época repercutiu lá fora, e com isso, voltou para dentro do país com força para se tornar uma verdade. Mais tarde, tornou-se efetivamente uma verdade: o ministério público do Distrito Federal abriu um inquérito sobre Lula.
Vamos trabalhar um caso concreto, aqui no Brasil.
O Cafezinho apoia o imposto sobre grandes fortunas e a volta da CPMF, dois tributos que estão na pauta do debate público.
A CPMF foi derrubada essencialmente pela Globo, que publicou inúmeros editoriais e matérias manipuladoras e mentirosas, várias das quais foram inclusive lidas por senadores na tribuna. Desde sua derrubada até hoje, a ausência do imposto retirou centenas de bilhões de reais da saúde pública.
Seguramente, a aprovação do governo e a popularidade da presidenta estariam bem melhores hoje se a CPMF houvesse sido mantida.
Muitos casos de corrupção, além disso, teriam sido combatidos na raiz, visto que a CPMF permitia um monitoramento minucioso, por parte das autoridades, da circulação de dinheiro entre os agentes econômicos.
Ficamos ainda mais contentes em saber a CPMF será destinada, em boa parte, diretamente aos municípios.
Isso daria a autonomia financeira que as cidades mais precisam – paralelamente, claro, ao aumento na transparência no uso desses recursos, para que não sejam escoados no ralo dos gastos inúteis, ou desviado para o bolso de políticos e empresários.
Felicitamos, portanto, a presidente e o governo por decidir abraçar essas duas ideias, a CPMF e o imposto sobre grandes fortunas.
Ambas são medidas racionalmente impecáveis, tanto do ponto-de-vista fiscal e como do social.
Concordamos, no entanto, com o presidente do senado, Renan Calheiros, que afirmou que a iniciativa sobre a CPMF pode ser um tiro no pé.
Eu diria que ambas podem ser.
Não no pé de Renan, claro. Ao contrário, a discussão pela volta da CPMF serviu de bola para Renan cortar.
Ele tem a chance de aparecer na capa do site do Senado, e em toda a parte, como um heroi da economia.
Sem resolver o problema da comunicação, tudo que o governo faz é, por essência, errado.
Errado e/ou destinado à derrota.
Errado inclusive politicamente. O debate sobre a CPMF irrita os grandes industriais, o setor que, ao lado da Globo, patrocinou uma agressiva campanha para derrubar o imposto.
Ou seja, justamente no momento em que industriais e bancos dão uma mão ao governo em sua luta para não ser derrubado por um golpe paraguaio ou hondurenho, o governo apoia duas iniciativas tributárias que os irritam profundamente.
E isso num momento em que o governo parece mais distante do que nunca dos movimentos sociais.
Pior, num momento em que os movimentos sociais encontram enorme dificuldade para mobilizar o povo em apoio ao governo.
O que fazer, diria Lenin?
Sem querer parecer pretensioso, mas já sendo um pouco, eu respondo: comunicação.
Antes de tomar qualquer iniciativa, o governo deveria lançar um grande programa de comunicação.
O “Dialoga” é uma iniciativa importante, mas, francamente, eu não entendi o que se trata. Ninguém entendeu. Então não é um programa de comunicação muito bom, certo? Pode ser um caminho, mas é preciso uma estratégia maior, e que envolva diretamente toda a população.
Reduzir e organizar os custos de telefonia e internet, e ao mesmo tempo melhorar sua qualidade, por exemplo, poderia ser uma medida justificável junto ao poder econômico, para elevar a produtividade no país. Com internet mais barata, as pessoas poderão comprar mais.
Afetaria a vida de cada um dos brasileiros, reduzindo o custo de vida e abrindo, com isso, o caminho para a recuperação econômica.
O Estado poderia oferecer uma quantidade enorme de serviços via internet, reduzindo seus custos.
O Judiciário poderia reduzir o custo em quantos bilhões, se uma série de atividades presenciais fossem substituídas por operações feitas à distância?
O apoio do governo à taxação das grandes fortunas, para ser efetivo, para não soar como um projeto demagógico, uma cortina de fumaça lançada apenas para agradar um setor do movimento social, deveria se materializar através de uma grande campanha de esclarecimento à população sobre a questão tributária.
Precisamos saber como a coisa é feita em outros países, em especial no mundo desenvolvido.
Se o governo quiser aprender como se faz uma campanha, pergunte ao Ministério Público Federal, que tem várias campanhas no ar. Eles fazem hotsites, comerciais de TV, seus membros dão entrevistas sobre o assunto.
O MP, que não é um órgão político, faz muito mais política que a Presidência da República, que é um órgão puramente político.
O brasileiro precisa de informação.
Falar “imposto sobre grandes fortunas” deixa entrever uma falsa fumaça revolucionária, o que pode ser perigoso para um governo que não tem, efetivamente, nenhuma energia ou discurso revolucionários.
Qualquer iniciativa do governo, para ser bem sucedida, precisaria ser acompanhada de um grande esforço de comunicação, e não há nada de revolucionário, comunista ou bolivariano nisso.
Ao contrário, com uma grande reforma de comunicação, o governo teria mais instrumentos para lutar pela estabilidade e isso ajudaria a resolver uma série de problemas econômicos.
Por falar em problema econômico, o governo registrou um pesado déficit de R$ 7 bilhões em julho. No acumulado dos sete primeiros meses do ano, o déficit é de R$ 9 bilhões.
O ajuste fiscal, que foi uma estratégia econômica e política (o governo escolheu falar apenas disso) resultou no fracasso que se esperava.
Ao deprimir a economia, reduziu-se a arrecadação. Ou seja, o Estado aumentou juros, cortou despesas, e o resultado foi mais inflação, menos arrecadação, deterioração fiscal, declínio da aprovação do governo, instabilidade política, produzindo um ciclo negativo vicioso.
Em Souvenirs (Recordações de 1848), Tocqueville, então deputado, lembra que alertou seus pares sobre os perigos que pairavam sobre a França, caso o governo não mudasse de atitude. Vale repetir um trecho aqui, porque é parecido com o que eu tenho dito ao governo:
“Senhores, eu vos suplico não agir assim; eu não peço, eu suplico; eu me ponho de joelhos perante vocês, tanto eu creio que o perigo é real e sério, tanto eu estou convicto de que meus alertas não são uma vã forma de retórica. Sim, o perigo é grande! Afastem-no, enquanto ainda há tempo; corrijam o mal por meios eficazes, não atacando seus sintomas, mas o mal em si mesmo”.
Em seguida, Tocqueville explica que, apesar da importância de mudanças legislativas, ou da conveniência de se mudar alguns quadros governamentais, isso ainda não é o essencial. O essencial é mudar o espírito do governo.
“Por Deus, mudem o espírito do governo, porque, eu reitero, esse espírito vos conduzirá ao abismo.”
Tocqueville estava certo. Alguns dias ou semanas depois, a monarquia francesa seria – desta vez para sempre – derrubada por uma revolução. Uma revolução que começou muito mal, com a eleição de um demagogo reacionário, Luis Bonaparte, o qual, logo em seguida, dá um golpe de Estado e instaura uma sinistra ditadura, que censurou a imprensa e aboliu a liberdade política na França.
A mesma história é contada por Marx, sob outro ponto-de-vista, em seu genial “O 18 de Brumário de Luis Bonaparte”.
Se Dilma não mudar o espírito de seu governo, se não fizer um grande mudança na comunicação de governo, se não mudar uma política econômica completamente esquizofrênica, baseada num ajuste fiscal que provoca, ao contrário do que ele busca, um déficit fiscal crescente, na qual apenas os grandes bancos, e só eles, aumentam seus lucros, ela não será derrubada por tucanos golpistas, e sim por seus próprios eleitores.
[Análise Diária de Conjuntura – Sexta-Feira 28 de agosto de 2015]