Por Lia Bianchini, repórter especial do Cafezinho
É final de tarde na maior cidade brasileira. Depois de mais um longo dia de trabalho e de enfrentar mais de duas horas de trânsito, em pé dentro de um ônibus, Dona Maria finalmente chega à sua casa.
Enquanto prepara o jantar, ela liga a TV.
Deixa em um canal que exibe um programa policial. Na pauta do dia: apreensão de drogas, perseguição, sequestro, assassinato. Cada notícia é entremeada por comentários raivosos do apresentador. A São Paulo que ele mostra causa pânico e desgosto pela vida.
Muda o canal.
O telejornal exibe uma reportagem sobre a mobilidade urbana da cidade. Ônibus 24 horas, ciclovias, ciclo faixas, redução da velocidade para os carros em algumas vias. A São Paulo exibida ali parece um lugar de progresso (ao menos para parte de seus habitantes).
Muda o canal.
Mais um telejornal. O assunto da matéria agora é política. Desfiliações e filiações partidárias. Uma ex-prefeita de São Paulo, após deixar seu antigo partido com críticas à corrupção, filia-se a um partido envolvido em todos os grandes e midiáticos escândalos de corrupção da atualidade. A São Paulo que ela quer representar é uma incógnita.
Dona Maria é qualquer cidadã e cidadão paulistano, no meio do fogo cruzado de uma cidade prestes a começar as campanhas das eleições municipais de 2016. O cenário é atípico e a disputa que virá parece ser acirrada.
Os principais possíveis candidatos, como mostrou a TV de Dona Maria, são José Luiz Datena (PP), o prefeito Fernando Haddad (PT) e Marta Suplicy (PMDB). O PSDB corre por fora, com nomes menos carismáticos: João Dória Jr. e Andrea Matarazzo. Além desses, o PRB deve relançar a candidatura de Celso Russomano.
Caso as candidaturas à prefeitura de São Paulo de fato se consolidem nesses partidos e nomes, o páreo será duro como há muito não se via nas eleições paulistanas.
As menores probabilidades de eleição ficam com PRB e, surpreendentemente, PSDB.
Celso Russomano já é conhecido entre o eleitorado paulistano e é o típico candidato que consegue fazer muito barulho durante a campanha e despertar a vontade de voto em algumas pessoas, mas perde toda a força no primeiro debate eleitoral. Todo o barulho não se traduz em propostas atrativas para as eleitoras e os eleitores.
No PSDB, João Dória Jr. tem certo favoritismo em relação a Andrea Matarazzo, devendo ser o nome do partido para a disputa à prefeitura. A popularidade de qualquer um dos dois, porém, restringe-se a um mais que seleto grupo da elite empresarial paulistana. Para que o PSDB entre na disputa com chances de vitória, como em 2012 e 2008, terá que fazer um ótimo marketing político, que popularize seu “produto”.
O cenário que já vem se delineando, por enquanto, é a disputa acirrada entre PT, PP e PMDB.
Fernando Haddad tenta a reeleição em um clima pouco favorável. Com um governo destoante de seus antecessores, Haddad fez transformações nas políticas de transporte, transparência e representação local em bairros. Sua candidatura já é alvo de ataques midiáticos, mas não apenas isso deve favorecer a diminuição de sua quantidade de votos. Uma das críticas mais persistentes e coesas à gestão Haddad é a fixação de um foco de trabalho, o Centro de São Paulo, que, sim, trouxe avanços inegáveis à população, porém, negligenciou os bairros mais carentes de políticas públicas. Além disso, o prefeito enfrenta um período de baixa popularidade: apenas 20% da população paulistana aprova a gestão Haddad, segundo a última pesquisa Datafolha.
É nítido, assim, que o caminho para a reeleição do petista será repleto de obstáculos. Um dos grandes, inclusive, tem nome e rosto conhecidos: Datena. Apesar de não ter uma história política, a fama do apresentador já desponta como seu principal chamariz de votos. Conhecido por bradar contra a corrupção e o “estado de calamidade pública” em que se encontra o país, Datena deve atrair, principalmente, o voto da classe média conservadora. Sua candidatura, porém, tem as mesmas características que a de Celso Russomano e apenas os debates eleitorais poderão dizer se, de fato, Datena tem chances de vitória ou não.
A última provável candidatura com chances reais de vitória começou a surgir nesta terça-feira (18/08), com a filiação de Marta Suplicy ao PMDB. Após sair do PT, a Senadora sondava outro partido que pudesse projetá-la à prefeitura de São Paulo. Nesse cenário eleitoral de pouca previsibilidade, caso seja de fato candidata, Marta pode ter uma vantagem sobre os demais: já possui o apoio de grande parte da população paulistana (principalmente da periferia, onde implementou os Centros Educacionais Unificados, que aprimoraram em 90% o índice de satisfação das comunidades). Assim, a candidatura de Marta Suplicy pode ganhar força caso trabalhe com o imaginário da população resgatando a figura da ex-prefeita de São Paulo e dirimindo qualquer fixação à sua atual legenda.
As eleições estão cada dia mais próximas e o futuro de São Paulo parece ser um enigma que só será resolvido no último instante.
Voltando à casa de Dona Maria, a televisão é desligada e, preparando-se para dormir, ela liga o rádio, que ecoa São Paulo nos versos de Caetano Veloso: “e quem vem de outro sonho feliz de cidade/aprende depressa a chamar-te de realidade/porque és o avesso do avesso do avesso do avesso”.