O golpe vem aí?


 

Analisar a política do Brasil é como despetalar uma flor. Destaca-se uma pétala e se diz: não vai ter golpe. Destaca-se outra: vai ter golpe.

A prisão de João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, sem lhe dar qualquer direito a defesa, em nome de crimes que ele poderia cometer no futuro, escancarou o que já estava à vista de todos.

Na verdade, repete-se o modus operandi visto no julgamento da Ação Penal 470, e que muita gente, inclusive no governo e no PT, se recusou a enxergar.

Setores do Ministério Público e do Judiciário estão abusando de suas funções e se tornaram instâncias políticas.

Em plena crise econômica, torram milhões de reais de verba pública para financiar suas conspiratas.

Nada disso é obtido sem a ajuda da mídia, que molda mentalidades e influencia fortemente a opinião pública, em especial as comunidades política e jurídica.

A presidenta Dilma ainda não percebeu isso. Em entrevista aos blogueiros, pôs de lado o debate sobre regulamentação da mídia como se este fosse um tema incômodo, menor, desnecessário.

Ou como se fosse um tema que, por não ser possível que seja aprovado no Congresso, não deva sequer ser debatido.

Ora, esta é a raiz do problema.

A mídia tem de ser discutida.

Porque ela ocupa o lugar central da política brasileira.

No debate entre cientistas políticos publicado pela revista Inteligência, todos pareceram concordar que apenas a figura da presidente da república constitui uma força análoga à da mídia, em termos de força de persuasão.

E concordaram que ela tem de assumir a liderança para gerenciar expectativas e fazer o contraponto aos ataques políticos da mídia.

Esta é a razão pela qual a mídia procura arrasar a presidenta. É também a razão pela qual ela tem de reagir, não apenas em defesa de si mesma, mas de seu governo e de seu partido.

A presidenta precisa falar de política. Ela é o agente político com mais instrumentos para barrar a conspiração judicial que volta a se armar em volta dela.

Ontem eu me senti o jovem Wanderley Guilherme, quando, em 62, previu o golpe de 64. Foi apenas por um minuto, mas eu pensei o seguinte: ora, o golpe será dado, com certeza, até porque eles foram, desta vez, bem mais violentos do que na preparação de 64.

O que significa a “prisão preventiva” de grandes empresários, por mais de seis meses, senão um golpe?

Prisão preventiva se usa apenas para dar tempo à polícia para revistar o apartamento e o escritório do acusado.

No Brasil, conforme já publicamos aqui no Cafezinho, o Judiciário transformou-se numa instância fascistóide que condena a pessoa antes de sua defesa, jogando no lixo conquistas de milhares de anos.

A diferença é que, antes, o Judiciário não usava esses métodos contra a classe política, porque havia relações patrimoniais, familiares entre os dois poderes.

A classe política era amiga, irmã, prima, cumpadre, de juízes e desembargadores.

Pertenciam ao mesmo clube.

Por exemplo, a mulher do juiz Sergio Moro advoga para o vice-governador do Paraná, do PSDB.

A ascensão do PT ao poder rompeu essa ligação, e, após um momento de susto, os elementos mais radicalizados do MP e do Judiciário começam a usar contra políticos do PT os mesmos métodos fascistas que costumam usar contra pobres.

Os empreiteiros entram na roda porque doaram dinheiro para o PT. Essa é a culpa deles. Mesmo tendo doado oficialmente, a elite conservadora antipetista considera isso um crime. E nem esconde essa convicção, tanto que o Ministério Público e o juiz querem criminalizar as doações oficiais, legais, que o PT recebeu das empreiteiras.

Ou seja, as empreiteiras doaram para todos os partidos, mas apenas as doações para o PT são consideradas criminosas.

Lógica, bom senso, racionalidade, isso não importa.

Os petistas contratam os melhores advogados da praça. Vaccari contratou um dos mais conservadores, o Flavio D’Urso, um dos idealizadores do Cansei. Ele seguiu a lógica petista que talvez tenha dado certo por um tempo, mas que, no médio e longo prazo, se revelou ingênua: dar dinheiro para os inimigos.

O PT alimentou seus inimigos por 12 anos, como quem enche a barriga de um leão para que ele não lhe venha devorar. Só que o leão agora quer o botim principal: o poder político.

O que eles fizeram até agora, na Lava Jato, foi planejado, assim como foi a AP 470.

Apertem os cintos.

Ocorrerá o golpe, o PT será semi-destruído politicamente, e só então – meses ou anos depois – haverá reação popular.

O povo assiste a tudo tranquilamente, porque é sábio, não em relação ao presente, onde seus vícios falam mais alto, mas em relação ao futuro, para o qual apontam sua generosidade e suas esperanças. Mas a sabedoria popular jamais pode ser confundida com esse espírito de malta que a mídia explora comercialmente – e politicamente.

Por isso, pesquisas de opinião são superficiais e dão um retrato errado do povo.

Em 2014, as pesquisas davam vitória à Marina num dia, à Aécio no outro, a Dilma no outro.

A culpa não é exatamente dos institutos, mas do método.

Um método analógico num mundo digital.

Um método estático numa sociedade dinâmica.

O povo, por exemplo, costuma apoiar instintivamente a prisão de qualquer político ou empresário. Ele não pode conceber que um figurão possa ser preso injustamente, como acontece frequentemente com um pobre.

Também instintivamente, o povo sabe que a prisão de um político, mesmo injusta, produzirá uma lição moral, educadora. É um pensamento meio fascista, mas inevitável em se tratando da massa.

A injustiça, afinal, cumprirá a sua missão. A dor cria a demanda pelo remédio. A sociedade tem de combater a instrumentalização das poderosas máquinas de repressão do Estado para fins partidários e políticos.

O golpe ocorrerá?

Nenhum juiz comete tantos abusos contra gente poderosa se não estiver respaldado.

Eles não escondem quem está por trás.

O prêmio Faz Diferença, da Globo, ao juiz Sergio Moro deixou bem claro.

A homenagem de Eduardo Cunha a um dos irmãos Marinho confirmou.

O poder da mídia não diminuiu, conforme pensamos ingenuamente.

Na verdade, aumentou, porque invadiu a internet e as ruas. Eu não consigo mais beber cerveja num bar sem que o barulho da TV, ligada sempre no mesmo canal, não me atrapalhe a concentração. Em ônibus, supermercados, restaurantes, elevadores, até dentro do taxi, lá está a mídia, vomitando a mesma opinião.

Por isso a presidenta equivoca-se profundamente ao não falar da mídia.

Como assim, não falar de mídia? A mídia está em toda parte.

Na verdade, Dilma se esquiva de falar de política.

Esquivando-se da política, Dilma aprofunda a crise política, que por sua vez contamina a economia.

E aí pode contratar mil Levys, fazer mil ajustes fiscais, que não tem jeito.

Debater a mídia, assim como debater política, não nos torna carbonários, radicais ou terroristas, como a presidenta e setores do governo parecem pensar.

Debater mídia e política é uma necessidade democrática, e mais ainda na atual conjuntura brasileira.

Não é preciso ser agressivo para rebater uma capa, uma cobertura. Pode-se criticar com serenidade, até mesmo com ironia.

Mas é fundamental que haja um posicionamento.

Prenderam Vaccari. Imediatamente,  um porta-voz do governo deveria se posicionar, dizendo que apoiava a justiça, e a investigação, mas que lamentava excessos, pontuando que é preciso dar sempre o pleno direito de defesa às pessoas.

Vaccari é tesoureiro do PT, partido da presidenta.

Ao não falar nada, a mídia inventa um monte de fofoca sobre o que a presidenta teria falado. E fica por isso mesmo.

De vez em quando, a comunicação do governo se sente obrigada a correr atrás do prejuízo, e publicam no blog do Planalto que a presidenta não disse isso, não fez aquilo, etc.

Não se trata de aprovar ou não uma lei de mídia, mas de criar um ambiente político em que se possa, ao menos debater o assunto!

A mídia é o tema central hoje da agenda política nacional. Recusando-se a falar de mídia, a presidenta, e o governo em geral, na verdade se recusam a falar de política.

Só que estão errados. Quem bate a porta na cara da política, a verá invadir sua casa, violentamente, pela entrada dos fundos.

Ao recusarem a política, a presidenta e o governo vão perder, como estão perdendo, todas as batalhas, em todas as frentes.

E serão derrubados, causando mal não apenas a si mesmos, mas aos trabalhadores prejudicados pelas turbulências econômicas que advirão.

A mídia brasileira está preparada para o golpe. As demissões em massa que promoveram serviram para reduzir custos e fazer o pogrom ideológico nas redações, além de implantar o terrorismo: quem não seguir a ordem de bater no PT, vai para rua, e nenhum outro jornal irá contratá-lo.

Não se esqueçam que os âncoras anti-PT, esses jamais são demitidos. No máximo, perdem uma das inúmeras boquinhas que a mídia lhes proporciona, apenas para ficarem espertos e continuarem obedientes.

O poder da mídia lhes permite, especialmente, ridicularizar as denúncias contra as aberrações judiciais. Foi assim que fizeram na AP 470.

Os que denunciam as conspirações são ridicularizados, quando não também criminalizados.

Nem adianta esperar muita coisa do STF. Sem política, nenhum juiz terá coragem de enfrentar as conspiratas agressivas do Ministério Público e a pressão da mídia.

Durante o julgamento da AP 470 muita gente no PT e no governo achava que, ficando bem quietinho, o pior iria passar. Fizeram até pesquisas para embasar sua covardia.

Pensavam que iriam prender Dirceu, Genoíno, Pizzolato, e tudo ficaria por isso mesmo.

Não ficou por isso mesmo.

O mal cresceu. Agora os juízes prendem quem eles querem, sem nenhum constrangimento.

Tornamo-nos uma ditadura judicial.

Enquanto isso, o PSDB continua impune, blindado pela mídia.

Como o governo poderia responder ao golpe? Ora, fazendo justamente o que, até o momento, não está fazendo: falando de política, falando de mídia, indo à TV, à rádio, investindo pesadamente na TV Brasil e na comunicação pública, nomeando um porta-voz.

A regulamentação é uma entre milhares de iniciativas políticas que giram ao redor do tema da democratização da mídia.

Aliás, é a  última delas, o final de um processo. Antes de levar isso ao congresso, é preciso haver o debate. Não é um debate acadêmico, é O Debate, o único que poderia salvar o governo da bancarrota política.

A  mídia bloqueia o debate, e a presidenta, que tem o poder para fazê-lo, não o faz.

A comunicação do PT, percebe-se facilmente, também está toda equivocada.

O partido nunca investiu num think tank de verdade, atuando diretamente sobre a opinião pública, fazendo análises de mídia, políticas e, sobretudo, jurídicas. Tem de fazê-lo urgentemente!

A comunicação do partido tem de ser viva, com personagens em vídeo, na linha da performance do deputado Sibá Machado, na tribuna da Câmara. A bancada inteira tem de ir para a luta.  É hora de lutar!

Em suma, a pétala de hoje me diz que vai ter golpe, sim.

Só não posso dizer se é a última pétala da flor, porque isso dependerá da reação do governo e do PT.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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