A militância, o PT e a história


 

Pelo jeito, esse será um dos debates mais importantes nas próximas semanas. Ou pelo menos, importante para este blog, apaixonado pelo debate e pela democracia.

Depois de uma eleição desgastante, temos um início de governo ainda mais sofrido.

Mais tarde, darei meus pitacos sobre isso.

Apenas adianto agora que o núcleo de força da democracia jamais estará no governo ou nos partidos, mas na capacidade criativa da sociedade.

Entre o governo, o partido, o Estado, a mídia, que são máquinas, e um indivíduo, um ser humano complexo e sensível: eu sempre escolho o indivíduo.

Por isso, me posiciono ao lado da Isabelle Truda, minha amiga na vida real, citada na polêmica levantada pelo blog Diario do Centro do Mundo, em texto reproduzido abaixo.

Só que não posso me dar ao luxo de abandonar nada. Sou um blogueiro e preciso continuar trabalhando, enfrentando os dilemas cada vez mais difíceis da política e da vida.

Quero continuar acreditando no meu país, no meu povo, e na força da história.

Pode parecer proselitismo, e talvez seja mesmo, mas quem estuda um pouco de história, sabe que a humanidade já enfrentou, e venceu, coisas infinitamente mais terríveis do que uma Katia Abreu no ministério.

Independente dos erros do governo, das arbitrariedades da mídia, das injustiças do Estado, do pragmatismo às vezes obtuso dos partidos, continuaremos aqui, lutando pacientemente na planície.

Nossa luta prosseguirá como sempre foi: fundamentada na pesquisa, no pensamento, no debate, na crítica aos donos do poder, na crítica a nós mesmos, no contraponto às truculências da imprensa familiar.

E lutando sempre de maneira democrática e pacífica.

Querida Isabelle, continuaremos na resistência democrática, sempre. A seu lado e ao lado de todos os militantes que lutam por um país melhor.

Os governos, os partidos, a mídia, nada é maior do que o espírito do tempo, o zeitgeist, que a gente guarda em nosso coração, em nosso cérebro, em nossas mãos.

Este amor pela justiça, que a gente viu nos olhos aflitos e emocionados da militância que comemorou a vitória de Dilma Rousseff, não se extingue jamais.

É uma militância sofrida, vilipendiada pela mídia, por um lado, que a chama de “robôs”, e tratada com indiferença pelos capas pretas dos partidos e autoridades de governo, por outro, embriagados, como sempre, pela loucura do poder.

No entanto, quem duvidará que é nessa militância que reside o último bastião da resistência democrática?

De onde mais virá uma renovação moral da política brasileira senão desta militância, que segue acreditando, firmemente, em políticas de combate à desigualdade, e em reformas que democratizem a cidade, a terra, a educação, a saúde e a cultura, promovendo a felicidade para todo um povo?

Eu ia encerrar minha opinião com uma frase que sempre foi o meu lema, desde as priscas eras da faculdade, durante o pesadelo neoliberal, quando eu editava, pagando do próprio bolso, um tablóide chamado Arte & Política.

A frase é: “A única luta que se perde é a que se abandona!”

Mas lembrei de uma outra, ainda mais profunda, porque nos obriga a considerar a mais importante virtude do momento democrático que vivemos no Brasil.

A frase é do chinês Sun Tsu, em seu clássico A Arte da Guerra:

“Só a paz é revolucionária”.

Feliz Natal para todos!

*

A militância perdeu a paciência com o PT?

Por Paulo Nogueira, no Diario do Centro do Mundo.

Vejo uma mensagem de Isabelle Truda no Facebook. O conteúdo resume o que se passa numa grande parte da chamada “Onda Vermelha”, a militância do PT, depois do anúncio dos 13 novos ministros de Dilma, nesta terça.

Isabelle é uma jovem de 33 anos que mora em Niteroi. Seu texto, abaixo.

“Também estou me despedindo do PT.

Entendo a governabilidade, entendo que às vezes é preciso dar dois passos atrás para dar um pra frente… Caso a Dilma indicasse a Katia Abreu por pressão de sua base aliada, eu até entenderia, mas não. A Katia Abreu não faz parte da real politik. Foi uma escolha pessoal da Dilma e o PMDB, que não a queria, acatou.

Sem contar Cid Gomes, que chegou a afirmar que professores não deveriam trabalhar por salário, mas por amor. Será que o Cid Gomesconseguiria passar uns meses sem seu salário e fizesse política por amor também? Acho que não.

O PT deveria valorizar o que tem de mais precioso, que é a sua militância. Fiz grandes amigos e espero levá-los para sempre em minha vida.

Em breve formalizarei meu pedido de desfiliação e vou petralhar em outras bandas. Foi bom enquanto durou. Beijos, abraços e boas festas a todos!”

O “também” não era gratuito. Outras pessoas tinham postado a mesma coisa no Facebook. O desabafo de Isabelle gerou um debate intenso. Li os comentários, por curiosidade intelectual.

Um líder petista, Valter Pomar, tentou convencer Isabelle a reconsiderar. A melhor opção, segundo Pomar, é tentar mudar o PT “dentro dele”.

Isabelle não pareceu se comover com a argumentação de Pomar. Alguém colocou uma provocação: em breve, Lula dirá que o PT tinha a melhor militância do mundo.

Claro que os decepcionados de agora podem reconsiderar as coisas depois do primeiro impacto negativo. Mas alguma coisa parece estar acontecendo entre militantes do PT como Isabelle. Ao menos, entre os mais jovens. Um limite talvez tenha sido rompido, ou a paciência se tenha esgotado, ou o crédito se tenha consumido.

Não que seja uma epidemia de inconformismo. Principalmente entre os petistas mais velhos, ainda vigora uma grande aceitação pelos desígnios do governo. O blogueiro Eduardo Guimarães é um destes casos. Guimarães defendeu tenazmente no Twitter o governo de Dilma.

E bateu no resto.

“Se a esquerda quer governo puro, só de esquerda, tem que parar de fazer merdas como as Jornadas Patetas de junho, que fortaleceram a direita”, escreveu ele.

Luciana Genro também apanhou.

“Durante a campanha, Luciana Genro atacou religiões em um país em que 90% do povo é religioso. Enquanto a esquerda fizer estas merdas, será fraca.”

Não me lembro de ataque nenhum de Luciana Genro às religiões. Recordo apenas o momento em que ela pediu licença ao Pastor Everaldo para chamá-lo de Everado, mas não é isto o que está em discussão.

Guimarães parecia nervoso.

“Alguém disse que apoio Dilma incondicionalmente. Puta cretinice. Apoio racionalmente. Votei nela faz dois meses e querem que já ataque. Bah!”

As reações opostas de Isabelle Truda e Eduardo Guimarães, ela jovem e ele veterano, podem ser icônicas: a juventude é menos paciente e menos disposta a suportar tudo em nome da “governabilidade”.

É ainda cedo para formular previsões acabadas, mas é possível que 2014 reforce algo que se manifestou nas “Jornadas Patetas” de junho de 2013: a perda do poder de atração do PT entre os jovens de esquerda.

Nos protestos de junho, foi dito chega ao sistema político tal como ele é, o PT incluído. O PT descobriu, ali, que não comandava as ruas.

Dilma só não perdeu a eleição, em 2014, porque os descontentes entenderam que a opção Aécio era muito pior. Mas ao ver um ministério que poderia ser o de Aécio muitos insatisfeitos se lembraram de tudo que os tinha levado a desiludir-se com o PT.

Concretamente, hoje o PT é um partido de centro. Com boa vontade, centro esquerda. O PSDB também se deslocou da área que ocupava, e hoje pertence à direita, ou centro direita.

Há, portanto, um espaço na esquerda, claramente.

Na Espanha, surgiu o Podemos, um partido novo que promete revigorar as causas clássicas da esquerda. E no Brasil, há chances de surgiu um Podemos? Ou melhor: já existe a raiz do Podemos, o PSOL?

Neste momento, final de dezembro, o PSOL está longe de ser o Podemos. Não entusiasma as multidões: seu fascínio é circunscrito a um grupo pequeno, como se viu na votação de Luciana Genro.

Mas este grupo pode crescer – desde que o PSOL consiga mostrar aos desiludidos que é o endereço certo para eles.

Para tanto, o PSOL teria que amadurecer politicamente. Se o PT se deixou tomar por um pragmatismo exacerbado, o PSOL parece dominado por um idealismo ingênuo e, em certos momentos, infantil.

Aristóteles dizia que a virtude está no meio, e talvez esta seja uma boa divisa para o PSOL.

Vai ser fascinante observar, nos próximos meses, os movimentos dentro da esquerda brasileira.

Até onde irá o desgostos de jovens petistas como Isabelle Truda? Para onde eles levarão sua militância política? O PT conseguirá estancar o processo de desgaste que parece se alastrar em sua ala mais jovem e mais progressista?

Dezembro de 2014, com os “13 de Dilma”, traz todas as perguntas acima.

Será divertido observar, nos próximos meses, as respostas a elas.

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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