O debate sobre o declínio de Dilma no Ibope


Segundo a pesquisa CNI/Ibope, a aprovação à presidenta Dilma despencou brutalmente.

Passou de 52% para 19%.

A maior queda em três meses de um político que se tem notícia na história do mundo.

Diante da falta de criatividade do governo, que não conseguiu inventar um slogan decente após as eleições (o máximo que conseguiu foi desengavetar um “Pátria Educadora”, tirado de algum documento militar dos anos 50), o normal seria voltar ao que era antes da eleição, por volta de 44% em junho de 2014.

A história do ajuste fiscal, e uma situação econômica mais tensa, podem tirar aí, brincando, uns dez pontos.

O avanço dos ataques midiáticos nesses primeiros meses, violentíssimo, em função do inquérito da Lava Jato, também não ajuda a consolidar nenhuma popularidade.

Seria esperado, portanto, que Dilma estivesse com uns 30% a 34% de aprovação nesse período.

A queda no valor das ações da Petrobrás, no qual entram em jogo fatores geopolíticos  complexos, produz igualmente um dano na aprovação do governo.

Não é fácil lidar com Tio Sam e Dow Jones jogando juntos para ganhar dinheiro em cima dos brasucas ingênuos.

Entretanto, os números do Ibope revelam que Dilma sofreu pesadas baixas também junto a seu próprio eleitorado.

Dilma esqueceu que ganhou as eleições.

Esqueceu, sobretudo, como foi o processo eleitoral do segundo turno.

Dilma conquistou núcleos políticos e culturais fortíssimos.

Parte importante do eleitorado dilmista não aprova a Dilma de hoje, porque entendeu que ela ainda não provou que tem um coração valente para liderar a luta política contra a oposição conservadora.

O governo não é um ser isolado. O processo eleitoral consolida relações entre setores da população e o candidato.

A altíssima temperatura das eleições de 2014 produziu laços particularmente fortes, que não poderiam ser rompidos sem trauma.

A impressão que tivemos foi que Dilma tentou romper, sem nenhuma delicadeza, os laços políticos com seu próprio eleitorado.

E se deu, como o esperado, um trauma.

(Não é tentativa de trocadilho com o nome do ex-ministro da Secom, Thomas Traumann, embora não fosse um trocadilho absurdo).

Esse erro político valeu por quantos pontos de aprovação? Dez, vinte, trinta?

O governo não percebeu que a classe média, que ele mesmo ajudou a se expandir formidavelmente, precisa de novos sonhos?

Os slogans tradicionais estão gastos: Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, PAC, etc.

São programas fundamentais, e o povo gosta deles, mas quer novidade.

A gente adora ouvir aquela canção do Chico Buarque, mas não queremos ouvir a mesma música trezentas mil vezes.

É preciso mudar a abordagem, introduzir programas novos, até porque, a partir daí, coisas diferentes e originais realmente acontecem.

O governo precisa oferecer símbolos novos.

Um pouco mais de poesia nos discursos da presidenta caberiam bem, por exemplo.

O governo Dilma II começou e foi só porrada em cima da galera.

Tudo sem um aviso, sem um amaciante.

O eleitor de Dilma mais politizado sentiu-se traído, abandonado.

É uma minoria eleitoral? É, mas formou uma base intelectual poderosa, um think tank coletivo  e anárquico, que fez o combate contra a mídia nas eleições. E venceu.

Essa mesma base era o único trunfo que Dilma possuía para manter a estabilidade política, diante da ofensiva midiática violenta que passou a sofrer durante e após as eleições.

Dilma esqueceu tudo isso e  produziu apenas símbolos hostis à sensibilidade política de seu próprio eleitorado.

Katia Abreu, Levy, ajuste fiscal, corte de direitos.

Não teve um contraponto positivo.

Não teve um avanço na política externa, na comunicação pública, na cultura, na democratização da mídia, nada.

A gente entende que o governo precisa enxugar gastos, mas não é melhor que o faça discretamente, sem alarde, de maneira eficiente e silenciosa?

Não é preciso fazer do ajuste fiscal a única e exclusiva bandeira do governo!

A presidenta podia usar o pronunciamento na tv para transmitir um símbolo positivo.

Anunciar investimentos em alta tecnologia, criar um pólo de pesquisas avançadas em tecnologia de informação, inteligência artificial, robótica, coisas assim.

Está faltando dinheiro? Então invente uma coisa legal que se possa fazer gastando pouco e que contará com a simpatia do povo brasileiro.

Alguma política inovadora para os índios, para o meio ambiente, por exemplo.

Use a televisão para mobilizar e capitalizar a energia política do povo brasileiro!

Diante da campanha diária de desespero e apocalipse da nossa imprensa, a falta de agenda positiva do governo constitui uma odiosa traição política, o que explica a queda na popularidade da presidenta.

Dilma não forneceu um mísero ponto de apoio para a sua base se segurar diante da tsunami midiática que se formou nas ondas da Lava Jato.

A presidenta tem de governar para todos, mas sem uma base política própria, nenhum estadista se sustenta.

Obama cultiva uma relação de comunicação constante com seus eleitores, com quem ele dialoga, democraticamente, para pressionar pelas reformas que pretende implementar.

Obama manda email até hoje para mim, que me cadastrei anos atrás, pedindo apoio às lutas travadas no congresso.

Aqui, isso seria chamado de “bolivarianismo”. Pior, o governo parece acreditar nisso, e fica quieto apanhando, achando que está sendo muito democrático.

Não está. Está sendo, ao contrário, antidemocrático, ao cortar, voluntariamente, a sua própria língua, com medo da mídia.

O presidente governa para todos, mas não deixa de ser um agente político que deve sua existência, sua força e sua estabilidade a uma base de eleitores.

Um presidente democrata não espera apoio da base republicana. A base republicana quer mais é que o presidente democrata se exploda, quiçá até literalmente.

A base de Dilma é o eleitorado que votou no PT, incluindo aí uma elite cultural com muita força nas universidades, no movimento estudantil, nas profissões liberais, na classe média.

Dilma também tem suas “elites”, formada por gente altamente capacitada, que faz, espontaneamente, uma guerra diária contra a manipulação da mídia.

Dilma tem de jogar com essa base, que é a base que deseja o seu bem, quer vê-la com saúde, valente, feliz.

A outra base, que não votou nela, quer mais é que a presidenta se dane. Quer derrubá-la de um jeito ou outro. Ou então que ela morra de uma vez.

Isso, infelizmente, também é democracia. Ou pelo menos é o tipo de truculência próprio do estágio vivido hoje por nossa democracia.

Dilma tem de governar para todos, mas não pode esquecer que é um ser político, que tira a sua vida, a sua força, de suas bases políticas.

Esta é a base que lhe dará sustentação para enfrentar a luta política do dia a dia, até o último dia de seu governo.

A única maneira do governo Dilma sair das cordas é acreditando na capacidade de resistência e na criatividade de seu eleitorado, que fez, espontaneamente, um trabalho incrível nas eleições.

O twitter da presidenta, uma ferramenta de comunicação evidentemente importante, com 3,3 milhões de seguidores, entre eles todos os jornalistas e políticos do país, é usado apenas para produzir mórbidos necrológios.

O último é de 9 dias atrás, lamentando a queda de um avião na Europa.

Diante desta situação, o pesquisador do Ibope pergunta a um eleitor de Dilma o que está achando de sua maneira de governar, e ele responderá “ruim, péssimo!”.

A opinião brasileira, de qualquer forma, é volátil e segue ondas. Vimos isso nas últimas eleições. Onda Marina, refluxo. Onda Aécio, refluxo, uma nova ondinha ao final. Onda Dilma, refluxo, onda, recuo de novo.

A opinião vai e vem na onda das marés da política.

O governo tem de preparar a sua onda. Mas não conseguirá isso sozinho. O governo não tem força política, não tem inteligência, não tem criatividade, para lutar isoladamente contra os dragões da mídia.

Tem de ir atrás de sua base, estabelecer pontes de diálogo. Mas não basta simular um diálogo. Esse tem de ser verdadeiro. Falando, ouvindo e respondendo.

O governo ainda tem importantes ferramentas de poder em suas mãos.

Pode começar, por exemplo, atualizando o twitter da Dilma, usando-o para influenciar na narrativa que se faz da atmosfera política, para defender ou explicar suas posições, para se desculpar, admitir erros, pedir informações, conversar. Engajar-se em campanhas em prol de alguma causa nobre.

Isso não é esquerdismo, não é bolivarianismo, não é radicalismo. É algo que um presidente de direita também faria. É fazer política, cazzo.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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