Não é que sirva de consolo, mas ajuda a nos dar uma referência e, sobretudo, a não tirarmos falsas conclusões do escândalo de corrupção na Petrobrás.
Em meados de 2011, dois jornalistas americanos lançaram um livro que abalou a política do Alaska.
Até meados dos anos 90, o Alaska era o principal estado produtor de petróleo nos EUA.
Hoje as suas reservas e sua produção foram ultrapassadas por Texas, Dakota do Norte e o Golfo do México.
O livro, intitulado Crude Awakening, denuncia décadas de relação promíscua e corrupta entre as grandes empresas de petróleo atuantes no Alaska e a elite política local.
As companhias pagavam propinas milionárias a parlamentares, além de contribuições de campanha, para que estes lhes assegurassem impostos baixos e propusessem projetos de infra-estrutura que lhes beneficiassem.
O exemplo me parece adequado para nos alertar sobre o esforço de nossa mídia em associar a corrupção na Petrobrás ao fato dela ser uma estatal.
O petróleo era explorado no Alaska por companhias privadas, e havia corrupção do mesmo jeito. Com uma diferença: as petroleiras pagavam pouco imposto, enquanto a nossa Petrobrás é a maior pagadora de impostos do Brasil.
Na verdade, a indústria de petróleo, segundo a ONG Transparency International, ganhou a medalha de setor mais corrupto do mundo.
Há explicação para isso, naturalmente. O setor de petróleo é o que envolve mais riscos, mais perigos, mais guerras, mais dinheiro, mais especulação, mais geopolítica.
Ao mesmo tempo, é o setor estrategicamente mais importante do planeta, porque ligado àquela que ainda é, e continuará sendo por décadas, a principal fonte de energia para transportes e indústria.
É um jogo bruto, num mundo sombrio.
A queda nos preços do petróleo tem sido atribuída, em diversas reportagens, como esta publicada ontem pelo NY Times, a uma operação da Arábia Saudita para forçar a Rússia e Irã a não mais ajudarem a Síria.
O que a mídia americana, a mais governista do mundo, não fala, é que os EUA também devem estar por trás da estratégia, porque o petróleo barato impulsiona a economia americana, de um lado, e enfraquece todos os seus principais inimigos políticos: Rússia, Irã e Venezuela.
A monarquia saudita tem reservas de US$ 733 bilhões e aguentaria uns cinco anos de preços baixos. Além disso, os sauditas, com luxuoso auxílio do Tio Sam, tornaram-se exímios operadores em bolsa, e seguramente compensam as perdas no preço do barril através de ações especulativas. Por exemplo, ficam “vendidos” em ações de Petrobrás, e ganham bilhões quando as cotações da estatal caem na bolsa de NY.
A queda no preço das ações da Petrobrás se deve a uma conjuntura negativa.
A estatal vive uma situação delicada, em virtude, paradoxalmente, de uma coisa boa. A Petrobrás descobriu o pré-sal num momento em que o mundo vivia um problema grave de liquidez, e por isso teve dificuldades para alavancar dinheiro para iniciar os trabalhos de exploração nos novos campos.
Com a “revolução do xisto”, um petróleo disperso em meios às rochas, cuja exploração se tornou viável apenas recentemente, em função de novas tecnologias, os EUA de repente voltaram a ser grandes produtores, em especial o estado do Texas.
Aliás: a Petrobrás está posicionada estrategicamente bem no coração do Texas, com a refinaria de Pasadena, tão maltratada pela mídia, pela Graça e por Dilma, mas que, em virtude do xisto tornou-se um dos ativos internacionais mais promissores da empresa.
Ou seja, não há perspectiva de déficit de petróleo para os EUA pelo menos até 2035. Ao contrário, o país deverá se tornar exportador de gás e petróleo a partir de 2019, segundo estudos da BP e da Agência Internacional de Petróleo (IEA).
Essa conjuntura não oferece um cenário favorável a preços altos para o petróleo, o que é bom para o mundo, porque ajuda a baixar o custo de vida em todo o planeta, incluindo o Brasil, mas prejudica países dependentes da exportação de petróleo – o que não é o nosso caso.
Entretanto, os já citados estudos também apontam para um crescimento contínuo do consumo de petróleo e gás, durante as próximas décadas, impulsionado sobretudo pelos mercados emergentes, em especial Índia e China, onde a quantidade de veículos per capita ainda deve crescer de maneira extraordinária.
Em tese, para a Petrobrás e o Brasil, o mercado de petróleo é lucrativo na alta ou na baixa, por causa do monopólio virtual sobre a produção e a distribuição. Se o preço está baixo, a Petrobrás ganha no refino e na distribuição. Se está alto, ganha na produção.
O problema é que a Petrobrás encontra-se num momento delicado de investimento em exploração.
A necessidade de investir obrigou a Petrobrás a se endividar.
Ela se endividou para poder investir nas novas plataformas de exploração no pré-sal.
Aí quando a cotação do petróleo começou a cair, foi como uma puxada de tapete.
A nossa sorte é que o pior já passou. Já temos plataformas instaladas suficientes para iniciarmos um processo crescente de produção nas áreas do pré-sal. Se essa crise viesse dois ou três anos atrás, as coisas seriam bem mais difíceis.
A partir do momento que a produção do pré-sal aumentar, como já está acontecendo, o caixa da Petrobrás sentirá um grande alívio financeiro, porque vai reduzir a sua dependência de capital externo.
De qualquer forma, a Petrobrás, após ser vítima de ladrões dentro e fora dela, agora é atacada de maneira igualmente injusta por uma mídia absolutamente partidária.
Os números da Petrobrás são ótimos. Recorde em cima de recorde. Nunca uma petroleira conseguiu extrair tanto petróleo de novas reservas em tão pouco tempo.
Segundo o último boletim da ANP, a produção de petróleo no Brasil, em dezembro de 2014, alcançou 2,49 milhões de barris/dia, alta de 18% sobre igual mês de 2013 e crescimento de 6% sobre mês anterior.
A produção de gás natural disparou quase 17% em dezembro, na comparação com o ano anterior, e 4%, sobre o mês anterior.
Nos últimos anos, a Petrobrás aumentou suas reservas, sua produção, seu refino, construiu as plataformas mais modernas do mundo, financiou o ressurgimento da indústria naval.
Não foi à tôa que, apenas este ano, a Petrobrás ultrapassou a Exxon e se tornou a maior produtora de petróleo do mundo, entre empresas com papeis negociados na bolsa, e ganhou o maior prêmio mundial do setor de offshore.
Graça Foster, a agora ex-presidente da Petrobrás, por sua vez, ganhou, também este ano, o principal prêmio mundial concedido a engenheiros do setor.
Todos os estudos sinalizam que o petróleo continuará sendo um insumo vital para o planeta até pelo menos meados de 2050.
Há uma tendência crescente e saudável por combustíveis menos poluentes, que fará com que não apenas a posição das energias limpas aumente substancialmente, como os novos motores sejam mais econômicos e eficientes (rodando mais quilômetros com menos gasolina).
Mas o petróleo ainda será dominante por um bom tempo, e espera-se um aumento vigoroso da demanda, por causa dos mercados emergentes.
Segundo o boletim mais recente da Agência Internacional do Petróleo (IEA), o equilíbrio entre oferta e demanda, folgado hoje, voltará a ficar apertado até o fim do ano, o que poderá contribuir para a melhora dos preços do petróleo.
O Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, edição de 2014, informa que as reservas mundiais de petróleo, provadas, estão em 1,69 trilhão de barris, sendo que os países membros da OPEP detêm 72% delas.
Acho importante a gente conhecer a situação dos principais países do setor (em produção ou consumo). Então preparei um quadro com os números da ANP:
A lista de países nos causa um frisson geopolítico…
Conclusões:
1) A queda nas cotações do petróleo, ao contrário do que prega a mídia brasileira, comprova a importância de manter a Petrobrás no comando de ambos os lados do balcão: na produção e na distribuição, porque assim ela pode ganhar na alta ou na baixa – e continuar sendo a maior pagadora de impostos do país (à diferença da mídia, que sonega).
2) Nossas reservas, em verdade, mesmo com o pré-sal, não são grande coisa, então deveriam ser guardadas apenas para o consumo doméstico. O mundo pode pegar fogo lá fora, as cotações podem explodir ou derreter, que manteremos uma tranquila autonomia em petróleo.
3) Por isso é tão importante também construir refinarias, outro fator de soberania e segurança econômica.
4) A corrupção tem de ser combatida, com transparência, investigação e implementação de um sistema de governança mais rígido. Não é preciso nenhuma pirotecnia midiática, nenhuma privatização, nenhuma “abertura”. A Petrobrás tem de aguentar o tranco, com firmeza.
*
Não comentei nada sobre esse novo terrorismo da mídia e das redes, sobre “impeachment” da Dilma, porque esse papo não me engana mais.
O terceiro turno já acabou.
Esse terrorismo vulgar parece, em verdade, apenas estupidez da oposição, por um lado, e oportunismo da ala direita do governismo, de outro, porque, de certa maneira, blinda o governo contra críticas crescentes da esquerda.
Afinal, quem vai criticar um governo que está sendo ameaçado de golpe?
Se o Congresso botar em votação o impeachment da presidenta, não será militância petista que irá para a rua, e sim o povão, e isso é deveras perigoso.
A Dilma apanha da esquerda que nem gente grande, mas é nossa. A gente tem o direito de criticá-la quanto quiser. Mas se tocarem na democracia, aí é guerra!
Não vejo, por isso mesmo, clima nenhum para golpe.
Além do mais, quem vai substituir Dilma? Michel Temer? Cunha? Aécio? Ora, não está todo mundo envolvido com a corrupção da Petrobrás, ou qualquer outro escândalo?
Será um congresso completamente desprestigiado que irá votar o impeachment da presidenta?
Impeachment não é palhaçada.
Se forem derrubar Dilma porque alguém roubou, sem o seu conhecimento, então não sobraria mais um prefeito para contar história.
Seria a mesma coisa que deportar o vovô pra Indonésia porque o netinho fumou maconha no colégio…
O primeiro a rodar, por exemplo, seria Geraldo Alckmin, governador de São Paulo.
Os problemas da Petrobrás não afetam diretamente a vida de ninguém. Pelo contrário, a Petrobrás continua pagando impostos bilionários e sustentando o Estado brasileiro. E a produção de petróleo e gás bate recorde todo mês.
Já o problema da água, gera prejuízos humanos e econômicos que afetam profundamente a saúde física de milhões de pessoas.
Sem água, doenças se proliferam. Escolas são fechadas. Indústrias interrompem produção. A agricultura sofre. Hospitais sofrem.
Por que FHC não manda o Ives Gandra escrever um parecer sobre o impeachment de Alckmin?