A resposta de Rudá Ricci


 

Publico abaixo a resposta do professor Rudá Ricci ao post que fiz sobre a sua entrevista à Folha.

Apesar de não concordar com tudo, não vou fazer tréplica porque senão vão pensar que é briga, e não é.

É apenas debate político, bastante amigável, aliás, graças a Deus.

Acredito que estamos todos completamente exaustos do clima de guerra de campanha eleitoral.

Desejamos desesperadamente polêmicas, mesmo que incandescentes, fortemente polarizadas, mas conduzidas com respeito mútuo, bom humor e espírito democrático.

O debate continua, porém, porque os leitores irão comentar. E nenhum debate político, numa democracia, termina.

A razão de ser de uma democracia é existir o debate.

Um debate infinito em busca de mais democracia e mais liberdade.

Obrigado pela resposta, Ricci.

O espaço estará sempre aberto para suas opiniões.

*

No Facebook do Ricci.

RESPOSTA AO TIJOLAÇO/CAFEZINHO A RESPEITO DE MINHA ENTREVISTA NA FOLHA DE HOJE

Miguel,

Em primeiro lugar, agradeço esta oportunidade de diálogo. Não preciso reforçar que escrevemos e damos entrevistas para o debate. Sociólogo clandestino é tudo, menos sociólogo. O agradecimento é ainda maior porque você leu com muita atenção minha entrevista, o que aumenta minha responsabilidade neste diálogo.

Vou seguir suas observações. Mas, antes, gostaria de reafirmar que pensamento crítico não se alinha, necessariamente, ao de um partido. Aliás, embora seja verdade que não é todo partidarismo que se transforma em correia de transmissão, a história política é farta em confirmar que este fenômeno não é algo tão estranho.

Vamos lá:

1) O respeito entre nós é mútuo. O que nos obriga a dialogar quando divergimos um do outro. Como dizia Hannah Arendt, “o silêncio é o início do fascismo” porque ignora o outro;

2) Não usei o termo “manipulação” como criminalização. Nem de longe gosto da postura de vestal em análise política. Eu utilizo o termo como tantos autores o empregaram no pensamento crítico, principalmente aquele inaugurado por Foucault. A campanha de Dilma – e eu tenho farto registro do nosso acompanhamento diário, incluindo troca de mensagens – elaborou uma estratégia de comunicação detalhada. Na última semana do primeiro turno, fomos informados que a escolha de Aécio Neves como adversário era fundamentada em dados minuciosos de pesquisa, que indicavam claramente a facilidade de desconstrução de seu personagem. Esta mensagem em específico, detalha o que ocorreria durante a primeira semana do segundo turno e como ele seria descontruído a partir do debate que seria realizado na Band. Terminava com o assombroso vaticínio que Dilma venceria com 53% dos votos;

3) Eu coordenei o programa agrário da campanha de Lula, em 1989. Nem de longe tínhamos tal grau de informação e precisão que percebi nesta campanha. Manipular é quase sinônimo de “desconstruir”. Porque significa que você sabe como o eleitor pensa e como fazê-lo reconstruir seu olhar. Não se trata de algo que tem relação com o processo educacional, que é longo. Tratava-se, no caso, de mudança de opinião em uma semana. Você pode escolher a palavra para isto. O que menos me importa é nomenclatura. O que importa em termos políticos é o que se faz e como se cria a opinião pública. E foi exatamente isto que a campanha de Dilma fez, com precisão milimétrica. Estamos lidando com um novo paradigma de campanha eleitoral (não vou entrar na origem e significado deste conceito que você avalia ser acadêmico, mas não é);

4) Sobre a frase “o PT não foi formador direto de opinião”, houve um erro na formulação O que eu afirmava é que as redes sociais não são, ainda, formadores de opinião direta. Elas impactam os militantes – petistas, no caso – que irradiam. A ideia é esta. Há quem, sem estudar o fenômeno, acredite que as redes sociais formaram opinião. Há farto material comprovando que não ocorreu isto porque os partidos brasileiros só falam com iguais ou pares, não sabem dialogar com quem pensa diferente. A linguagem partidária é direta (ataca o adversário e se autopromove) não é interativa ou lacunar, como caracteriza qualquer rede social. Imagino que, com o tempo, os partidos aprendam;

5) Você afirma que não é verdade que o PT pensava o eleitor como alguém a ser formado. Prove. Eu tenho como provar, com facilidade, o que foi feito em poucas semanas, tanto com Marina, quanto com Aécio;

6) Não gosto de moralismos em política. O que a campanha fez foi inocular o desejo ou intenção. Não se trata se o fato é verdadeiro ou não. Trata-se de criar uma comoção que não existia antes, mesmo o post de Juca Kfouri já ter sido postado antes da campanha. Não se iluda: não foi apenas o post de Juca que criou uma “onda emocional” das mais inteligentes. Foi a fala de Lula na mesma noite do debate onde Dilma citou a Lei Maria da Penha, foram as inúmeras postagens nas redes, enfim, foi uma belíssima ação programada e articulada para criar uma onda de desconstrução. Pense um pouco no significado político (e concreto) da palavra desconstrução;

7) Sinceramente, penso que o moralismo é seu. É perceptível sua intenção de não explicitar uma estratégia de marketing muito bem articulada pela campanha de Dilma, absolutamente profissional e que dá um passo adiante na americanização do jogo eleitoral no Brasil. Mas, sigamos à frente;

8) Aprendi que quando se utiliza muito adjetivo numa análise é porque não há substantivos a apresentar, ou seja, a argumentação definhou. Você se agarrou ao argumento único do moralismo. Até para concordar com o óbvio. Você afirma que eu fui ingênuo ao citar a campanha mais bem estruturada e empresarial que o país já viu. Contudo, em seguida, afirma que isto seria o óbvio para uma campanha presidencial brasileira. Seria importante você se decidir: o óbvio é ingênuo ou é apenas o óbvio?

9) Sobre a votação de Aécio, você percebeu, a redação ficou truncada. Minha observação é a seguinte: São Paulo se contrapôs ao nordeste como polos eleitorais. A votação de Dilma no nordeste só tem paralelo em termos percentuais com São Paulo. Nem o sul, nem centro-oeste, chegaram próximos das diferenças entre os dois candidatos. Sem São Paulo, Dilma provavelmente teria vencido no primeiro turno. São Paulo deu 10 milhões de votos para Aécio no primeiro turno, mais que a votação de Serra, a soma da votação de Skaf e Padilha, a soma da votação que Marina e Dilma tiveram em São Paulo. Não há dúvida que o desempenho de Aécio no final do primeiro turno e mesmo no segundo se deve à decisão paulista. Esta polarização é facilmente comprovada. Brigar com os fatos não é sinal de inteligência;

10) A polarização que revela sinais de esgotamento não é de projetos, mas de comandos partidários. A polarização PT-PSDB está demonstrando nítidos sinais de esgotamento. Aécio quase despencou, em setembro, a um dígito em intenção de votos, desmantelado pela figura de Marina. Marina desintegrou porque não sustentou a promessa de novidade. Na primeira pesquisa Datafolha em que ela aparece substituindo o nome de Eduardo Campos, já se apresentava com 21% de intenção de votos (em segundo lugar na corrida eleitoral). Ao decompor este eleitorado, descobria-se que vinha dos indecisos, dos que afirmavam que anulariam o voto ou votariam em branco (Marina capturou 50% desses eleitores). Na segunda pesquisa, Marina subiu mais 7% na intenção de voto, agora capturando o eleitor evangélico. Foi aí que errou grosseiramente porque procurou atrais os evangélicos e perdeu os que buscavam a terceira via. Ao se apresentar como candidata tradicional – dada a aproximação com empresários e pastores dos mais tradicionais -, desintegrou a canalização dos eleitores insatisfeitos.

Este fenômeno vem se apresentando em todas eleições, desde 2010. Esteve presente nas manifestações de junho de 2013. Há uma parcela significativa do eleitorado (entre 35% e 40%) que vem oscilando e se apresentando de maneira movediça. Um eleitorado conservador, que se formatou em termos de cultura política e valores sociais com a inclusão pelo consumo que, como sabemos, promove um pensamento egoísta, de valorização da família e da ordem social, em detrimento da solidariedade social. Fenômeno já estudado, por exemplo, nos EUA da década de 1950. Desconsiderar que na última década combinamos este fenômeno com ausência de embate ideológico (de ampliação de direitos) em virtude da conciliação de interesses que formatou o lulismo será um dos exercícios mais complexos e mirabolantes que um analista poderá fazer;

11) Acredito que você não tenha a menor ideia do que é Aécio Neves. Ele não tem condições de liderar o país e vai demonstrar isto em poucos meses. José Serra, em poucas semanas, demonstrará a diferença de estofo entre os dois, na mesma casa legislativa, o que facilitará o didatismo para apresentar esta prova. Não se perde da maneira como Aécio perdeu em sua terra, perdendo cavalo, exército e estandarte, e se apresenta como general de cinco estrelas. Nem em lendas quixotescas me parece provável;

12) Você avalia que “talvez” o ataque aos programas sociais tenha criado a insegurança nos pobres que eu cito na entrevista. Infelizmente, não lido com condicionantes e hipóteses sem qualquer base de comprovação;

13) Finalmente, a militância tucana. Não havia registros de ações de rua nitidamente tucana. Nesta eleição, houve. Se foi um erro de investigação, não posso dizer. Só trabalho com dados concretos. E eles não existiam. Portanto, não farei ilações. Aliás, parece que você também não tem a menor certeza se havia militância antes. Se continuarmos neste nível de imprecisão, chegaremos a dar razão à inquisição que pressionou Galileu.

Miguel, acredito que você se preocupou com minha entrevista porque eu desnudei parte dos bastidores da campanha eleitoral. Evidentemente que qualquer análise política se baseia em dados e fatos e, como dizia E.P.Thompson, é o historiador que dá sentido à história. Não sou historiador, mas sou casado com uma. Não negaria a autoria e, portanto, o encadeamento dos dados que eu faço ao analisar. Por isto mesmo, a melhor maneira de discutirmos é a partir de fatos e dados, ou seja, o mérito ou essência do que eu afirmei. Tentar desconsiderar com um ou outro adjetivo seria retornar às brigas internas do início do século entre os primeiros militantes do PCB.

Afinal, nem eu, nem você, somos candidatos a algum posto de direção política. Portanto, nosso objetivo é aprofundar e organizar uma leitura sobre a realidade e nossas possibilidades de avanços democráticos. Eu tenho, evidentemente, minhas convicções políticas. Não sou dos que acreditam que o poder está no governo. Li muito Gramsci e fui filiado à Democratici di Sinistra. Creio que é possível ter poder sem ser governo, uma máxima da esquerda gramsciana e que orientou o PT durante mais de uma década.

Creio na necessidade da reforma democrática do Estado brasileiro, tornando-o mais poroso ao controle social. São crenças que os aferrados ao Fla X Flu eleitoral desconsideram. Meu horizonte de leitura política, evidentemente, não é este conservadorismo que se limita à quem recebe mais votos na urna eletrônica. Se fosse assim, estaríamos jogando todas inovações que tantos de nós lutaram para incluir na Constituição Federal de 1988 ou em inúmeras leis federais. Criamos 30 mil conselhos de gestão pública com intenções mais ambiciosas que fazer registros sobre o número de reuniões ou conferências nacionais de direitos individuais e sociais. Mas, há quem se limite a este rame-rame institucionalista. Vê o mundo pelos olhos dos partidos e Estado. Não deixa de ser um olhar. Mas me parece absolutamente vesgo para quem se pensa de esquerda.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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