Essa coluna de Melo, denunciando o golpe em marcha, me fez imaginar um diálogo nervoso entre dois barões da mídia.
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– Porra, Otavinho! Por que você contratou a merda desse Ricardo Melo! Nosso golpe não pode sair na mídia! O lance tem que ser feito na moita. Na superfície, tudo tem que parecer perfeitamente legal, perfeitamente democrático. Em 64, a gente exagerou.
– Eu sei, meu amigo. Por isso mesmo. Dessa vez a gente tem que ser mais sofisticado. A coisa dos militares estragou a imagem democrática que queríamos dar. Agora estamos fazendo bem melhor. A denúncia de golpe tem que ficar só nos blogs sujos de esquerda, que a gente neutraliza através de calúnia ou, mais importante, ignorando-os. Os blogs tem milhões de acessos, mas a gente os ignora em nossos programas de rádio e tv, como se eles não existissem. Só o que aparece na Globo ganha substância política real no Brasil, e os ministros do Supremo só tem medo mesmo é de matéria na Globo, no Fantástico, no Jornal Nacional. A gente conseguiu criar um exército de zumbis fascistas, que xingam ministros em restaurantes. Um dos nossos atravessou os EUA apenas para proferir palavrões e frases de baixo calão contra a presidente, em sua visita àquele país. Tudo está dando certo. O golpe avança maravilhosamente.
– Pois é, mas se você deixa esse cara escrever essas coisas, não põe em risco o sucesso do nosso golpe?
– Claro que não. Um ou outro colunista de esquerda, 1% do total, não faz tanta diferença. Não viu que chamei o Ronaldo Caiado para assinar coluna? Está tudo sob controle. Você está bilionário, tem essa TV aí que herdou da ditadura. Eu não. Eu tenho um jornal que posa de imparcial, e preciso dar uma pinceladinha de pluralidade, até porque tenho uns 10 ou 20% de assinantes que são de esquerda. Infelizmente. Não viu que São Paulo botou um petista na prefeitura?
– Entendo, mas vê se segura esse cara, viu? Assusta ele um pouco! Ou então demite de uma vez. Depois do golpe, a gente vai nadar em dinheiro, não se preocupe! O PSDB sabe que tem de encher a nossa burra de grana, senão a gente o derruba também, e será mais fácil ainda, porque aí não haverá movimento social ou blogueiro para defendê-lo.
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Abaixo, a coluna de Melo, publicada hoje na Folha.
O GOLPE ESTÁ EM MARCHA
Por RICARDO MELO – Folha de S.Paulo
As últimas estocadas da oposição provam estar em curso uma operação sistemática para derrubar a presidente Dilma.
Relembrando fatos. A investida desesperada às vésperas da eleição para incriminar Lula e a então candidata. Não deu certo. Recontem-se os votos, decretaram os derrotados. Parece piada, mas isso aconteceu. Também fracassou, tal qual a pecha de estelionato eleitoral! (Alguém esqueceu da desvalorização brutal da moeda em 1999?)
A essa altura, as acusações de roubalheira da Petrobras embaladas pela compra de uma refinaria pareciam cair do céu para um impeachment. Fiasco, até porque o negócio foi recomendado pelo Citibank e avalizado por um conselho composto de ricaços: Jorge Gerdau, Cláudio Haddad, Fábio Barbosa etc.
A história azedou ainda mais quando o executivo petroleiro Pedro Barusco contou que a corrupção estatal avançou no governo do PSDB, turbinada por uma lei que aboliu licitações. Detalhe: Barusco prometeu devolver centenas de milhões de dólares depositados no exterior. Mas a grana não era para o PT? Como estava na conta pessoal dele? Bem, isso não vem ao caso.
Aí surgiu a novela das pedaladas fiscais. Novo fracasso. Todos que conhecem a política mesmo superficialmente sabem que o Tribunal de Contas da União é um almoxarifado para acomodar políticos decadentes, uma espécie de prêmio de consolação para sabujos fiéis a favor ou contra, tanto faz. A coisa ficou mais incômoda quando descobriram que as pedaladas começaram na administração Fernando Henrique Cardoso.
Bem, sempre tem o pessoal do Moro e sua equipe de delações. Incrível: o Brasil é o único lugar teoricamente democrático em que candidatos a réus são informados de crimes pelo jornal, TV ou internet. O conteúdo, então, é de espantar.
“O doleiro [Alberto Youssef] não identifica com precisão a pessoa que o teria procurado para pedir ajuda, e deixa claro que não participou da campanha da presidente […] Se não me engano, o pai dele tinha uma empreiteira. Não consigo lembrar do nome da empreiteira […] O doleiro afirmou não saber se Felipe (acusado de ser o intermediário) buscou outros operadores. Questionado sobre o valor do dinheiro a ser internalizado, o doleiro respondeu: ‘Acho que era em torno de R$ 20 milhões'”. (FSP, 03/07, Pág. A4)
Tal depoimento, como se percebe robusto, cheio de evidências, em que o acusador ignora o nome do interlocutor, desconhece para quem ele trabalha e sequer sabe o valor exato da propina –tal depoimento está no processo que serviu de base para o PSDB pedir a cassação de Dilma!
Para completar a mistificação, aparece a entrevista do delegado geral da Polícia Federal ao “Estado de S. Paulo”. Somos informados que na democracia da jabuticaba existem quatro poderes: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e a…Polícia Federal. “O ministro da Justiça não é o seu chefe?”, perguntam as repórteres. Resposta: “O ministro da Justiça é o responsável pela PF, mas na esfera administrativa. As ações da PF na esfera de investigação são feitas no limite da lei”.
Pelo jeito, a mesma lei que muda votações na Câmara ao sabor de um presidente que dispensa comentários; deixa impunes sonegadores graúdos da Receita; fornece habeas corpus a banqueiros selecionados; prende antes de julgar e vem transformando o Supremo Tribunal Federal num órgão tão decisivo quanto cerimônias de chá na Academia Brasileira de Letras.
E o governo, o ministro da Justiça, não têm nada a dizer antes que seja tarde?