O direito divino da Globo aos recursos públicos

Na foto, a “imprensa livre”, esteio da democracia.


 

 

Essa matéria da Folha, sobre os recursos federais usados em publicidade oficial, dá vontade de chorar.

De um total de R$ 15,7 bilhões gastos de 2000 a 2013, um terço foi para a Globo.

Um terço!

Some aí o que recebeu Rádio Globo (que capta para a TV Globo), Editora Globo, Globosat, Globo Participações…

Olha que nem contei o Valor, do qual a Globo possui a metade.

E sabe-se lá que outros projetos e empresas a Globo não possui para arrancar dinheiro do governo.

O resto vai para os mesmos de sempre: Abril, Folha, Istoé, Estadão.

Viva a democracia brasileira!

Lá embaixo, no chapéu “órgãos alinhados ao governo”, fica a xepa da feira.

Só dois blogs recebem uns caraminguás da publicidade oficial, e porque são tocados por celebridades oriundas do jornalismo da grande mídia: Luis Nassif e Paulo Henrique Amorim.

A política do governo é provinciana, jacú: só gente com o pedigree da Globo ou Folha pode receber da Secom.

Os valores, diluídos ao longo do período, correspondem, de qualquer forma,  a quantias mensais irrisórias.

A Carta Capital recebeu R$ 44 milhões de 2000 a 2013, uma miséria para uma revista semanal, se diluirmos esse valor para todo o período, e ainda mais se compararmos com o que recebeu a Istoé: R$ 179 milhões.

Depois as pessoas não entendem de onde vem o coxinhismo alucinante que devasta o país.

Depois o PT ainda paga pesquisa para entender porque as pessoas odeiam o partido…

Não vou comentar a ênfase da reportagem no aumento de gastos de 65%, porque isso aí faz parte da hipocrisia da Folha. O aumento tem que ser descontado, obviamente, do crescimento do PIB. O país cresceu nesse período, inclusive a população.

Para despolitizar essa questão, a Folha deveria comparar a evolução dos gastos, no mesmo período, dos governos estaduais, em especial do estado mais rico, o PSDB.

Confira o gráfico abaixo. Volto em seguida.


*

No blog do Fernando Rodrigues, do UOL, há mais informações.

Rodrigues inclui o item “Patrocínio” e chega a um resultado de R$ 5,13 bilhões, gastos pelo governo em 2013.

Publicidade: R$ 2,313 bilhões
Publicidade legal, produção de comerciais: R$ 462,6 milhões.
Patrocínios: R$ 2,363 bilhões
Total: R$ 5,139 bilhões

Como trabalha no UOL, Fernando Rodrigues termina o post com um típico farisaísmo tucano-midiático:

“Com a decisão do STJ que permitiu revelar para onde vai todo esse dinheiro, fica agora mais transparente entender como a administração pública federal usa os recursos públicos para melhorar sua imagem –e também para influir no mercado brasileiro de mídia jornalística.”

Por que farisaísmo tucano-midiático?

Porque Fernando Rodrigues não conclui em cima dos próprios números que apresenta.

A maior parte dos gastos do governo, tanto com publicidade quanto com patrocínio, acabou em mãos da mídia tucana.

Ou seja, a conclusão certa seria “como a administração federal usa os recursos públicos para PIORAR sua imagem – e NÃO influir no mercado brasileiro de mídia jornalística”.

Ou antes, influir sim, mas às avessas: alimentar a mídia inimiga.

A tabela abaixo mostra, por exemplo, que quase dois terços dos gastos em mídia foi para a TV.

Jornal e revista, ultrapassados, recebem muito mais que internet.

Ora, jornal e revista, em virtude das circunstâncias históricas do nosso país, que viveu uma ditadura de 64 a 84, estão quase todos em mãos da direita. Ou pelo menos, as publicações mais consolidadas financeiramente. Pior, a distribuição hoje é inteiramente controlada, via monopólio, pela Abril.

Se o contexto histórico fosse considerado, portanto, como deveria ser, o critério da Secom é criminosamente antidemocrático.

Veja a tabela. Retorno mais uma vez, para uma conclusão final.

Clique na imagem para ver a série histórica desde 2000


 

A conclusão final é triste.

Os governos do PT ampliaram o número de veículos que recebem publicidade, incluindo jornalzinhos e rádios do interior, mas o esquema básico permaneceu o mesmo: a mídia tucana recebe 99%. O resto 1%.

A gestão dos recursos públicos de publicidade pelos governos petistas foi retrógrada, antidemocrática e autodestrutiva.

O interesse da democracia, que é termos uma mídia mais plural, mais voltada para a internet, foi vendido por covardia, preguiça, estupidez, e talvez um cálculo político tacanho e imediatista.

Cadê o projeto de uma mídia pública, autônoma, com financiamento próprio, independente de governos e políticos, espalhada por todos os municípios e estados do Brasil?

Além disso, há várias armadilhas políticas que o governo não teve a competência para entender.

Por exemplo: a Folha lista os veículos “alinhados ao governo”.  Dentro da magnífica hipocrisia que é o pensamento do jornalismo nacional,  esta é uma maneira astuciosa, obviamente, de criminalizá-los.

Na democracia norte-americana, onde vigora uma filosofia jornalística muito mais franca e transparente, os veículos são divididos em democratas, republicanos e independentes. Os grandes quase sempre são alinhados a democratas ou republicanos. O New York Times é democrata. O Washington Post é republicano. Os blogs políticos são todos categorizados. Tem os aliados do Tea Party. Os liberais de direita. Os liberais de esquerda. Ninguém é criminoso.

Aqui, por outro lado, temos esta linda situação, única no mundo. Os veículos “alinhados ao governo” são exatamente os que menos recebem patrocínio ou financiamento do governo.

E por que? Porque a mídia, que tem o monopólio de estabelecer conceitos do que é certo ou errado, inventou e consolidou este maravilhoso conceito: somente a mídia tucana é independente.

A mídia tucana pode tudo. Não há nenhum escrúpulo republicano ou democrático. Os governos de São Paulo contratam milhares de assinaturas da Folha, da Veja, do Estadão, e está tudo bem.

Imagine se o governo federal contratasse, sem licitação, sei lá, 200 assinaturas do Cafezinho?

Ah, a grande mídia produz notícia!

Sim, mas produz notícia porque ganha dinheiro! Isso não é óbvio?

E junto com essas notícias, e mesmo dentro delas, contrabandeiam-se as opiniões, conceitos e narrativas que lhe interessam!

Aí está seu poder!

A mídia tucana jamais é descrita como “alinhada ao governo”, apesar de ser a mídia mais alinhada ao governo que se tem notícia: aos governos tucanos.

No Brasil, o padrão de isenção jornalística é esse: ser tucano e bater no PT.

Cumprindo esses critérios, você está habilitado “moralmente” a receber  quanto dinheiro quiser do governo federal. De qualquer governo.

Enquanto a grande mídia, no maior espetáculo de hipocrisia da Terra, faz alarde contra “blogs sujos, patrocinados pelo governo federal”, os recursos públicos vão integralmente para ela, para a grande mídia: recursos do governo federal, dos governos estaduais, das prefeituras, de toda a parte.

No caso do governo federal, e para a internet, abre-se uma exceção apenas para uma ou outra ex-celebridade da grande mídia, que recebem uns caraminguás.  Conseguem isso por causa das relações construídas no tempo em que trabalhavam na grande mídia, e não porque são blogueiros.

Para cúmulo da injustiça, a grande mídia, no caso da Globo, ainda processa judicialmente os blogueiros, através de seu diretor de jornalismo, tentando asfixiá-los financeiramente e intimidá-los.

Vários blogueiros, eu entre eles, estão sendo processados pela Globo, por um motivo fútil, e tendo que pagar R$ 20, R$ 30, R$ 50 mil reais! Afora os custos com advogados, que às vezes são ainda maiores!

Tá difícil a coisa!

Não se propõe nenhuma política pública mais democrática para a questão da publicidade estatal!

A Globo fica com tudo e ponto final!

Qualquer discussão sobre isso é bolivarianismo!

É ataque à liberdade de imprensa!

Pior, um ataque à liberdade de expressão!

É como se a Globo e os grandalhões tivessem o direito divino à verba pública!

O governo abaixa a cabeça, para variar.

E se fizéssemos o seguinte. E se somássemos o que a Globo e seus amigos ganharam dos governos desde a sua fundação? Em empréstimos amigos, financiamentos subsidiados, anúncio estatal, etc. Teríamos de somar todas as verbas de origem pública: federal, estadual, municipal, e dos outros entes da república: judiciário, ministério público e legislativo.

Quanto daria? Dezenas de bilhões de dólares? Centenas de bilhões? Um trilhão de dólares?

Enquanto isso, os blogs, que em sua imensa maioria nunca receberam um centavo de nenhum governo, são tratados como “blogs sujos, patrocinados pelo governo federal”.

E a Globo e seus satélites se auto-intitulam a “imprensa livre”…

Viva o Brasil!

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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