Instalou-se um debate sobre a maneira pela qual o governo deve reagir aos ataques.
Quer dizer, debate é exagero, porque o governo não ouve ninguém.
É surdo e mudo. Não fala e não ouve.
Digamos então que se instalou um falatório, nos botequins da internet.
Uns dizem que o governo deve reagir virando à esquerda, aliando-se aos movimentos sociais e às organizações e partidos trabalhistas.
Suponho que outros, os punhos de renda, que detêm o poder de fato no governo, devem dizer o contrário, que o governo deve recuar, etc.
Dilma apenas venceu o segundo turno das eleições do ano passado quando a esquerda verdadeira, não aquela representada por burocratas de partido, mas a esquerda presente em universidades, associações profissionais, sociedade civil em geral, passou a se reunir.
A presidenta tinha de empoderar esses setores, para que estes pudessem lhe ajudar a resistir a nova onda de agressões e patranhas midiáticas, a qual, agora, com o 15 de março, ganha ainda mais virulência pelo apoio do exército lunático de coxinhas.
Entretanto, o problema central não é este.
Criar um sistema de comunicação decente não é um debate ideológico entre esquerda e direita.
Qualquer governo, seja a que espectro ideológico pertencer, tem de investir num aparato de comunicação adequado às circunstâncias políticas presentes.
E comunicação, repito, não é só falar.
É ouvir também.
Comunicação não é apenas comunicação.
Comunicação, em se tratando de governo, é fazer política.
Nomear um novo ministro é um ato de comunicação.
Baixar um decreto beneficiando os sem-teto é um ato de comunicação.
Baixar um decreto beneficiando pequenos comerciantes é um ato de comunicação.
E por aí vai.
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Saiu Datafolha hoje.
A aprovação de Dilma e do governo, como era de se esperar, despencou. Em todas as regiões e em todas as faixas de renda, incluindo Nordeste e mais pobres.
Dilma se tornou uma unanimidade.
Esconder-se, definitivamente, não foi uma boa ideia.
É a materialização da sabedoria do Chacrinha: quem não se comunica, se trumbica.
Enquanto a Globo iniciou o ano lançando um novo noticiário, no raiar do dia, Dilma desativou o único canal de comunicação direta com a população, o Café com a Presidenta – que já era uma coisa atrasada porque deveria ter evoluído, há tempos, para um programa em vídeo, com presença de ministros, intelectuais, jornalistas, etc, a ser distribuído para tvs e internet.
Os gênios do Planalto deve achar que melhorar a comunicação e rebater os ataques da mídia são coisa de “radical”.
Aliás, eles não devem nem saber o que é comunicação.
Devem achar que comunicação é pagar mais uma propaganda na Globo.
Ou disseminar nas redes sociais vídeo de 33 minutos com discurso da presidenta.
Para os punhos de renda do Planalto, participar do debate, mostrar que o governo está vivo politicamente, deve ser “radicalismo”, maluquices de blogueiros sujos…
Bem, espero que não esperem a desaprovação do governo chegar a 100% antes de fazerem uma autocrítica.
Quando a mídia tucana faz qualquer críticazinha aos governos tucanos, os jornais ficam abarrotados, no dia seguinte, de respostas furibundas… dos governos tucanos.
O governo Dilma e o PT, não.
Não só não respondem como elogiam os atacantes.
A mídia consegue pôr 1 milhão nas ruas mandando Dilma “tomar no $%&”, enforcando bonecos da presidenta e de seu antecessor, pedindo intervenção militar (em inglês ainda por cima), e demais fofuras do gênero, e o no dia seguinte, seus ministros e a própria Dilma aparecem apenas elogiando, com lágrimas no rosto e voz embargada, as manifestações “democráticas”.
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Como brinde, deixo os editoriais da Folha de SP no dia seguinte à grande manifestação do dia 19 de março de 1964 contra o governo João Goulart, em São Paulo.
Qualquer semelhança não é mera coincidência.
O primeiro é uma chamada editorial na primeira página.
O segundo é o editorial completo.
A imprensa, na época, com seus jornais e rádios, havia passado semanas convocando o povo a ir às ruas protestar contra o governo e suas reformas.
Aí, no dia e no dia seguinte, fala em “manifestações espontâneas”.
E tenta fazer uma comparação entre as manifestações que contam com apoio de sindicatos, partidos e movimentos sociais, que seriam “artificiais”, e as marchas coxinhas, que seriam “espontâneas”.
Hoje a coisa é bem pior.
Mesmo o governo recuando politicamente, tendo como única bandeira (o que é uma coisa incrivelmente estúpida) o “ajuste fiscal”, a mídia consegue botar gente na rua, protestando com mais agressividade do que fizeram em 1964.