Esse texto de Nassif nos oferece um prognóstico sombrio e triste da política brasileira.
Sombrio, triste, e realista.
Eu acho um pouco exagerado, todavia, dizer que o ciclo do PT chegou ao fim após o 15 de março.
O show de horrores que assistimos mostra o contrário.
Mostra que o Brasil ainda precisa desesperadamente de organizações políticas de esquerda que constituam um anteparo à barbárie fascista.
O PT pode até diminuir, mas vai se tornar mais seco e mais duro.
A democracia brasileira sempre terá espaço para a esquerda e a história da esquerda brasileira, para o bem e para o mal, está ligada ao PT.
Não podemos subestimar o poder da mídia e do exército de zumbis que ela produziu.
Mas protestos infestados de dementes que pedem intervenção militar, em inglês, também não podem ser superestimados.
De qualquer forma, agora temos certeza que a história política do Brasil está mais viva que nunca.
Esse é o único ponto que talvez possamos usar como contraponto aos prognósticos sombrios de Nassif.
Tanto a história quanto a política são caixinhas de surpresas.
As coisas podem degringolar para pior, sim, se o governo continuar enfiando os pés pelas mãos (o que não é nada impossível, lembra Nassif, com o que eu concordo).
Também podem surpreender, para o bem.
O dia 13 de março, quando colocamos milhares de pessoas nas ruas numa conjuntura péssima, prova que ainda temos poder de fogo.
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O governo Dilma e o fantasma da Besta
Luis Nassif, no Jornal GGN.
SEG, 16/03/2015 – 19:57
Para não se perder em digressões sobre a natureza das manifestações, o primeiro passo é aceitar os protestos como um fenômeno amplo e disseminado, pegando todas as classes sociais e todas as regiões.
O sentimento anti-Dilma, anti-PT, anti-anti é generalizado.
Hoje, o país está dividido em dois grupos: a esquerda militante, sozinha em um canto, com uma visão muito mais legalista do que pró-Dilma; e todo o restante do país no outro.
O segundo é separar os processos centrais que impulsionam os protestos, da ação dos grupos oportunistas que surfam na onda.
O ponto central que explica esse explosão está presente na história em todos grandes períodos de inclusão. Foi assim primeira revolução industrial, na urbanização europeia dos anos 1920, trazendo consigo o integralismo italiano, o nazismo alemão e seus arremedos em várias partes do mundo; na explosão do mercado de massa norte-americano, nos idos de 1850; na primeira consolidação da onda migratória brasileira, nos anos 1920; no avanço da classe operária industrial brasileira nos anos 1950 e 1960, no macarthismo norte-americano e na KKK nos anos 1960.
A expansão econômica abre espaço para a urbanização e para a criação de uma nova classe operária ou de incluídos. Nessa fase, o crescimento permite repartir os frutos por todos os setores, amainando os conflitos de classe e contendo os preconceitos. Quando à frente do processo estão políticos de fôlego – Mandela ou Lula – a fase de inclusão se dá com menos conflitos.
Quando esgota-se o ciclo de crescimento, frustram-se as expectativas de melhoria individual e afloram todos os preconceitos e frustrações, tanto dos velhos quanto dos novos incluídos, ambos irmanados na falta de perspectivas.
Por exemplo, a nova geração dos metalúrgicos do ABC era filha do “milagre econômico”. Em dez anos sua vida mudou radicalmente, como o próprio Lula admite. Os comícios da Vila Euclides só aconteceram quando a crise econômica se impôs e abortou os sonhos de ascensão continuada. Sua vida estava melhor do que dez anos atrás; mas pior que no ano anterior.
No século 21, o fenômeno da inclusão ocorreu, nos emergentes, com a ascensão social das classes D e E; nos países centrais com o fluxos migratórios; em todos eles, incluindo Oriente Médio e outras regiões, no rastro da implosão dos sistemas convencionais de controle da informação (por governos ou grupos de mídia), com o advento das redes sociais.
No caso brasileiro, sobre esse caldeirão fumegante veio o circo de horrores da Lava Jato, pela primeira vez expondo em sua plenitude as vísceras dos sistemas de financiamento de campanha e da corrupção política, o presidencialismo de coalisão em estado de putrefação. E, na sequencia, as restrições de uma política fiscal dura, enfiada a seco goela abaixo do eleitor, para corrigir os excessos do período anterior.
E aí tem-se o terreno adubado para aparecer a Besta, o sentimento irracional e generalizado que comanda as grandes manifestações de massa, sem liderança, sem controle, tendo em comum apenas o ódio contra qualquer alvo móvel, o afloramento de insatisfações pessoais, profissionais, políticas de cada um, embora comportando-se como massa.
Nessa geleia geral, cabe de tudo, da classe média séria, cumpridora dos seus deveres, à malandragem mais ostensiva, dos cidadãos desinformados aos direitistas mais empedernidos.
Mas há pontos em comum que definem a natureza dessas explosões.
A explosão é fruto do isolamento trazido pela falta de rumo. Sem os partidos e instituições como agentes agregadores, a massa procura formas mais primárias de coesão, na antipolítica.
Uma dessas formas são os ataques aos “diferentes”, sejam ímpios que professem outro partido ou minorias. É o princípio ancestral do bode expiatório e dos grandes linchamentos dos quais nem Cristo escapou.
Outro é a ânsia por “ordem”, qualquer coisa que mostre um rumo, que organize os fatos, que enquadre essa desordem difusa. Pode ser uma mensagem forte de esperança, ou um estímulo adicional à intolerância.
Mesmo assim, não se reduzam as manifestações a manobras conspiratórias ou planejadas. Existem, sim, mas dentro de um espectro muito maior e menos controlável.
O fenômeno do parasitismo político
Na biologia estuda-se o fenômeno do parasitismo. Segundo a definição, parasitas são organismos que vivem em associação com outro, dos quais retiram os meios para a sua sobrevivência, normalmente prejudicando o organismo hospedeiro.
Na política, o parasitismo é similar. Em cima do sentimento maior pululam as manobras oportunistas, de grupos parasitários.
Um deles são os grupos de mídia, que atuaram como agentes estimuladores das tendências de revolta. Ontem, na Paulista, um dos poucos slogans que não era anti-Dilma foi o conhecido “o povo não é bobo, abaixo a rede Globo”.
Outros, políticos querendo tirar sua casquinha. Bolsonaro foi vaiado, Martha Suplicy execrada por petistas e antipetistas, e FHC, Serra e Aécio – que já conhecem a Besta desde o governo tucano – preferiram colocar lenha na fogueira e prudentemente ficar longe do fogaréu.
Um terceiro grupo são malandros de toda espécie vendendo camisetas, ou vendendo apoio a golpistas etc.
Em junho de 2013, quem quis tirar casquinha, levou na cabeça. Nenhum grupo parasita logrou cavalgar a Besta.
O que acontece quando a Besta aparece
Quando a Besta sai às ruas, não bastam mais os mecanismos convencionais de prevenção de crise. É uma boiada estourando, sem comando, com uma corrida dos grupos oportunistas para tentar cavalgar o boi guia.
Esses estouros de boiada podem levar a um Hitler, a um Berlusconi ou a um Roosevelt, dependendo de quem conseguir dirigir os instintos da boiada. A mensagem unificadora pode ser um discurso de esperança e solidariedade; ou o exercício da intolerância e da busca do inimigo para ser liquidado.
Quando se tem uma imprensa irresponsável, uma oposição rasa, pensando apenas em seus interesses comerciais e políticos, e um governo medíocre, é mais combustível na fogueira da intolerância.
Mesmo para um governo mais ativo, o desafio seria enorme, conforme atestam os exemplos históricos. Dilma montou em um burro xucro que já derrubou políticos bem mais experientes. E nem sei se Lula saberia cavalga-lo com sucesso.
Mas a situação se agrava quando se ignoram os sinais. Os trabalhos preventivos são eficazes antes da Besta acordar. Depois, que Deus nos ajude e o Diabo não atrapalhe.
Por isso mesmo, as manifestações de junho de 2013 foram um presente para o governo Dilma e o PT, uma sinalização para começar a agir e reduzir os pontos de desgaste.
Nada foi feito. Demorou muito para entenderem o fenômeno e até hoje não aprenderam como tratá-lo. Ambos – partido e Dilma – decidiram recorrer a truques do estoque político tradicional – criar o factoide da Constituição exclusiva para desviar a atenção da mídia, esperando com isso desviar o assunto. Ou, como fez José Eduardo Cardozo ontem, o discurso convencional sobre a democracia, a tolerância. Vale para o dia da malhação de Judas. Mas e a estratégia maior para o dia seguinte?
Apesar dos alertas altissonantes das manifestações de junho de 2013, das provas claras de que a Besta estava solta, que o país ingressava em novo tempo político, não se mudou em nada o estilo de governo, não se abriu nem o Estado nem o partido às demandas dos novos grupos ou à participação da sociedade civil, não se buscou a participação dos diversos setores sociais e econômicos na definição das políticas públicas.
Pelo contrário, Dilma radicalizou ainda mais seu voluntarismo de baixo discernimento até o limite da crise fiscal e social. E, quando veio a Lava Jato, deixou que o tema fosse cavalgado pela mídia montada em vazamentos seletivos.
Alguém comparou ao ato de tirar doce de criança. Errado. As crianças reagem, nem que seja chorando.
O cenário futuro
O que se tem agora são os seguintes personagens e/ou eventos.
O efeito das manifestações
Manifestações duram um dia, deixam ecos e podem se repetir. Mas não comandam a política.
Só surtem efeito quando os governantes perdem totalmente a condição de governabilidade. Aí servem de álibi para o jogo político, como ocorreu com Fernando Collor. Quem o derrubou não foram os “caras pintadas”. Foi sua falta de jogo de cintura para atender às demandas dos políticos e dos grupos de mídia.
As manifestações não levarão ao impeachment de Dilma, a não ser que continue a errar reiteradamente – aliás, não é impossível.
O poder do eleitor só se manifesta no período eleitoral.
Nesse sentido, as manifestações marcam o fim do ciclo petista no poder. Dificilmente o partido – e o governo Dilma – se recuperarão até 2018, menos ainda até 2016.
O próximo período
Quem comandará o próximo período?
O PSDB virou um grupelho radical. Internamente, em vez de levantar novos nomes, intelectuais, políticos com pensamento renovado, limitou-se a ir a reboque da mídia e da Besta. Com isso passou a ter a cara disforme do senador Aloyzio Nunes, com um ódio tão visceral de dar engulhos, pelo primarismo e pela violência. É ele, Serra, FHC, Aécio que representarão o novo almejado pelas multidões?
Nesse lusco-fusco político, qualquer aposta é temerária. Em 1989 emergiu Fernando Collor, cavalgando as ideias de Margareth Tachter e do sentimento anti-Brasilia, correndo ao largo dos partidos políticos e do próprio sistema Globo – que só aderiu à sua candidatura quando percebeu que os candidatos preferenciais, Mário Covas e Guilherme Afif, estavam fora do páreo.
E agora?
As estratégias até 2018
O grande desafio de Dilma será levar o país inteiro até 2018. Será a maior contribuição que seu governo poderá dar ao sistema democrático e ao projeto que ela em tese representa.
As frentes de batalha serão as seguintes:
1. Recompor a base de apoio político. Aparentemente começou a trabalhar com um conselho mais profissional.
2. Recompor sua base de apoio social. Só conseguirá isso se der um corte radical no seu estilo de governo e abrir-se para as demandas sociais e econômicas, revigorando os conselhos empresariais e sociais. Tudo isso amparada em uma estratégia de comunicação
3. Redefinir os eixos do desenvolvimento. No Ministério Dilma há um Ministro com visão mais ampla de desenvolvimento: Nelson Barbosa. A nova base política exigirá um Ministério novo. Dilma deveria aproveitar para juntar a visão sistêmica de Barbosa com a imaginação luxuriante de Roberto Mangabeira Unger, e definir linhas centrais de atuação de cada Ministério, para uma ação minimamente articulada.
O desafio de Dilma será se preparar para 2016. 2015 está morto, será o ano de juntar os cacos. Dependendo do trabalho que for feito, poderá se reabilitar em parte no próximo ano. Ou afundar de vez.