As incompreensíveis trapalhadas políticas do governo


Primeiramente, peço desculpas aos leitores pela lentidão do blog nos últimos dias. Estou no meio de uma viagem ao exterior.

Nesta terça-feira, devo ficar em trânsito. Na quarta, a rotina do blog volta ao normal.

Mas acompanho tudo, naturalmente.

Pelo que vejo, a política brasileira continua na mesma.

Só se fala em golpe.

(Na verdade, a política brasileira é assim há quase 100 anos. O golpismo, real ou imaginário, é a principal característica da nossa experiência democrática).

Ainda acho, porém, que não há mais clima para isso no país.

Dilma acabou de ganhar as eleições, e uma tentativa, por parte da oposição, de interromper seu novo mandato antes mesmo dele começar, geraria um efeito contrário ao esperado: aumentaria a popularidade da presidenta.

Do jeito que as coisas estão indo, é melhor para oposição deixar o governo tropeçar nas próprias pernas, o que aliás é justamente o que está acontecendo.

O apagão político continua.

Esperávamos que o lema “governo novo, ideias novas” fosse trazer oxigenação ao Executivo.

Que nada.

Não há porta-voz, não há secretário de imprensa, não há nenhum tipo de comunicação com a sociedade.

O Brasil parece viver uma situação que a Bélgica experimentou há pouco tempo. O governo parlamentarista caiu e nenhuma coalização partidária tinha maioria para montar outro governo. O resultado foi que a Bélgica ficou sem governo por mais de um ano.

Só que a Bélgica continuou na boa. É um país pequeno e rico, sem problemas sociais graves, e um sistema público autônomo.

E, importante, não há Rede Globo na Bélgica.

Enquanto isso, o governo – o do Brasil – continua fazendo burradas.

Uma atrás da outra.

Depois de uma eleição duríssima, altamente polarizada entre esquerda e direita, onde as críticas mais pesadas e mais bem sucedidas à Marina e Aécio foram justamente as suas alianças com a direita retrógrada, esperava-se que Dilma fosse trazer fatos positivos, com objetivo de cultivar a nova militância que se formou no calor das batalhas.

Criou-se a esperança de que haveria renovação política no PT e na esquerda em geral, envelhecidos precocemente após 12 anos no poder.

E qual o primeiro fato político criado por Dilma para o novo governo?

Katia Abreu.

É burrice demais.

E isso uma semana após João Pedro Stédile, líder do MST, fazer as declarações que talvez tenham sido o fato político que enterrou de vez qualquer buchicho sobre golpe, impeachment ou intervenção militar.

Stédile disse que o movimento social irá as ruas defender Dilma e a democracia, se houver golpe, independente do “disfarce” que mídia ou direita quiserem lhe dar.

Entendo perfeitamente a necessidade do governo se preocupar em formar maioria no Congresso, de um lado, e agradar a bancada ruralista, de outro.

A pasta da Agricultura, durante Lula e Dilma, sempre ficou com os ruralistas, e com a direita.

O nome de Katia não está confirmado, mas quem está sendo “fritado” é o governo.

E por quê?

Katia Abreu não é apenas uma representante do mundo rural.

Ela é um símbolo, uma mensagem política. Não havia necessidade do governo ferir tanto as suscetibilidades da esquerda. Há outros nomes do agronegócio, tão representativos como Katia, e mais competentes, que poderiam assumir o Ministério da Agricultura.

Faltou “timing”.

Dilma tinha que iniciar seu governo com fatos positivos. Não positivos junto à mídia de oposição, mas junto à sua base social, que nesta eleição, mais que nunca, foi fundamental para sua vitória.

O governo deveria fazer diferente desta vez.

Poderia chamar os movimentos sociais ligados à agricultura: as federações, sindicatos, associações, tanto de trabalhadores como patronais, para reuniões, nas quais se discutissem as políticas para o setor.

E apresentar alguns nomes.

Os ministérios tinham que vir chancelados pela base social, isso lhes dariam força para fazer política, inclusive no parlamento.

Do jeito que vai, o governo vai ceder para o PMDB, mas não vai ganhar nada em troca. Nem maioria parlamentar, nem apreço da mídia, e muito menos apoio de sua base social.

Ficará isolado.

A mesma coisa vale para o ministério da Fazenda.

O governo deveria fazer debates públicos com empresários, economistas, líderes sindicais, e traçar diretrizes políticas antes de nomear qualquer ministro.

A cúpula do PT, em especial os medalhões, como Mercadante, Cardoso, Pimentel, Gleisi, e a própria Dilma, não parecem ter aprendido nada com as eleições.

O conforto do poder não lhes deixam ver a extensão da carnificina política desencadeada por uma eleição tão radicalmente polarizada.

Estão cegos.

Todas as crises políticas do governo Dilma foram criadas pela mesma atitude que ele está tomando agora: um arrogante isolamento e uma quase indiferença por suas próprias bases sociais.

E todas as vitórias do mesmo governo apenas foram obtidas quando se dispôs a conversar, tanto com os grupos sociais, quanto com as próprias bases parlamentares, sindicais, empresariais.

Antes das manifestações de junho de 2013, Dilma nunca havia recebido as centrais sindicais!

Depois de junho de 2013, o governo fez intensas reuniões com uma grande quantidade de grupos e conseguiu debelar a crise que se aproximava do governo.

Na campanha eleitoral deste ano, a mesma coisa. O governo abriu as portas para conversas com todos os grupos, e ganhou as eleições.

Obama envia regularmente, a qualquer indivíduo, americano ou não, previamente cadastrado, emails com textos, alguns longos, sobre a conjuntura política.

Por que Dilma não pode fazer isso?

Se há necessidade de escolher um ministro da Agricultura do campo conservador, porque não enviar uma cartinha a todos, expondo, com transparência e franqueza, as diretrizes da política agrária, mostrando os investimentos em crédito à agricultura familiar, etc?

Se o governo quer fazer diferente, a comunicação é o principal fator, porque mesmo nas coisas onde o governo encontra dificuldade para mudar, ela gera engajamento e participação política da população, o que o ajudará a acumular forças para enfrentar os obstáculos.

Dilma está numa situação bem mais confortável agora. Já ganhou as eleições, e não disputará outra em 2018.

Pode ser mais franca, mais descontraída, mais ousada, mais ela mesma.

Quem ganhou as eleições foi o coração valente, a Dilma guerreira, que contará com o apoio corajoso de milhões de brasileiros.

Esta é a Dilma que queremos.

Entende-se a questão da governabilidade, mas em que o nome de Katia Abreu, que apenas atiça as rixas ideológicas no país, contribui para isso?

Resultado: o MST invadiu terras e destruiu plantações de milho transgênico, em protesto contra Katia Abreu.

E agora?

O que o governo ganhou com isso? Isso vai ajudar a derrubar o Eduardo Cunha? Improvável.

Que eu saiba, Katia Abreu não é nenhuma grande articuladora no parlamento.

Além disso, é óbvio que o governo precisará, nos próximos quatro anos, mais que nunca, de base social.

Em relação à regulação da mídia, é importante que o governo participe do debate usando os microfones que o povo lhe deu, através do voto, para esclarecer, para deixar claro que se trata de um esforço para ampliar a liberdade de expressão, o pluralismo, a diversidade de opiniões.

Basta abrir a boca e falar!

É preciso fazer a batalha de ideias!

É preciso lutar pela democracia!

Num primeiro momento, essa luta de ideias, esse debate, é mais importante do que qualquer reforma da mídia, porque a antecede.

Se não houver debate,  se não houver disposição do governo e do núcleo duro da base de fazer a luta de ideias, não haverá nenhuma reforma, nem política, nem da mídia, nem de nada.

O governo não vai investir na TV Brasil?

Dilma não vai trocar o Café com a Presidente, que vai para rádios do interior, para um programa de TV semanal, que pode ir também para internet?

O blog do Planalto não terá preocupação em participar, de maneira mais assertiva e corajosa, do debate político nacional?

Dilma é a presidenta de todos, petistas e não petistas, esquerdistas ou não esquerdistas, progressistas e conservadores.

Mas a presidenta pode ter opinião, não pode?

Todos os presidentes do mundo democrático podem ter, só Dilma não pode?

*

Hoje o Banco Central divulgou dados do setor externo. A economia brasileira continua sólida, com dívida bruta pequena, em relação a outros países, e reservas internacionais em condições de excelência.

O que chama a atenção, sobretudo, é o aumento do chamado investimento estrangeiro direto, o IED, que é o investimento não-especulativo, voltado para a produção.

De janeiro a outubro deste ano, o IED aumentou 3% sobre o mesmo período do ano anterior, atingindo US$ 51 bilhões.

Ou seja, o Brasil continua sendo um dos principais destinos dos investidores internacionais.

Problemas políticos, o mundo inteiro tem. E nações democráticas costumam, mais que quaisquer outras, experimentar duras rixas políticas e ideológicas.

O mal do Brasil, a meu ver, é mesmo a concentração da mídia, de um lado, e a irritante covardia do governo, de outro, que finge não ver o problema.

Enquanto a caravana passa, os cães não se contentam em apenas ladrar, como outrora. Eles mordem as rodas e ameaçam paralisar a sua marcha.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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