Janio de Freitas, um dos últimos progressistas da grande mídia, acusou Sergio Moro, o juiz que cuida da delação premiada, de ter sido irresponsável ao tomar o depoimento de Paulo Roberto Costa e Alberto Yousseff no meio de um segundo turno de eleição presidencial.
Com isso, diz Janio, o juiz deixou que dois bandidos e suas denúncias “não comprovadas” influenciassem as eleições.
A indignação de Freitas se volta sobretudo para a tentativa – repugnante, diz ele – de prejudicar Dilma Rousseff.
Ele critica o corporativismo vulgar da associação de juízes (Ajufe), que defendeu Moro, dizendo que esta não enxergou o ponto principal da questão.
Não se trata se era certo ou não dar publicidade ao depoimento, e sim da “impropriedade” da própria decisão do juiz de ouvir Costa neste momento, em que se sabia, obviamente, que o depoimento seria instrumentalizado pela mídia, pela oposição, e possivelmente até mesmo pelo réu.
Se o réu confessou exatamente usar de manobras políticas para crescer na Petrobrás e chantagear empresários, porque o juiz lhe dá oportunidade de usar o momento eleitoral para fazer novas chantagens e disso auferir novos lucros?
Por aí vemos os riscos inerentes ao processo de delação premiada: o sujeito rouba, é preso, depois conta um bocado de meias verdades, ou mesmo mentiras, acusa aqueles mesmo que chantageou, dá sua versão dos fatos, e sai como heroi?
A coluna de Freitas traz ainda uma denúncia gravíssima: Sergio Moro e a Ajufe faltam com a verdade quando dizem que havia obrigação de “tornar públicas” as declarações do depoente. O depoimento não foi publicizado oficialmente pela justiça, mas relatado aos repórteres pelo advogado de Alberto Yousseff, o senhor Antonio Augusto Lopes Figueiredo Basto, que tem laços históricos com o PSDB do Paraná.
O juiz deu guarida ao que podemos chamar, sim, de golpe político-midiático. Uma tentativa torpe de envenenar a opinião pública no momento mais importante de um país: o segundo turno de uma eleição presidencial.
É importante denunciar isso porque a mídia, em especial a Globo, deve tentar ainda um último golpe antes das eleições, possivelmente usando outros vazamentos dos bandidos em questão.
A mídia tem procurado defender Sergio Moro dizendo que ele assessorou Rosa Weber no julgamento do mensalão. Ora, isso prova justamente a parcialidade dele, porque qualquer jurista que se preze, mesmo da extrema direita, como Ives Gandra, sabe que o julgamento da Ação Penal 470 foi um festival de arbitrariedades. Condenou-se sem provas. Jogou-se para a plateia e para mídia. E a participação de Weber foi a mais vergonhosa de todas: a sua frase, de que condenaria Dirceu, mesmo sem provas, porque “a literatura o permitia”, ficará cunhada para sempre na história mundial do fascismo jurídico.
Não se condena ninguém sem provas. O sujeito pode ser um psicopata, um assassino, um estuprador, um terrorista. Sem provas, não se condena, ponto final, porque, em caso contrário, o juiz não será mais um juiz, mas um deus, um tirano, um déspota, com um poder além dos limites impostos pela democracia.
A fama de “duro” de Moro não cola. Ele foi o juiz que julgou o caso Banestado e não prendeu ninguém. Quer dizer, prendeu o doleiro Alberto Yousseff e depois o soltou, após lhe conceder, exatamente, o direito de “delação premiada”.
Depois de participar de um esquema responsável pelo envio ilegal de centenas de bilhões de dólares para o exterior, do qual participaram inúmeros políticos e empresários, Yousseff contou um monte de mentiras ao juiz e voltou para a casa.
Todos os outros acusados foram absolvidos.
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Em nome da Justiça
Por Janio de Freitas, na Folha.
É questionável a realização da audiência do corrupto Paulo Roberto Costa ao abrir-se o segundo turno
Juízes federais e procuradores da República moveram suas associações corporativas, em especial as seções paranaenses, para defender o que não precisava ser defendido. O questionável na audiência do corrupto da Petrobras, Paulo Roberto Costa, pela 13ª Vara Federal Criminal do Paraná, não foi que deixasse de ser “estritamente técnica” e de “respeitar a regra dos processos judiciais”, aspectos ressaltados pelo corporativismo judicial. Questionável foi a realização da audiência ao abrir-se o segundo turno, do que resultou a inclusão do Judiciário na disputa eleitoral –com benefício de um dos lados.
Uma das defesas da audiência publicadas na Folha argumentou, referindo-se à divulgação do depoimento de Paulo Roberto, que “trata-se de informação sob domínio público que não pode ser escondida”. Não se trataria de esconder coisa alguma, mas de respeitar democraticamente as circunstâncias do momento especialíssimo vivido pelo país. E, para isso, não mais do que aguardar três semanas para tomar o depoimento do acusado e vê-lo divulgado como mereceria.
A respeito do prazo, a nota do Ministério Público Federal defende que a audiência “obedeceu aos prazos fixados para procedimentos de réus presos”. Pode ser, para os ainda presos. Mas Paulo Roberto não estava preso, mandado para sua casa na Barra da Tijuca pela mesma 13ª Vara.
Ainda contra esconder o que não estava nem ficaria escondido, disse o artigo que, divulgado o depoimento acusatório, cabe agora ao acusado defender-se (dos acusados no noticiário, só o PT foi citado no artigo). É uma tese que aguarda argumentos substanciosos, porque até hoje os doutores do Direito acreditam que o ônus da prova cabe ao acusador, não ao acusado. O próprio artigo tem a correção de ressalvar que “as denúncias não foram comprovadas”, lembrando a conveniência de vê-las “com máxima cautela”, por “envolverem delação premiada”. O que não não envolviam.
Outra contribuição, também na Folha, à defesa da audiência naquela data e à divulgação das acusações então feitas, afirma que o juiz “tinha a obrigação” de “tornar públicas” as declarações do depoente. Sendo assim, o juiz faltou com sua obrigação. O depoimento de Paulo Roberto foi relatado aos repórteres pelo advogado do doleiro Alberto Youssef, que teria acompanhado a audiência. Os três partidos dados no noticiário como acusados por Paulo Roberto, no depoimento, não foram mencionados por ele. Foi também o advogado de Youssef quem os citou para os repórteres, esclarecendo não atribuir a citação ao depoente.
Mas o juiz não descumpriu “a obrigação”, porque nunca a teve. Juízes pronunciam-se nos autos, diz uma das poucas regras judiciais de conhecimento geral. Não têm “a obrigação” de tornar públicas as declarações de ninguém, não são porta-vozes de acusados ou de testemunhas.
O juiz tem o dever, este sim, e acima de todos os outros, de assegurar imparcialidade às partes. Não há sinal algum de que tal dever haja sido maculado na 13ª Vara. Já a tomada do depoimento de Paulo Roberto Costa em 8 de outubro, ao iniciar-se o segundo turno, com a grande probabilidade de sua divulgação, para não dizer a fácil certeza por se tratar de audição aberta, foi uma impropriedade. A divulgação alimentou a injustiça –irreparável– com uma pessoa que só as ordinarices desta campanha eleitoral querem dar como desonesta: em boa ou em má-fé, é possível discordar de tudo o que Dilma Rousseff disse, pensou e significa, desaprová-la até o desprezo, mas insinuar-lhe desonestidade é uma desonestidade repugnante.