A delação e o retorno ao medievo


 

Um querido leitor me enviou um texto e uma conversação em sua rede de debates, sobre essa estranha situação. Em plena era da alta tecnologia, quando há métodos eficazes para rastrear crimes financeiros, porque as autoridades passaram a priorizar o instrumento de investigação mais primitivo de todos, a delação?

Ele questiona: “Ou seja, estamos retornando historicamente para o período medieval das Inquisições, época em que a ‘confissão era a rainha das provas’.”

O leitor também questiona outra tática eticamente bizarra usada pelo MP e Judiciário, de manter o juízo numa eterna suspensão, criando novas fases, dividindo em “fatias”, como que postergando ao máximo o momento de tomada de decisão, e cumprindo um objetivo político, de fornecer conteúdo à mídia por um período de tempo acordado previamente.

Segue o texto. Removi os nomes porque não tive tempo de confirmar sua autorização para publicar sua mensagem.

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A volta para a inquisição

Por Leitor do Cafezinho, via Messenger, Facebook.

Miguel, sobre o conteúdo da nota do MPF insinuando conflito ou inconveniência da iniciativa da AGU em dialogar sobre acordo de leniência com empresas da Lava a Jato, ao argumento de que prejudicaria o andamento das investigações.

No debate interno da rede, chamei atenção para a tática de manter em suspensão o juízo sobre os fatos que nunca cessam de ser apurados, sempre renovando fases, mesmo que seja repetição recorrência de testemunha… A suspensão de juízo leva à imobilização, porque impede a formação do juízo conclusivo que possibilita a ação.

Também levantei uma questão importante: os crimes que envolvem a circulação de dinheiro quase sempre passam pelo sistema financeiro internacional. Deixam rastros, endereços, dados e informações abundantes. Além do que é crime de continuação (não instantâneo), dura no tempo e percorre espaços, deixando rastros por onde passa. Os crimes de colarinho branco dependem muito pouco de testemunhos pessoais para serem esclarecidos. É grande a abundância de provas materiais, acessíveis por instrumentos tecnológicos de leitura de mídia virtual.

Esses fatores que apontam para a nova realidade do trabalho policial científico, baseado em TI, de rastreamento e de perícia. O testemunho é uma coisa arcaica e praticamente inútil neste mundo de intenso grampeamento e ‘encameramento’.

Então, por que o MPF está valorizando tanto a prova testemunhal, a confissão? Apenas para manter a expecativa imobilizadora de uns e a esperança energizante de outros?

Pensa nisso.

http://bit.ly/1Bzb3nO

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Leitor 2:  O nosso acordo de leniência não tem a amplitude que o similar norte-americano, por isso as empresas relutam fechar, posto que os efeitos é restrito às empresas (valor a ressarcir, multa, continuidade de prestação de serviços), mas para tanto tem que confessar irregularidade não provada na justiça criminal, como por exemplo, o valor de R$ 330 milhões postulados a titulo de superfaturamento pelo MPT não esta provado, constitui a estimativa do TCU e da AGU, que as empresas contestam e não há uma decisão definitiva. As empresas relutam se vale a pena confessar ou enfrentar a acusação de pagamento de “comissão”, rotulando-os de extorsão e não pagamento para obtenção de vantagem.

Leitor 1
Meus amigos, não sejamos hipócritas ou ingênuos. O objetivo da Lava a Jato é variado e permanente: primeiro, era o de influenciar o comportamento eleitoral de 2014 com base na exploração de sentimentos morais de repulsa à esquerda. Frustrado o objetivo, agora tem o fim de possibilitar ao juiz Moro e sua competente equipe antipetista (MPF, PF, Serviço Secreto, Peritos, etc) encontrar provas para ‘criminalizar’ o PT e a suas lideranças (principalmente Dilma – para o impítimam – Lula, para a inelegibilidade e Dirceu, para livramento da culpa de tê-lo condenado sem provas no Mensalão). Enquanto faz essa busca, sem limites, sem barreiras e sem qualquer obstáculo, a Operação mantém a expectativa infindável que paralisa as ações (até a formação do governo foi dificultada), agora, até a oposição está aquietada. Não apenas os partidos ficam ‘amarrados’, mas toda a sociedade é mantida em compasso de espera. Só agora, a sociedade civil organizada começa a perceber o efeito perverso dessa tática e começa a reagir e produzir reuniões e manifestos, se preparando para a ação.

Todo discurso que vem da equipe Operacional, tem que ser lido por esse viés. Estão atrás de provas e já esgotaram a busca das provas materiais, documentais, periciais, etc. O que há, então, só a prova testemunhal dentro de um regime de delação premiada. Ou seja, estamos retornando historicamente para o período medieval das Inquisições, época em que a ‘confissão era a rainha das provas’.

Antes do advento da sociedade avançada da tecnologia da informação, isto era mesmo necessário, por falta de recursos técnicos e tecnológicos na área da circulação de informações. Aí, o método excelente era a tortura. O inquisitor tinha que arrancar do réu a confissão e, para tanto, tudo valia, principalmente o uso da violência moral e física.

Mas, neste mundo informatizado, em que tudo que acontece na vida da pessoa é captado por câmaras, microfones, escâneres, documentos; e tudo circula por redes para ficar, finalmente, alojado em algum banco dados gravado em disco rígido, testemunho e confissão são provas que se tornaram secundárias, de pouco uso e eficácia, tamanha as limitações éticas que cercam o comportamento do homem, principalmente no uso da sua palavra.

Como todo mundo sabe, é impossível a circulação e o uso de dinheiro em grande escala se não for por mídia de baite. A mídia de papel é coisa de pobre. Se existissem rastros ou provas nas redes de computadores do mundo inteiro, Obama já as teria visto e entregue a quem foi busca-las.

O resto é conversa duvidosa, talvez gosto por luzes e calor de holofote. Ou, quem sabe, um desejo de golpismo que não quer sossegar?

Matéria da Folha, referência para o texto acima:
Governo deveria se preocupar mais com as consequências da corrupção, diz MPF.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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