Antes de qualquer coisa, obrigado a todos os meus amigos e amigas da blogosfera.
O blog continua precisando de sua assinatura ou colaboração, mas a campanha para arrecadar os fundos necessários para pagar a “indenização” a Ali Kamel atingiu a meta com folga.
Além das doações específicas para a campanha, o número de assinantes do Cafezinho passou de 500 para 700, um crescimento de 40% em duas semanas.
Agradeço especialmente a Leandro Fortes, Renato Rovai, Altamiro Borges, Paulo Nogueira, Fernando Brito, que escreveram textos de apoio e, com isso, me ajudaram de maneira extraordinária a enfrentar as sacripantices do nosso judiciário.
Agradeço, naturalmente, a todos os blogueiros e aos centenas, quiçá milhares de leitores que enviaram mensagens e contribuíram de alguma forma.
Agradeço também a Jandira Feghali, a deputada federal que mais defende a causa da liberdade de expressão para os meios alternativos no Congresso Nacional.
Os caciques do PMDB vivem falando em defesa da liberdade de informação, imprensa e expressão, mas aparentemente essa defesa vale só para os grandes meios, herdeiros da ditadura.
Um especial obrigado, por fim, a Wadih Damous, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, que sempre nos apoiou; e ao idealizador do Brasil 247, Leonardo Attuch, que também colaborou insistentemente para denunciar uma condenação injusta e desproporcional.
A direita brasileira pode dar quantos golpes quiser, pode manipular a opinião pública, pode influenciar juízes através de intimidação ou bajulação, conspirar com setores do Ministério Público e núcleos de oposição encrustados dentro da Polícia Federal.
Nada disso anulará a nossa maior vitória.
A emergência de um núcleo duro de opinião crítica à mídia é uma grande conquista democrática.
A gente fica triste com tudo que está acontecendo, porque nos envolvemos emocionalmente com a questão política.
Alegramo-nos com as notícias boas sobre o Brasil e nos deprimimos com as negativas, ao contrário dos cínicos da mídia, que noticiam desgraças com um sorrisinho malvado no canto da boca e divulgam fatos bons com olhar morto e constrangido.
Tristes, porém detentores de uma dignidade irredutível, como se tivéssemos sido, enfim, imunizados contra a pior doença que pode acometer um cidadão: tornar-se um idiota midiático, um otário manipulado facilmente pelas patranhas dos setores mais corruptos e mais cínicos da nossa sociedade.
Amanhã eu escrevo sobre a estranha (ou não tão estranha assim, visto que tucano é uma espécie inimputável) generosidade do PGR para com Aécio Neves. E também sobre a aprovação da Pec da Bengala, esse nada pequeno golpe contra a nossa democracia.
Dito isto, permitam-me prosseguir o post na forma de uma crônica um pouco maluca, que é o que posso lhes oferecer hoje.
Estou aqui, em M., interior de Minas Gerais, coração da região cafeeira, uma cidadezinha de 14 mil habitantes, feia como o diabo, mas um pedacinho importante do meu Brasil querido, cheio de gente honesta e trabalhadora.
Cheguei hoje pela manhã, após sete horas sentado ao lado de um pequeno empresário do ramo de exportação, que passou a viagem toda, enquanto dirigia, tentando me converter ao espiritismo de Alan Kardec.
Para isso me serviram as leituras de Faulkner. Me divirto em qualquer situação, e dei corda ao entusiasmo espiritual do meu colega; sentindo alívio, de qualquer forma, por ele não falar nada de política.
É um cara muito gente boa, mas suas fontes de informação o colocam, necessariamente, no pólo contrário ao meu (minha previsão estaria certa, conforme constatei um pouco mais tarde).
Vim entrevistar um senhor que é quase dono da cidade, um empresário com negócios no setor de café, supermercado, universidade, água mineral e laticínios.
Não esperava isso, mas foi o empresário que, ao longo da entrevista, elogiou o presente governo pela prioridade que dá ao social.
Esse é o tipo de trabalho que faço por prazer, para conhecer um pouquinho a mais do Brasil, apesar desse tipo de risco: passar sete horas ouvindo sobre espiritismo, e dando graças a Deus que o interlocutor não prefere falar de política.
Espero que, na volta, ele passe as mesmas sete horas falando de Kardec…
Nem tive tempo de descansar muito em casa. Na quarta-feira à noite, comprei um leito na rodoviária Tietê, na companhia Expresso Brasileiro, que elogio aqui de público por ter uma excelente internet interna, que me permitiu assistir mais alguns episódios da temporada 3 de House of Cards.
Cheguei às 5 da manhã no Rio, lavei uma louça que havia deixado suja dias antes, antes de ir à São Paulo, arrumei um pouco a casa (conto isso pelo orgulho de me diferenciar do perfil aristocrático, ancien regime, de nossos colunistas de jornal, que devem ter uma empregada até para lhe servir um copo d’água), e esperei o meu colega espírita me pegar na porta do prédio.
Uma informação para os trolls que adoram entrar aqui para me chamar de “fracassado”: houve um tempo em que fui o principal jornalista especializado em café do Brasil, e um dos principais do mundo.
Além de editar a principal newsletter do setor, no Brasil, escrevia diariamente em português e inglês para um site norte-americano, que me pagava em dólar.
Larguei tudo, por incrível que pareça, para escrever sobre política. Não queria passar o resto da minha vida escrevendo sobre café.
O café me ajudou a conhecer o Brasil, porque me fez viajar muito, entrevistar pequenos e grandes produtores, agrônomos, exportadores, etc. Mais importante: salvou-me de um vício comum àqueles que enveredam pela literatura política, que é conviver apenas com aqueles com os quais você tem afinidade ideológica.
Passei anos escrevendo para gente que, em sua maioria, tinha opiniões e origens totalmente diversas da minha, o que me ajudou a desenvolver uma linguagem mais cuidadosa (uma qualidade que, receio eu, tenho perdido nos últimos anos).
Como eu dizia, eu estava em São Paulo.
Cheguei na grande capital no sábado pela manhã, também via ônibus. Passei no hotel, tomei um banho e peguei um táxi para a sede do Barão de Itararé, onde tínhamos algumas reuniões políticas, pela manhã e pela tarde.
Pela manhã, havia uma análise de conjuntura, com uma secretária de comunicação da CUT, Rosane Bertotti, Laurindo Leal Filho, acadêmico da área de comunicação, além do presidente do Barão de Itararé, Miro Borges, e a provável herdeira do cargo, Renata Mielli.
Uma análise pesada, até mesmo pessimista, pontuada por intervenções duras dos participantes, contra os silêncios e covardias do governo, sobretudo quando se trata do que, em esferas crescentes do movimento social, se considera a batalha primordial: a política de comunicação.
Um dos blogueiros participantes, mais tarde, num bar da praça Roosevelt, resumiu um pensamento quase consensual: “tenho a sensação de que não temos presidente”.
Assim como os antigos diziam, em meios aos tormentos de eras passadas, que “sempre nos restará Paris”, hoje podemos afirmar que ao menos nos deixaram a cerveja e o bom humor.
Esses bens a mídia não conseguirá nos roubar tão fácil.
Depois de horas de debate pesado sobre as nuvens escuras que cobrem a política brasileira, com a oposição conservadora e as corporações de mídia avançando sobre a opinião pública de maneira rápida e assustadora, um punhado de blogueiros foram beber cerveja e rir da própria desgraça num barzinho em São Paulo.
Então prorroguei por uns dias minha estadia na grande capital.
O primeiro dia por preguiça e problemas intestinais. O segundo dia para participar de um encontro do ministro da Cultura, Juca Ferreira, com produtores de mídia livre e blogueiros.
Juca exerce a sua segunda gestão num momento bem diferente da primeira, quando, conforme suas próprias palavras, ainda era tratado como um “ursinho de pelúcia”, em função de sua pouca identificação, à época, com o PT e com a esquerda em geral.
Hoje as pessoas, e a mídia em particular, conhecem a sua trajetória. Sabem que ele tem lado, e que foi uma das figuras estratégicas para a vitória de Dilma no segundo turno. Juca Ferreira ajudou a incendiar a campanha eleitoral, agregando agentes politizados das periferias, e juntando os rebanhos desgarrados da esquerda cultural.
Ferreira teceu críticas pesadas à Lei Rouanet, para ele uma excrescência neoliberal (os termos são meus, Juca usou palavras mais suaves), até mesmo inconstitucional, na medida em que permite às empresas complementarem seu marketing privado usando verba pública.
Ele disse que há estudos mostrando que as empresas que participam da Lei Rouanet reduzem os recursos destinados ao marketing, porque consideram a lei uma maneira eficiente de venderem sua marca.
Juca contou que um inglês que participou de um debate com ele sobre a lei, após ler – estarrecido – o texto com seus regulamentos, disse que uma lei similar jamais seria possível na Inglaterra, porque lá não se admitiria repassar recursos públicos para empresas privadas usarem em marketing.
Na minha intervenção, eu abordei o problema da cultura e da mídia, em como o debate cultural brasileiro se mantém refém de uma mídia altamente concentrada. Cinema, literatura, artes plásticas, a falta de mais pluralidade em nossos meios de comunicação de massa, prejudica a diversidade e, com isso, mina a própria qualidade da produção cultural e artística nacional.
Claro que as mídias alternativas e o meio digital abriram muitas brechas, mas quando se trata de um debate a nível nacional, que reúna virtualmente a sociedade inteira em torno de alguns conceitos e valores em comum, ainda ficamos refém dos mesmos grupos de comunicação que apoiaram a ditadura e tentam, diuturnamente, interferir nas decisões soberanas da população.
Todo país enfrenta problemas similares, mas a concentração no Brasil me parece uma das mais alarmantes de todo o mundo democrático.
Ivana Bentes, da secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural do MinC, lembrou que o ministério vem procurando compensar através de ações em rede, em parcerias com a sociedade civil, a carência de recursos humanos e financeiros. Ela informou que o Minc iniciou uma série de reuniões com o Ministério da Comunicação, para estabelecer uma ponte entre as políticas de cultura e comunicação, a partir do entendimento de que uma não pode viver mais sem a outra.
Francisco Bosco, novo presidente da Funarte, também fez uma intervenção, mas o post ficou longo demais e encerro por aqui.
Tenho de ir jantar e tomar umas cervejas com meus novos amigos de M.