Eu não sou Cunha!
Por Durval Ângelo
Que leituras podemos fazer da manifestação de domingo? A mais evidente é a de que “a montanha pariu um rato”. Depois de tanto barulho na mídia, na internet, nas janelas, varandas e ruas, o “grande ato” decepcionou. Mesmo com a boa vontade da polícia e de setores da imprensa em “inflacionar” o número de participantes, é incontestável que o movimento, literalmente, encolheu. Enquanto em março foram cerca de 1,5 milhão de manifestantes em todo o país, no último dia 16, chegaram a, no máximo, 750 mil.
O recuo revela diferentes fatores. O principal deles é a inabilidade do “candidato derrotado salvador da pátria”, Aécio Neves, em articular e aglutinar a oposição. Sem liderança e sem propostas, o movimento segue a bater panelas e cabeças, aberto ao surgimento e ressurgimento de novos e antigos “astros”. Personagens como Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro jogam a Constituição no lixo, invocam o fantasma do golpe, ganham minutos de fama e incentivam uma turba de raivosos a protagonizar cenas lamentáveis: um gari acuado por manifestantes, em evidente discriminação aos pobres, ou uma senhorinha inofensiva, empunhando um cartaz com os dizeres “Por que não mataram todos em 1964?”.
Não foi à toa que setores da oposição mais intelectualizados e afeitos ao jogo político pularam fora do barco, cientes dos riscos para a estabilidade do país. Levaram junto a classe média mais esclarecida. Também tiraram o time de campo os representantes do capital, diante do sinal amarelo, com a diminuição da nota do Brasil como bom pagador, e com eles, a grande mídia, inclusive a “vênus platinada”, que aos poucos – para não ficar feio! – vai retirando seu apoio.
A manifestação de Belo Horizonte pode ser considerada um símbolo do recuo. Com minguados 6 mil “amarelinhos”, aquele que seria o palanque do “grande líder” tornou-se palco de sua derrota. Aécio Neves, que nunca havia dado as caras nos atos, escolheu para a estreia um local onde o movimento estava desarticulado, tanto devido à boa atuação do Governo Pimentel, como pela ausência de liderança. A decepção ficou patente no discurso um tanto quanto transtornado do ex-governador tucano.
O horizonte ainda é nebuloso. Como afirmou o secretário-geral da CNBB, d. Leonardo Steiner, as manifestações devem ser interpretadas “como uma exigência de mudança no governo, em especial de uma reforma política urgente e do combate à corrupção, com respeito à Constituição”. Mas o refluxo no movimento demonstra o início de um novo ciclo, que se contrapõe ao ódio, à intolerância e à tese do quanto pior melhor. É nesse contexto que se insere o ato de 20 de agosto, organizado pelas esquerdas e pelos movimentos sociais.
Vem-me à lembrança a faixa afixada no portão do Palácio da Liberdade, a qual também deve ter chamado a atenção do ex-governador Aécio Neves da Cunha. Estampava os dizeres: “Não adianta calar e isolar o Cunha. Somos milhões de Cunhas.” Será? Aécio é, até pelo nome. Eu não sou Cunha! E você, leitor?
*Deputado estadual (PT-MG), líder do governo na ALMG, professor, escritor, assessor de pastorais e movimentos sociais