Contra o processo penal midiático

Quer você queira ou não, os direitos humanos são para todos

Por Gasparino Corrêa, estudante de Direito, no blog Justificando.

A superlotação e a falência do sistema penitenciário brasileiro assustam até o jurista mais otimista, quando este se depara com uma estatística de 113% de aumento população carcerária, de 2000 a 2010[1], por exemplo. Esse emaranhado de estatísticas em comunhão de esforços com Datenóides coloca em cheque a eficiência punitiva estatal, e põe em alvoroço a galera do bem, que se joga às ruas aplaudindo qualquer manada que encontre algum possível criminoso para espancar.

Mas, em que pese os índices de criminalidade estarem nas alturas ou, de certa forma, descontrolados, pouco (ou quase nada) se tem feito para reduzir de fato a criminalidade. Afinal, a criação de mais leis e a consequente ampliação da rotulação criminosa jamais conseguirá reduzir a criminalidade, pois o efeito acaba sendo justamente o contrário. A ampliação da rotulação criminosa é uma atitude puramente simbólica e nada efetiva, dado que a estigmatização apenas retroalimenta o mundo do crime.

Entre as agravantes desse excessivo enclausuramento, estão a (clichê) morosidade do sistema processual, aliada a um excessivo índice de prisões provisórias decretadas sem a devida fundamentação ou necessidade. Segundo os últimos dados disponibilizados pelo InfoPen, de junho de 2013, o Brasil contava com mais de 580 mil pessoas presas, sendo que 41% delas cumpriam prisão provisória, chegando a um déficit de vagas que supera a marca de 230 mil.

Estas estatísticas são potencializadas cada vez mais pelo “conservadorismo opressor”, o ensino jurídico acrítico e o mecanicismo jurídico desprovido de racionalidade e humanidade, corolários diretos do processo penal midiático e do populismo punitivo, lugar em que:

“não há espaço para garantir direitos fundamentais. O espetáculo não deseja chegar a nada, nem respeitar qualquer valor, que não seja ele mesmo. A dimensão de garantia, inerente ao processo penal no Estado Democrático de Direito, marcado por limites ao exercício do poder, desaparece para ceder lugar à dimensão de entretenimento. […] O caso penal passa a ser tratado como uma mercadoria que deve ser atrativa para ser consumida. A consequência mais gritante desse fenômeno passa a ser a vulnerabilidade a que fica sujeito o vilão escolhido para o espetáculo[2].”

Assim, em razão desse exacerbado e desmedido sensacionalismo midiático sobre a (in)segurança pública, potencializado pelo senso comum, torna-se onipresente na sociedade a sensação de impotência em razão dos altos níveis de criminalidade. Assim, o “cidadão de bem” se sente no direito de sobrepor a sua bondade ao jus puniendi do Estado e punir conforme a sua própria consciência de manada.

Na esteira do debate acerca do encarceramento massivo no Brasil, tramita no Senado Federal o PLS nº 554, de 2011, que visa alterar o Código de Processo Penal e instituir a obrigatoriedade da apresentação de toda pessoa presa em flagrante diretamente ao juiz no prazo máximo de 24 horas, para que o juiz analise possíveis irregularidades na prisão em flagrância e decida sobre o relaxamento da prisão ou a conversão em prisão preventiva.

A audiência de custódia consiste, portanto, no direito de todo cidadão preso ser conduzido, sem demora, à presença de um juiz para que este, nesta ocasião, tenha conhecimento de eventuais (e corriqueiros) atos de maus tratos ou de tortura e, ainda, para que se promova um espaço democrático de discussão entre as partes do processo acerca da legalidade da prisão, desde o início da Ação penal.

Na última quarta-feira (30), ocorreu em Porto Alegre a primeira audiência de custódia do estado, com a ilustre presença do Ministro do STF Ricardo Lewandowski, tratando-se de um projeto piloto de 120 dias para analisar a eficácia da referida audiência.

Mas como assim projeto piloto, cara pálida? Projeto para quem? O pacto de San Jose da Costa Rica, que prevê esse “projeto”, já é vigente no Brasil desde mil novecentos e noventa e dois.

À passos medianos, a audiência de custódia vai caminhando rumo à sua plena efetivação na Ilha de Vera Cruz. Evidentemente, não se deve esperar que a mera implementação da audiência de custódia, de forma autônoma, solucione o emaranhado de problemas do sistema carcerário, que vive uma crise sistêmica. Contudo, interligando-se as três maiores finalidades (e desafios) da audiência de custódia (I – adequar a lei processual penal aos Tratados Internacionais de Direitos humanos; II – prevenir maus tratos e tortura policial contra os acusados; e III – evitar prisões ilegais, arbitrárias ou desnecessárias) ganhará o cidadão, ao ver respeitado direitos individuais internacionalmente reconhecidos pelo Estado, e ganhará o processo penal, ao se adequar às normas internacionais, seguindo-se fidedignamente as normas do jogo.

São imensuráveis, por conseguinte, as vantagens da implementação da audiência de custódia no Brasil, mas e quanto aos contras? Seria um absurdo conceder Direitos Humanos aos presos? Mas, desde quando deixamos de considerá-los humanos? Direitos humanos é para o preso, sim; é para o negro, para o pobre, para a puta, para o viciado, para o sem teto, para o cara pálida e para ti também, Brutus. O Direito à Humanidade não é meritocrático, embora vocês quisessem que fosse.

Publicado em Sexta-feira, 31 de julho de 2015.

Gasparino Corrêa é graduando do quinto semestre do curso de direito da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA.

REFERÊNCIAS
[1]MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Sistema Prisional. Disponível em: .
[2] CASARA, Rubens. Disponível em: http://paulomoreiraleite.com/2015/03/22/debatendo-lava-jato-entrevista-com-rubens-casara/.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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