Muito bom esse artigo!
Faço questão de reproduzir aqui no Cafezinho.
Luiz Moreira – que poderia vir a ser nosso novo ministro no STF – explica didaticamente como funcionam as conspirações judiciais.
Em resumo: a mídia condena o cidadão previamente.
A atmosfera de condenação pesando sobre o cidadão é tão pesada que se o juiz absolve, é pintado como conivente com a corrupção.
O juiz, então, tem de condenar, forçosamente, para que ele mesmo, o juiz, não seja condenado pela mídia.
Afinal, a mesma mídia que faz de um juiz um heroi justiceiro pode transformá-lo, imediatamente, caso ele não siga rigidamente o script de condenar os adversários da mídia, num pária da sociedade.
Leiam o artigo com atenção especial, por favor.
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JURISTA DENUNCIA ABUSO DA PF E DO MP CONTRA PIMENTEL
Em artigo exclusivo para o 247, o jurista Luiz Moreira, professor de direito constitucional, questiona os métodos de estado policialesco utilizados na Operação Acrônimo, deflagrada na última sexta-feira, que, na prática, promoveu busca e apreensão na residência do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, uma vez que ele é casado com a jornalista Carolina Oliveira, alvo da ação; “o que leva o ministério público federal a solicitar medida tão invasiva quando um mínimo esforço investigativo poderia esclarecê-lo?”, questiona Moreira; “qual o propósito dessa busca e apreensão na residência, em Brasília, do Governador de Minas Gerais?”; Moreira lembra ainda que autoridades policiais deveriam saber que “Governadores de Estado só poderem ser investigados, nos crimes comuns, pelo Superior Tribunal de Justiça e que, do mesmo modo, um mandado de busca e apreensão, na casa de um Governador de Estado, só possa ser assinado por ministro daquela Corte”; leia a íntegra
31 DE MAIO DE 2015 ÀS 18:53
“Até o momento, o Governador Pimentel não é alvo da investigação.”
Por Luiz Moreira, especial para o 247 *
Quando o Ministro Gilmar Mendes presidia o Supremo Tribunal Federal uma de suas bandeiras era o combate ao estado policial em expansão no Brasil. Ele chamava atenção para o feitio midiático das “operações” da polícia federal, para a falta de controle sobre os grampos telefônicos, frequentemente utilizados como mecanismos prévios de investigação. É que quanto mais a cultura policialesca se alastra pelo sistema de justiça, mais é utilizada para submeter os cidadãos aos arbítrios dos agentes estatais.
Esse arbítrio estatal desenvolveu dois caminhos na estratégia para se consolidar como estado de exceção imune ao Estado constitucional: (1) a exposição midiática como justiciamento e (2) a transformação do processo em pena.
(1) Ante a carência de elementos probatórios, a divulgação permanente da investigação pelos meios de comunicação é utilizada para converter o cidadão em inimigo, submetendo-o a um justiciamento. O propósito é o de construir uma culpabilidade difusa, de modo a transformar a cobertura midiática em método da ação penal, que a norteará da investigação até a condenação. Como no direito penal exige-se a demonstração cabal das acusações, essa cobertura midiática gera uma verossimilhança entre ficção e realidade. Com isso, o enredo segue seu curso, o de constituir uma culpabilidade abstrata, em que a reputação do cidadão é permanente atingida, de modo a lhe constituir como sujeito sem direitos.
Essa construção midiática do inimigo apregoa que a condenação dos réus acusados de corrupção teria papel pedagógico, pois, com ela, obter-se-ia um exemplo a ser utilizado numa campanha midiática. Atingida a reputação, abre-se a perspectiva para firmar a culpa dos réus, sem permitir igual espaço para a defesa. Definido o conteúdo da mensagem (a culpabilidade dos réus), há sua massificação pela mídia.
A exposição midiática como justiciamento cria não apenas um movimento pela incriminação de cidadãos sob investigação, como alinha tanto a manifestação do Ministério Público quanto a decisão dos juízes à campanha pela condenação desses réus. Assim, estabelece-se uma correlação entre condenação e combate à corrupção, de modo a estabelecer que os juízes que são contrários à corrupção devem por isso condenar esses réus. Contrariamente, os que absolvem os réus assim o fazem por serem favoráveis à corrupção.
(2) A tarefa do Judiciário é a de garantir que os direitos e as garantias fundamentais sejam efetivados enquanto perdurar o marco jurídico que os instituiu. Assim, o judiciário é, por definição, garantista. Nesta seara uma diferenciação foi introduzida, no Brasil, em 1988, com as prerrogativas conferidas ao Ministério Público, pelas quais lhe cabe promover direitos. Portanto, o sistema de justiça detém uma divisão de tarefas, cabendo ao Judiciário agir conforme um padrão de inércia e ao ministério público, o de promover as ações necessárias ao cumprimento das obrigações jurídicas.
Essa diferenciação é especialmente relevante em duas searas, ou seja, no direito penal e no direito tributário, pois, como se trata da defesa da liberdade e da propriedade, as funções se especializam em decorrência da exigência de as vedações estarem rigorosamente previstas no ordenamento jurídico. Na seara penal, o Judiciário age como a instância que garante as liberdades dos cidadãos, exigindo que o acusador demonstre de forma inequívoca o que alega. Assim, a estrutura se realiza de modo dicotômico: (I) ao acusador cabe produzir o arsenal probatório apto a produzir a condenação e (II) aos cidadãos é deferida a perspectiva de defender-se com os meios que estiverem ao seu alcance. Constrói-se, nesses casos, uma imunidade conceitual erguida para salvaguardar as liberdades do cidadão ante o poder persecutório do acusador.
Ora, como é o Estado que promove a acusação, por intermédio de um corpo de servidores (polícia e ministério público) constituído especificamente para este fim, o Judiciário se distancia da acusação e passa a submeter à acusação ao marco da legalidade estrita, de modo que método e instrumento de suas atuações sejam diferentes. Isso ocorre para garantir às liberdades um padrão institucional que tem, no sistema de justiça, o Judiciário como seu guardião. É essa divisão de tarefas que propicia legitimidade ao sistema de justiça. É o reconhecimento ao desempenho de um papel garantista que confere ao Judiciário o acolhimento de suas decisões. Já o reconhecimento à atuação do ministério público se vincula à promoção das obrigações jurídicas.
Assim, não se atribui ao Poder Judiciário o “fazer” justiça. O que se lhe atribui é o desempenho de um papel previamente estabelecido, pelo qual “fazer justiça” significa o cumprimento correto dos procedimentos estabelecidos pelo ordenamento jurídico. Portanto, fazer justiça é o desincumbir-se de uma correção procedimental. Certamente, a legitimidade do sistema de justiça decorre de sua atuação técnica e de sua vinculação a uma ordem jurídica legítima, na qual as obrigações jurídicas são democraticamente formuladas. Justifica-se o cumprimento das obrigações jurídicas e das decisões judiciais pela expectativa de que estas sejam validamente imputáveis e que tal imputação se realize conforme uma correção procedimental não sujeita a humores, a arbitrariedades ou a imprevisibilidades.
No entanto, contrariamente à tarefa de correção procedimental, o fazer justiça tem se confundido com justiciamento. De modo institucional, essa deformação do sistema tem propiciado que a pena, a que será submetido o cidadão, seja justamente responder a um processo judicial. Afligido pelas peculiaridades burocráticas e pelas demoras inerentes a um processo garantista, a deformação do sistema consiste em submeter um cidadão ao sistema de justiça.
O itinerário do estado de exceção é conhecido: submeter o cidadão à execração pública e, após, circunscrevê-lo aos escaninhos do processo penal. Ao término do processo, embora absolvido de qualquer imputação jurídica, o cidadão se converteu em derrotado. A derrota é o resultado do processo de justiciamento a que a mídia lhe submeteu associado a um processo penal que se instituiu como tortura psicológica, que fragiliza o cidadão e o torna refém da máquina persecutória do Estado.
II
Nos últimos dias, o cenário político mineiro foi atingido por uma ordem de busca e apreensão expedida na residência, em Brasília, do Governador Fernando Pimentel. A ordem foi expedida pela Justiça Federal em Brasília e cumprida pela polícia federal, a partir de solicitação da procuradoria da República no Distrito Federal.
Foi divulgado que a busca e apreensão fora cumprida no apartamento de Carolina Oliveira Pimentel, esposa do Governador de Minas. No entanto, o apartamento citado é a residência de Fernando Pimentel e Carolina Oliveira, em Brasília, desde os tempos em que ele era Ministro de Estado no primeiro Governo Dilma.
Em comunicado à imprensa, a jornalista Carolina Oliveira Pimentel, ora primeira dama de Minas, expõe o que classifica como erro material a embasar a decisão do magistrado federal de piso: (I) em 15 de maio último, o juiz da 10ª Vara Federal do DF concedeu mandado de busca e apreensão baseado apenas na alegação do MPF de que a jornalista seria proprietária da empresa OLI, que funcionaria ficticiamente no mesmo endereço de uma empresa – também fictícia – de Benedito Rodrigues; (II) a OLI (cujas atividades transcorreram normalmente de abril de 2012 a novembro de 2014) nunca dividiu seu endereço com qualquer empresa. Encerrou seu contrato de locação em 20 de julho de 2014, passando a fixar, de março a novembro de 2014, endereço no de seu contador; (III) no endereço anteriormente ocupado pela OLI, a empresa PPI celebrou contrato de locação em 28 de agosto de 2014; (IV) a OLI nunca teve contratos com governos, com partidos políticos nem com nenhuma das empresas investigadas pela operação anacrônico; e (V) conforme certidão da Junta Comercial do Distrito Federal, a OLI encerrou suas atividades em novembro de 2014.
Os argumentos e a comprovação do que se alega podem ser acessados no seguinte endereço: http://www.comunicadoimprensa.com.br
No que diz respeito às questões que o caso suscita, persistem ainda algumas: (1) o que leva o ministério público federal a solicitar medida tão invasiva quando um mínimo esforço investigativo poderia esclarecê-lo? (2) tratando-se de erro material, qual será a providência adotada pelo magistrado federal? (3) qual o propósito dessa busca e apreensão na residência, em Brasília, do Governador de Minas Gerais?
Qual o sentido da afirmação a seguir? Ao responder às perguntas de repórteres sobre se a investigações abrangeriam também o Governador de Minas, o delegado responsável foi lacônico: “Até o momento, o Governador Pimentel não é alvo da investigação.”
Em um estado policialesco essa afirmação é preocupante. Primeiro porque pode denotar que o erro material em análise poderia sugerir que o alvo da operação seria não Carolina, mas Fernando Pimentel. A intensa cobertura midiática do caso pode perfeitamente suscitar a necessidade de o Governador ser investigado. A produção desses elementos, confiada ao encargo da cobertura midiática, poderia compelir a abertura de investigação no Superior Tribunal de Justiça ante Fernando Pimentel. Segundo, o processo como pena poderia explicar o por quê de servidores tão bem selecionados desconhecerem a norma constitucional comezinha que prevê que Governadores de Estado só poderem ser investigados, nos crimes comuns, pelo Superior Tribunal de Justiça e que, do mesmo modo, um mandado de busca e apreensão, na casa de um Governador de Estado, só possa ser assinado por ministro daquela Corte.
* Luiz Moreira é Doutor em Direito, ex-Conselheiro Nacional do Ministério Público e professor de Direito Constitucional
Hell Back
04/06/2015 - 15h49
Por essa razão que se faz urgente uma regulamentação das mídias, pois se elas, como na maioria das vezes, estiverem erradas, não vêm a público fazer a retratação e pedir desculpas pelo erro cometido.
Ingrid Mariana
03/06/2015 - 14h40
Esse tipo de deturpação da justiça fragiliza totalmente o poder judiciário enquanto Instituição… Um verdadeiro atentado à nossa jovem democracia.
José Carlos Vieira Filho
02/06/2015 - 16h21
Gestapo?