Lendo os artigos de Ricardo Kotscho e Breno Altman, que escreveram sobre as diferenças entre Obama e Dilma, pensei o seguinte.
O mundo é um lugar surpreendente.
Quando menos se esperava, os EUA, que sempre consideramos o berço do neoliberalismo conservador e racista, elegeu um negro, Barack Obama, para a presidência da república.
Houve muitas decepções no primeiro mandato, dentro e, sobretudo, fora dos EUA, mas Obama ao menos conseguiu emplacar uma grande mudança no sistema de saúde pública de seu país.
Nos últimos anos, dezenas de estados americanos liberaram e legalizaram a maconha.
A corte suprema americana decidiu, recentemente, pela manutenção do direito ao aborto.
Neste segundo mandato, Obama parece disposto a apostar na ousadia. Embora sem maioria parlamentar, o presidente dos EUA decidiu:
1) romper décadas de agressão à Cuba, liberando o comércio e o turismo entre os dois países;
2) através de decreto presidencial, legalizar 5 milhões de imigrantes que estavam em situação clandestina;
3) propor uma reforma fiscal para aumentar o imposto sobre os mais ricos, com objetivo de oferecer mais serviços públicos aos mais pobres.
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Obama não está fazendo nada além de cumprir promessas de campanha feitas a seus eleitores. Mesmo assim, é surpreendente.
Mais surpreendente ainda quando comparamos à situação brasileira.
Dilma obteve 54 milhões de votos em 2014, correspondentes a 27% da população brasileira. Obama recebeu 65 milhões de votos, ou 20% da população dos EUA.
Ou seja, a votação de Dilma é mais representativa que a de Obama.
Por que Dilma, então, não oferece nenhum sinal à esquerda?
Por que seu governo se vê acorrentado à escola Levy?
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Em defesa de Dilma, saliente-se que Obama está entrando em seu terceiro ano do segundo mandato.
O segundo mandato de Dilma tem apenas algumas semanas.
Há outra diferença importante.
Os EUA não tem um sistema de comunicação monopolista, reacionário e antinacional, como o brasileiro.
Há grandes jornais e canais de TV que apóiam Obama, como o New York Times e a MSBCN. Esta última, um canal pago de TV, considerada “de esquerda” pelos padrões estadunidenses, já tem mais público que a Fox, o símbolo maior da direita midiática americana.
O canal ABC, líder na TV aberta americana, tem posições historicamente progressistas, segundo a maioria dos analistas políticos americanos.
Nos EUA, existem leis contra o monopólio e a propriedade cruzada na mídia. Canais de tv não podem ter jornais impressos, rádios, como acontece aqui.
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Não se pode atribuir os defeitos do governo Dilma todos à mídia.
Mas agora uma coisa ficou evidente.
A mesma mídia que bate no peito, com orgulho, para dizer que ela é “crítica ao poder”, na verdade quer para si o monopólio dessa crítica.
A mídia quer ser a única a criticar o governo porque ela sabe que a crítica, quando bem feita, influencia fortemente as decisões oficiais.
Que tipo de crítica a mídia quer fazer ao governo?
Certamente, não é a crítica que a maioria da população deseja fazer: elevar os investimentos públicos, aumentar a participação do Estado na economia, enfrentar as grandes reformas (agrária, urbana, política, transportes).
As únicas críticas que a mídia quer fazer ao governo são aquelas que agradam ao 1% mais rico.
Quando o governo toma decisões que favorecem os ricos, como elevar os juros e propor ajustes que afetam os trabalhadores, a mídia aplaude.
O nosso sistema oligopolista de comunicação deixa os cidadãos órfãos de canais de TV e jornais que veiculem, de maneira honesta e enfática, as suas opiniões no debate político.
A internet cresceu muito, mas o governo, e o Estado de maneira geral, ainda não olham suficientemente para a internet.
Quando o fizerem, quando derem mais valor à participação democrática dos cidadãos, e menos atenção à opinião de meia dúzia de barões da mídia, os governos errarão menos e terão mais força e ousadia para propor as políticas públicas avançadas de que o Brasil tanto precisa.
Até lá, ficaremos nessa curiosa posição, de termos, nos EUA, um modelo de esquerda para nosso governo…