Quando discutimos o caso Pizzolato nos blogs, já existe uma quantidade considerável de pessoas que conhecem, alguns a fundo, o seu caso. Conhecem a discussão sobre o Laudo 2828, da perícia da Polícia Federal, que inocenta o ex-diretor de marketing.
Sabem que Pizzolato não era o responsável pelo Fundo Visanet: a responsabilidade era de outros servidores. Enfim, sabem que existem dezenas de documentos, redundantes, que provam sua inocência.
As acusações contra Pizzolato nas redes, então, descambam para o lado da baixa intriga.
“Ele não era nenhum capuchinho”.
“Fugiu com os documentos do irmão morto, era uma lagartixa”.
Ora, Pizzolato fugiu, conforme ele deixa claro, na entrevista que deu ao Estadão, e reproduzida abaixo, para salvar a sua vida. E o fato de usar os documentos do irmão falecido não prejudicou ninguém. Os brasileiros que fugiam da ditadura, por considerarem, como Pizzolato, que não seriam tratados com justiça pelo Estado brasileiro, falsificavam documentos para saírem do país.
Pizzolato não falsificou documento. Optou pela saída mais fácil. Usou documentos do irmão. Ela era o condenado que tinha mais documentos provando sua inocência, e, por isso mesmo, é o que corria o maior risco, porque o seu caso é o que pode, efetivamente, derrubar o pilar central da Ação Penal 470: o desvio do Fundo Visanet.
No dia em que a Justiça brasileira admitir o seu erro em relação a Pizzolato, a AP 470 implode e terá de ser anulada. Isso não quer dizer que o PT é santo, ou que não tenham havido crimes ou irregularidades nas campanhas de 2002 e 2004. Agora, num debate penal sério não se condena ninguém a 12 anos de prisão porque fulano “não era nenhum capuchinho”.
O mensalão existiu, sim. Foi caixa 2 do PT.
O partido deveria ter sido investigado e punido, e o Brasil poderia ter iniciado, há anos, um debate sobre o financiamento de campanha eleitoral.
A triangulação entre Marcos Valério, Daniel Dantas e PT deveria ter sido investigada. Mas isso levaria, facilmente, à relação entre os dois primeiros e o PSDB nas campanhas eleitorais anteriores. Era preciso, portanto, não considerar o mensalão como caixa 2, porque isso criaria um debate que não interessava nem à oposição, nem à mídia.
Daí criaram um monstro, uma Ação Penal montada em teorias fantásticas, que resultaram em condenações desconectadas da produção de provas, a ponto de uma ministra do STF afirmar que estava condenando um réu mesmo sem provas, porque “a literatura assim o permitia”. Voltemos à entrevista de Pizzolato ao Estadão.
Observe que o Estadão põe um título que não tem nada a ver com o teor da entrevista, cujo ponto principal é a argumentação com que Pizzolato defende sua inocência. O Estadão faz isso como que para disfarçar o seu conteúdo. Da mesma forma, o jornalista não se estende em perguntas sobre os pontos mais interessantes, sobre as provas e documentos que, segundo Pizzolato, desmontam as teses de acusação. Vê-se que o petista está disposto a conversar, a seguir adiante com sua argumentação.
À imprensa brasileira, contudo, não interessa verdade. O mensalão é um factóide político que deverá ser mantido vivo por muito tempo, mesmo respirando por aparelhos, porque ele gera dividendos para a oposição. Pizzolato lembra que nenhuma das auditorias realizadas pelo BB detectou o desvio de um centavo do Fundo Visanet. A própria Visanet, uma empresa privada, não detectou o desvio.
Tanto é que o BB e Visanet nunca entraram na justiça pedindo a devolução do dinheiro. O dinheiro foi aplicado em campanhas publicitárias. R$ 5,5 milhões foram para a Globo. O Globo até tentou forçar a barra, dando manchete, há alguns meses, dizendo que o BB iria cobrar. Era mentira. O BB jamais cobrou porque os documentos todos apontam para a regularidade do processo.
O sistema do BB, como de todo grande banco moderno, e sobretudo de um banco público, é cheio de travas internas. Imaginar que um servidor pode desviar, sozinho, R$ 74 milhões, é um delírio que somente o ambiente delirante da Ação Penal 470 poderia criar.
Abaixo, um trecho da entrevista:
Estado – O sr. se sente uma vítima? Pizzolato: Da má Justiça do Brasil.
A liberdade de imprensa não se pode confundir com a liberdade de calúnia. Depois, com isso, fizeram um processo. Antes de o processo começar, a imprensa já tinha me condenado. E não era algo simples. Me lincharam em praça pública ao ponto de que eu não poderia me mover. Minha família estava sendo molestada. Não leram os documentos. A Folha, O Estadão, a Globo. Todos tinham os recibos do processo.
Uma auditoria foi realizada e tudo foi usada em marketing. Não era um banco pequeno. Era o maior da América Latina e com todos os controles. Eu não tinha autonomia para mover um centavo. Tudo era feito com computadores. Mas fizeram uma história. Todas as contas foram aprovadas e não por uma pessoa ou duas. Mas pela auditoria interna, externa, o tribunal de contas, a Bolsa de Valores e ainda com ações em Nova Iorque. Ninguém encontrou que faltava algo.
Estado – O Mensalão então não existe?
Pizzolato: Com o dinheiro do Banco do Brasil não faltou um só centavo. Era impossível que alguém pegasse o dinheiro. Trabalharam com a fantasia popular. Era como se alguém pudesse sair de um banco com uma mala de dinheiro. Os bancos não trabalham mais assim. Agora, para cobrir a outras pessoas, fizeram uma história para fazer oposição. Se você quer fazer política, faça com propostas. Me crucificaram.
*
Abaixo, a íntegra:
Entrevista: Henrique Pizzolato Ex-diretor cuja extradição foi negada busca documentos italianos que tem direito por ter dupla cidadania
‘A política sempre foi suja’
Por Andrea Bonatti e Jamil Chade, no Estadão.
08 Novembro 2014 | 16h 23 Itália-
Henrique Pizzolato reapareceu em público neste sábado, 8, ao ir à delegacia de La Spezia buscar documentos apreendidos em fevereiro. Desde que teve a extradição negada pela Itália no mês passado, sob alegação de que o Brasil não oferece condições de segurança para o cumprimento da pena de 12 anos e 7 meses a que ele foi condenado no julgamento do mensalão, o ex-diretor do Banco do Brasil tem os mesmos direitos de um italiano livre.
Pizzolato responde em liberdade por falsidade ideológica – ao ser abordado na casa de um sobrinho em Maranello, quatro meses após fugir do Brasil, o ex-diretor mostrou um passaporte em nome do irmão, morto há mais de três décadas.
A Polícia Federal brasileira também o indiciou por falsidade. La Spezia foi o primeiro refúgio do ex-diretor na Itália. Depois de esperar o horário de almoço dos carabinieri, recuperou seus documentos. Diante do prédio, Pizzolato disse que não falaria com jornalistas brasileiros. O repórter o informou que estava a serviço do Estado.
Por 30 minutos, Pizzolato reiterou sua inocência e disse que o mensalão foi “criado” para minar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“A política é suja.”
Estado – O sr. viveu um momento duro?
Pizzolato: Não. Na verdade, vivi melhor que no tempo que estava no Brasil. No Brasil, eu não poderia sair do meu apartamento. As pessoas me agrediam, me molestavam. As pessoas, quando eu passava pela calçada, me agrediam.
Estado – Hoje, o sr. é livre.
Pizzolato: Sempre fui um homem livre. Não fiz mal algum. Temos todas as provas no processo. Não foi um processo pela Justiça. A política é suja e sempre foi assim. Isso é triste. Eles acham que podem fazer o que querem com as pessoas. Não se pode prender uma pessoa, destruir uma família para ter mais poder.
Estado – O sr. se sente uma vítima?
Pizzolato: Da má Justiça do Brasil. A liberdade de imprensa não se pode confundir com a liberdade de calúnia. Depois, com isso, fizeram um processo. Antes de o processo começar, a imprensa já tinha me condenado. E não era algo simples. Me lincharam em praça pública ao ponto de que eu não poderia me mover. Minha família estava sendo molestada. Não leram os documentos. A Folha, O Estadão, a Globo. Todos tinham os recibos do processo. Uma auditoria foi realizada e tudo foi usada em marketing. Não era um banco pequeno.
Era o maior da América Latina e com todos os controles. Eu não tinha autonomia para mover um centavo. Tudo era feito com computadores. Mas fizeram uma história. Todas as contas foram aprovadas e não por uma pessoa ou duas. Mas pela auditoria interna, externa, o tribunal de contas, a Bolsa de Valores e ainda com ações em Nova Iorque. Ninguém encontrou que faltava algo.
Estado – O Mensalão então não existe?
Pizzolato: Com o dinheiro do Banco do Brasil não faltou um só centavo. Era impossível que alguém pegasse o dinheiro. Trabalharam com a fantasia popular. Era como se alguém pudesse sair de um banco com uma mala de dinheiro. Os bancos não trabalham mais assim. Agora, para cobrir a outras pessoas, fizeram uma história para fazer oposição. Se você quer fazer política, faça com propostas. Me crucificaram.
Estado – De quem então é a responsabilidade?
Pizzolato: Da oposição. O que eles queriam? Tomar o poder. Não estavam satisfeitos que um trabalhador, como Lula, estivesse no poder. Há 500 anos o comando do Brasil mudava de mãos entre as elites. Agora, viram chegar à Lula.
Estado – Alguns dizem que o Brasil apresentou documentos fracos justamente para evitar sua extradição.
Pizzolato: Eu não sei. O problema no Brasil é que o processo está errado. Estado – O sr. temia por sua vida nas prisões brasileiras?
Pizzolato: Todos dizem isso. A ONU diz isso e até os ministros. A entidade Conectas e a Anistia também defendem isso. As prisões são medievais. As pessoas são tratados como animais.
Estado – Do que o sr. vive hoje na Itália?
Pizzolato: Eu sou aposentado. Trabalhei mais de 30 anos. Sempre tive uma previdência privada. Desde o primeiro dia que trabalhei, paguei minha pensão. Há 20 anos eu já vinha na Itália para falar sobre a previdência, na Holanda, na Suíça. Por 32 anos paguei minha pensão
Estado – O que o sr. pensou ao saber que Dilma Rousseff tinha sido reeleita?
Pizzolato: Eu não estava sabendo. Eu não poderia seguir a eleição. Eu não assistia muito à televisão. Eu sabia que estávamos na época de eleição. Mas não sabia o dia. O Brasil, de pouco à pouco, andará adiante.
Estado – Como ocorreu sua fuga? Cruzando a fronteira?
Pizzolato: Ali tudo foi uma fantasia. As pessoas precisam da fantasia. Talvez, um dia, uma parte da imprensa vai entender que a calúnia não faz parte da liberdade de imprensa. A imprensa precisa trazer informações, e não ficção. Se alguém quer fazer um romance, avise que é um autor de ficção. Eu sou feliz, realizado. Não perco uma noite só de sono. Eu sabia que era inocente. Tínhamos todos os documentos. Mas eu não achava que se poderia tomar uma decisão sem documentos. Primeiro, fizeram a historia e depois colocaram os personagens. Em 2007, o juiz (Joaquim Barbosa) disse para a imprensa que ele fazia a história primeiro para que as pessoas entendessem. Existem 3 mil páginas de recibos originais. Está tudo ali. Mas, se você é fraco, te metem ali. Leia Kafka. E como você faz?
Estado – Mas por que o sr. fugiu?
Pizzolato: Para me salvar.
Estado – Mas como isso ocorreu de forma concreta?
Pizzolato: Como fizeram os italianos para fugir dos nazistas? Era a guerra. Era a sobrevivência. Eu não prejudiquei ninguém. Eu encontrei uma maneira de proteger a minha vida. Jamais trairei o princípio que meu pai e meu avô me ensinaram. A Justiça tarda, mas vem. A todos que me atacaram, a Justiça se fará sentir. Talvez não no tempo que eu queira. Mas a história escreverá (a Justiça). Não tenho vocação de ser herói. Mas apenas de fazer Justiça. Sempre estive ao lado dos mais fracos.