As previsões de que o caso Charlie levaria a um crescimento da extrema-direita na França revelaram-se apressadas.
Ao menos por enquanto, isso não aconteceu.
Le Figaro, que representa a direita francesa, publicou nesta segunda-feira uma entrevista com Jérôme Fourquet, diretor de um instituto prestigiado instituto de pesquisa. Forquet disse que “não houve alta no lepenismo após os últimos eventos”. Lepenismo é o termo associado a Marine Len Pen, a principal líder do partido da Frente Nacional, representante da extrema-direita francesa.
Marine Le Pen, presidente da FN, ficou isolada diante dos acontecimentos. No domingo, não participou da marcha em Paris, provavelmente por falta de suporte político local. Marine improvisou uma manifestação de algumas centenas de pessoas, numa cidadezinha onde tem eleitorado cativo. Muito diferente do que aconteceu após os atentados de 1995, em Paris, quando o pai de Marine, o igualmente famigerado Jean-Marie Le Pen, ampliou sua popularidade.
François Hollande, do partido socialista, experimentou uma alta de 21 pontos, passando de 19 % de aprovação em dezembro último, para 40% agora.
Os telenoticiários desta segunda-feira passaram o dia inteiro discutindo esse crescimento da popularidade do presidente da república. Seus discursos, em prol da tolerância, e o cuidado que teve para que não houvesse eclosão de manifestações islamofóbicas, granjearam-lhe forte admiração entre os franceses.
O governo inclusive proibiu uma marcha contra o Islã programada por um grupo de extrema-direita, há poucos dias.
Alguns poderão dizer que não há mais diferença entre direita e esquerda na França. Em momentos de tranquilidade política, ambos os espectros, de fato, são muito parecidos, sobretudo em política econômica. A França precisa seguir os parâmetros macro-econômicos rígidos da União Europeia, onde quem dá as cartas tem sido a Alemanha, governada por Angela Merkel, da centro-direita.
É nas crises, todavia, que as diferenças evidenciam-se.
Duas figuras políticas ocupam hoje um papel central nos debates para contornar a crise provocada pelos atentados recentes.
A ministra da Justiça da França, Christiane Taubira, é uma negra nascida na Guiana Francesa, de origem pobre. Cabe a ela estabelecer parâmetros para evitar que o medo do terrorismo provoque retrocessos políticos no país. Taubira tem sido um dos quadros politicamente mais progressistas do governo Hollande.
A ministra da Educação, Najat Vallaud-Belkacem, é uma marroquina de 37 anos, que obteve cidadania francesa somente aos 18. Seu pai era um operário de construção civil, que imigrou para França no início dos anos 80. Belkacem tem agido como uma competente bombeira contra setores ansiosos da opinião pública, que querem promover mudanças intempestivas nas escolas públicas, sempre com objetivo de elevar a autoridade do Estado sobre as crianças e adolescentes.
O governo francês e o partido socialista, de maneira geral, tem reagido com muita prudência aos atentados.
Claudé Bartolone, presidente da Assembléia Nacional, já afirmou que não haverá, por parte do PS, nenhum apoio a alguma “lei de circunstância”, que explore a comoção nacional.
O exemplo mais citado tem sido a Noruega, que reagiu com muita sabedoria à chacina de jovens de um partido de esquerda, há alguns anos. O governo tomou a decisão de não permitir que a tragédia levasse a qualquer retrocesso ao sistema de liberdades civis e direitos humanos do país.
A direita francesa, por outro lado, já apareceu com incontáveis propostas para “endurecer”, inclusive nas escolas.
Para se ter uma ideia da diferença profunda entre esquerda e direita, atente para o que disse há alguns dias, Nicolas Sarkozy, o ex-presidente francês, presidente do UMP, principal partido de oposição, num discurso para novos filiados ao partido.
Em todas as escolas francesas, os professores pediram um minuto de silêncio em homenagem às vítimas do atentado. Em diversas escolas, sobretudo de periferia, onde há presença maior de famílias islâmicas, algumas crianças e adolescentes reagiram com protestos dentro de sala.
Pois bem, Sarkozy se disse espantado porque os pais de cada uma das crianças que protestaram não foram chamados pela diretoria das escolas.
Trata-se, evidentemente, de uma ideia imbecil, que apenas enfureceria ainda mais as comunidades islâmicas.
Outro nome do UMP, Bruno le Maire, causou constrangimento inclusive junto aos moderados de seu partido, ao afirmar que a França deveria interromper qualquer contato com países árabes.
Mais que imbecil, a afirmação de le Maire é perigosa, ao ir na contra-mão dos anseios da maioria dos franceses e do mundo, que é acalmar os ânimos.
Segundo a maioria dos analistas, Sarkozy ficou “ofuscado” pelos acontecimentos dos últimos dias.
É bom também comparar também a reação do governo aos ataques. A Casa Branca, em seguida aos ataques terroristas de 11 de setembro, fez aprovar uma série de propostas para reduzir as liberdades individuais nos EUA, e os EUA atacaram Afeganistão e Iraque.
O presidente francês preferiu organizar uma marcha de paz, com presença de 50 chefes de Estado, entre eles o presidente da Palestina, M. Abbas. Todos de braços dados, numa mensagem de união pela paz.
Apesar de ter sido manifestamente popular, com presença de quase 4 milhões de pessoas, a marcha foi chamada de hipócrita. Talvez, mas é o caso de usarmos a brilhante máxima de François de La Rochefoucauld, escritor francês do século XVII: “A hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude.”
Se a intenção foi hipócrita, portanto, os resultados foram positivos, ao contribuir para reduzir, no espírito do cidadão médio francês, sentimentos de violência e intolerância.
Naturalmente, esses movimentos ainda precisam se consolidar ao longo do tempo.
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Nos países árabes ou com presença islâmica, por outro lado, aconteceram protestos contra Charlie Hebdo e contra a França.
O discurso sobre liberdade de expressão, democracia, direitos humanos, laicidade, não diz nada em lugares onde esses conceitos praticamente não existem.
Ao contrário, são conceitos politicamente desestabilizadores e subversivos para governos cujo poder se sustenta através de um controle tirânico sobre comportamentos, imprensa e cultura.
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Perdão aos leitores que discordam, mas independente de questões geopolíticas, eu não posso tomar partido em favor de lideranças políticas que defendem a opressão de mulheres, homossexuais e tratam com intolerância pessoas com religião diferente.
Acredito na soberania das nações, e sou contra intervenções militares ou sanções econômicas, que acabam apenas prejudicando os setores mais pobres das populações, e dando mais poder aos governos desses países.
Mas em se tratando de um debate sobre direitos humanos, liberdade de expressão, laicidade e democracia, estou ao lado da França!
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No enterro de um dos cartunistas assassinados, o Charb, seus amigos cantaram a Internacional Socialista, com punhos levantados, e Jean-Luc Melechon, do Partido da Esquerda, a segunda legenda de esquerda mais importante da França, depois do Partido Socialista, fez o discurso principal.