Às vezes eu me pergunto se ainda há alguém que realmente lê as reportagens sensacionalistas sobre a corrupção na Petrobrás.
A agenda política da imprensa ficou tenebrosamente chata, deprimente e tendenciosa.
A oposição e a mídia bem que tentaram jogar o peso das denúncias apenas nas costas do PT, mas a operação não deu certo.
Pode não ser agora, mas em algum momento, a presidenta Dilma e o PT serão vistos como os mocinhos nesta história: foram eles que deram autonomia e condições à Polícia Federal para investigar.
O fato da PF pegar diretores da Petrobrás e servidores ligados à base aliada apenas reforça o republicanismo heroico, às vezes quase suicida, do governo.
Ao que parece, a PF desbaratou outra quadrilha com conexões dentro do governo: os procurados tinham ligações familiares com o ministro da agricultura.
Ponto para a PF e para o governo.
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Passei uma semana em Nova York – por isso o título – e aproveitei para comprar jornais e revistas, por lá.
No New York Times, li uma extensa reportagem sobre o sistemático desvio de recursos e armas fornecidos pelo governo americano ao exército do Iraque.
Os generais iraquianos recebem as armas doadas pelo Pentágono, dão metade para seus soldados, e vendem o resto. Fazem isso com recursos, alimentos, roupas.
Inflam as folhas de pagamento com soldados-fantasma, para ficarem com os salários.
Fazem tudo isso num país devastado pela miséria, fome, guerra, doenças, fanatismo e terrorismo.
Enquanto os soldados morrem em emboscadas organizadas por grupos terroristas cada vez mais presentes e perigosos, os oficiais enriquecem à custa do sangue de seus próprios compatriotas.
É uma lógica macabra: quanto mais terrorismo, mortes e caos, mais os EUA mandam recursos e armas, e mais os corruptos ganham dinheiro.
Nos últimos 10 anos, as cifras desviadas montam a dezenas de bilhões de dólares.
O nervosismo dos americanos cresce junto com a expansão do Estado Islâmico e outras organizações no Iraque. Alguns falam em repassar dinheiro diretamente às tribos sunitas dispostas a combater o terrorismo, mas o governo iraquiano rejeita duramente essa possibilidade, alegando que iria violar a soberania do país e acirrar as rivalidades étnicas internas (o governo é dominado por xiitas, adversários dos sunitas).
Todos os analistas entrevistados, do governo, do exército e da iniciativa privada, concordam que há um problema ainda maior que a corrupção do oficialato e do governo iraquianos: a total impossibilidade de investigar e punir oficiais ligados ao governo.
Os únicos punidos são oficiais ligados aos adversários do atual presidente do Iraque.
Ainda no Times, topo com uma matéria curta, sem destaque na primeira página, sobre um dos mais sangrentos atentados ocorridos este ano no Afeganistão. Um homem bomba explodiu numa partida de volei numa cidade do interior do país, matando mais de 50 pessoas e deixando centenas de feridos.
Há alguns anos, uma coisa assim ganharia destaque na capa de todos os jornais. Hoje, é notinha sem importância.
Na Síria, a guerra civil já matou centenas de milhares de pessoas, e desalojou outras milhões. Igualmente, há muita corrupção envolvida. Os recursos e armas doados pelo Ocidente aos “rebeldes” que lutavam contra o governo sírio, acabaram, ó cruel ironia, em mãos de terroristas do Estado Islâmico.
Todo o oriente médio parece viver um pesadelo. A primavera árabe se tornou um circo de horrores.
O Egito, agora novamente governado por um militar, voltou a ser uma ditadura. Na área do Monte Sinai, próximo à fronteira com Israel, o governo bombardeia civis e destrói casas, num esforço nada humanitário para encerrar o contrabando.
Segundo a Economist, os reinos árabes descobriram uma nova e cruel maneira de lidar com opositores: tirar suas cidadanias. No Kwait, um empresário dono de um canal de TV que fazia oposição ao governo, perdeu a cidadania. Sua TV foi fechada. E ele está prestes a ser deportado, não se sabe para onde, já que não tem pátria.
A Ucrânia, que também viveu uma revolta do tipo “árabe”, com o povo nas ruas pedindo (e obtendo) a renúncia de um presidente eleito, vive uma terrível crise econômica. O PIB deve fechar o ano com uma queda superior a 10%, e a dívida externa do país explodiu. A Economist pede ao FMI e aos países ricos que emprestem mais alguns bilhões para a Ucrânia, em troca, é claro, de mais interferência em sua política econômica.
Todos os países que viveram “revoluções” ou mudanças violentas de governo nos últimos anos – Egito, Líbia, Síria, Iraque, Ucrânia – estavam muito melhor antes do que hoje.
Os EUA têm responsabilidade fundamental diante do sofrimento de milhões e milhões de pessoas. Esse tipo de crítica, contudo, não aparece na mídia norte-americana.
O México vive uma crise política bastante séria, após o assassinato covarde de 43 estudantes numa cidade do interior.
A Economist tenta uma defesa canhestra de Henrique Peña Neto, presidente do México, dizendo que ele foi eleito com grandes expectativas e elogiando as suas medidas neoliberais, como entregar o petróleo do país a estrangeiros. A revista é obrigada a admitir, porém, que os mexicanos já não gostam de seu presidente.
Recentemente, descobriu-se que Neto mora numa casa de 7 milhões de dólares pertencente a um empreiteiro da região natal do presidente, e que por pouco não ganhou um contrato bilionário para construir um trem de alta velocidade, num projeto do governo.
Assim como no Iraque, o problema da corrupção mexicana é que não há investigação de membros do governo; quando há, é rapidamente abafada.
No Brasil, é tudo ao contrário. Só há investigação de membros do governo. A oposição é sempre poupada.
Enquanto isso, a nossa imprensa vende ao distinto público que o problema é o “bolivarianismo”.
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Entretanto, há um lado saudável nessa cruzada da imprensa comercial contra o governo. Já ouvi diversos comentários sobre isso de gente bastante antipática ao PT. É a noção de que, com o PT, a imprensa não abafa.
Isso também ajuda a explicar a vitória de Dilma Rousseff.
Em se tratando de corrupção, havia o temor de que a vitória do PSDB desencadeasse, na imprensa e nos órgãos de investigação, uma gigantesca reviravolta.
A grande mídia deixaria de ser de oposição, e se tornaria despudoradamente chapa-branca.
O Ministério Público, o Judiciário e a Polícia Federal perderiam subitamente o furioso entusiasmo investigatório antigoverno que mostram hoje.
A corrupção voltaria a ser varrida, alegremente, para debaixo do tapete.
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Estou devendo a continuação do post sobre Enzo Tortora, o maior escândalo judiciário da Itália em várias décadas. Fá-lo-ei em breve, talvez amanhã, se não houver nenhum golpe a ser debelado.
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A leitura de reportagens sobre a situação no Iraque, Afeganistão, Síria, Ucrânia, me fez refletir que devemos agradecer pelos problemas que temos.
Nossa mais atual crise política, por exemplo, tem como pano de fundo uma grande investigação feita pelo próprio Estado contra membros do próprio governo, e contra alguns dos homens mais ricos do país. Isso é muito raro em qualquer parte do mundo.
Na China, de vez em quando há processos amplos contra a corrupção dentro do governo, mas sempre são direcionados a personagens ligados aos adversários do comitê central.
As democracias ocidentais, todavia, não são nenhum paraíso anti-corrupção. Nem a corrupção jamais foi monopólio de estatais. Ao contrário, as crises financeiras vividas pelos países ricos nos últimos 15 ou 20 anos tiveram, todas, como epicentro, a corrupção de grandes corporações totalmente privadas. Os governos dos EUA e da União Europeia, tiveram que despejar trilhões de dólares, sacados da conta-imposto dos contribuintes de cada país, para pagar os estragos causados pelo jogo sujo de algumas gigantes do mercado financeiro, que sempre operaram em conluio com a mídia.
As investigações contra os responsáveis por essas crises deixam sempre a desejar, mesmo nas democracias mais sólidas.
Por isso, é importante considerarmos que, em meio a tantas crises políticas, estamos aos poucos forjando uma cultura de investigação e republicanismo que merece a nossa admiração.
Claro, sabemos que, por trás das investigações, há interesses políticos e pressões midiáticas, ambos nada republicanos, mas isso é inevitável. Faz parte do jogo.
Desde que não se queira violar a soberania do povo e derrubar um presidente eleito, sem que haja uma evidência bastante concreta de seu envolvimento pessoal, a disposição do Estado de investigar a si mesmo é digna de mérito.
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Diante dos massacres cotidianos vistos na Síria, no Iraque e no Afeganistão; do ebola na África; das guerras civis sanguinárias se alastrando; do assustador avanço do fanatismo, de um lado, e da tirania, de outro, no oriente médio; diante de tudo isso dá até vontade de rir da nossa irritação contra a… Katia Abreu.
No entanto, continuo com a mesma opinião.
A maneira como o nome dela foi divulgado, num contexto de total apagão político e comunicacional do governo, me pareceu um grande erro.
A mesma coisa vale para o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
Em minha estada em NY, percebi uma coisa. Tanto o presidente dos EUA, Barack Obama, como seus secretários, se pronunciam quase diariamente sobre os principais problemas do país.
Claro, a imprensa de lá é infinitamente mais plural.
Mesmo assim, há um esforço, por parte dos políticos, de falarem diretamente a seus eleitores. Isso não é considerado bolivarianismo.
O presidente Obama divulga vídeos de suas falas. As TVs reproduzem porque lhes dá audiência.
É sempre tranquilizante ouvir a opinião do presidente, mesmo que não se concorde com ele.
Por que Dilma não explica, em vídeo, as razões que a levaram a escolher um ministro da Fazenda com perfil mais conservador?
Os movimentos sociais e os intelectuais de esquerda continuariam não aprovando, mas o diálogo ficaria mais aberto, mais transparente.
Além disso, o governo parece agir sempre como se fosse ilegal fazer política.
A mídia é a principal responsável por essa estranha jurisprudência. Que só vale para o PT, aliás.
Se Dilma não quer fazer isso, se quiser preservar sua imagem, então arrume um porta-voz, que possa falar diariamente à população, desfazendo boatos, explicando diretrizes.
No caso da Katia Abreu, por exemplo, seria importante o governo vir à público falar que, independente do nome indicado para a pasta da Agricultura, terá esta e aquela diretriz no setor agrícola.
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A Globo está fazendo um jogo esperto: posando de defensora do governo contra a militância do PT, tratada como um bando de idiotas radicais.
O editorial de hoje consegue uma proeza linguística: elogia as opções conservadoras do governo para a agricultura e fazenda ao mesmo tempo em que detona o governo e, sobretudo, a esquerda e a militância, que ousam protestar.
O governo tem de tomar cuidado para não entrar nesse jogo, que é uma armadilha. A militância é seu único aliado verdadeiro contra a mídia, que forma o principal e mais perigoso partido de oposição.
Se há divergências entre a militância e o governo, não devem jamais ser dirimidas por notinhas plantadas na imprensa, e sim através de um diálogo franco, aberto e transparente.
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O governo Dilma não pode esquecer a lição de junho de 2013.
Popularidade de Ibope e Datafolha não vale nada sem base social.
Na primeira crise, evapora.
Ouvir a base social, além disso, é respeitar a democracia; e ajuda o governo a melhorar sua gestão.
Foi uma excelente notícia, por isso mesmo, que Dilma tenha recebido, ontem, Frei Beto e Leonardo Boff, e declarado que haverá “um diálogo permanente, orgânico, contínuo, com os movimentos sociais e com a sociedade em geral”.
Sem esse diálogo, o governo apenas ouve a sociedade através da grande mídia, e por isso ouve mal, ouve errado e ouve mentiras.
Outra frase de Dilma serve de lição à militância, de que deve permanecer sempre crítica e rebelde: “Eu prefiro escutar críticas, do que apenas escutar as coisas boas que eu faço. Porque aí eu aprendo”.
Não se ajudará o governo com elogios.
O governo não é perfeito. Dilma não é perfeita. Ambos tem defeitos, vícios e limitações. Seguramente irão errar muito nos próximos quatro anos.
É importante que todos os setores, em especial as correntes progressistas, que apoiaram a eleição da presidenta, expressem suas críticas, com franqueza, para que as correções de rumo sejam feitas para o lado certo, para o lado do povo.
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No post anterior, alguns leitores – em especial a ala coxinha – protestaram contra o gráfico abaixo, dizendo que ele estava distorcido. Não estava. Está rigorosamente correto. Vou repeti-lo.
A escala está muito bem explicitada no eixo da esquerda.
O objetivo de um gráfico como esse é dar destaque à variação. É assim que se faz gráfico, em toda a parte, em todo mundo. A Bovespa, por exemplo, publica seus gráficos com a variação diária do índice Ibovespa da mesma forma. O de ontem:
Observem que a escala tem início no 54.977, de maneira que a variação de 56.077 pontos para 54.977 dá a impressão de uma montanha russa. Se o gráfico iniciasse no zero, a noção visual da mudança seria prejudicada.
A crítica que fazemos aos gráficos da Globo é quando estes violam a escala. Ou seja, seria distorção se a coluna referente aos 51 bilhões parecesse menor que a de 49. Por incrível que pareça, é isso que a Globo tem feito.
O gráfico que eu publiquei mostra que os investimentos estrangeiros diretos no Brasil permanecem elevados.
São investimentos em produção, de longo prazo.
O mundo acredita no Brasil e os temores apocalípticos promovidos pela mídia são puramente especulativos.