Por Carlos Tautz
Calma, que o Brasil ainda é nosso e o buraco é mais embaixo. Votações expressivas de figuras da direita racista e homofóbica e campanhas preconceituosas por todas as mídias infelizmente não são novidade. Tem sido assim década após década e, mal ou bem, a sociedade vem reagindo, apesar da larga interrupção democrática provocada pelo golpe das elites empresariais e militares em 64. O Brasil sempre foi um País em disputa e, como tudo mostra, continuará a sê-lo.
Se hoje Bolsonaro recebe quase 500 mil votos e arrota o desejo de se tornar presidente da República, ao mesmo tempo Jean Wyllys consegue quase 150 mil votos e Freixo é o deputado estadual mais votado do País, com 350 mil votos. Mas, para se ter a exata dimensão dessa disputa, faz se necessário enquadra-la historicamente.
Hoje, Bolsonaro tem um discurso de ódio reverberado pela teclagem fácil nas mídias ditas sociais. Porém, Wyllys e Freixo, para ficar só em exemplos do Rio – pressionam forte no sentido inverso. Pautam com firmeza na sociedade a defesa dos direitos humanos e o avanço nos valores sociais – como os direitos LGBT – como condição prévia a qualquer modelo econômico. Cada um puxa para o seu lado, a luta segue e o tempo não pára.
O importante é observar que aqui e acolá na história se criam caricaturas políticas do calibre de Bolsonaro, cujo objetivo sub-reptício é, em verdade, avalizar um padrão de acumulação extremamente concentrador e verdadeiro gerador de todas as violações de direitos.
No passado, aqui no Rio, já se teve Sivuca e Amaral Neto, O Repórter. Filhotes da ditadura, defendiam que “bandido bom é bandido morto” e a legalização da pena de morte. Sivuca não sei que fim levou, mas aquele proto jornalista que ganhou programa em horário nobre, financiado pelos governos da ditadura, conseguiu apenas eleger-se deputado federal pela Arena. Em troca, ganhou da sociedade o apelido de Amoral Nato e deixou legado pobre quando morreu. Sua voz, deslegitimada pelo avanço do valor moral de que direitos humanos são inegociáveis, foi enterrada com seu corpo.
O que precisa ficar claro é o pano de fundo histórico em que toda essa disputa se dá. Como muito lucidamente escreveu em sua página no FB a professora Isabel Lustosa, a quem peço licença para reproduzir: “1954, 1964 e 2014 estão ligados pela mesma agenda. Que as crises que levaram ao suicídio de Vargas e ao golpe de 64 tiveram, com variações, os mesmos ingredientes que a atual: a questão do Petróleo; o aumento do salário mínimo; a possibilidade de taxação das grandes fortunas; os interesses dos grandes proprietários de terras e grileiros; os movimentos sociais… Lembrando que o papel dos grandes grupos de comunicação também foi o mesmo que está sendo agora. É uma luta histórica que se repete”.
Aí está um ponto central de nossa encruzilhada democrática: as corporações de mídia assumem mais uma vez o protagonismo do atraso, como há décadas vêm fazendo na América Latina. Concebem e operam uma fina estratégia de deslegitimação de tudo que é minimamente antissistêmico e o fazem com uma sordidez, competência, arrogância e força que assusta à primeira vista. Mas, que, analisada com algum distanciamento, só comprova que é necessário coragem e capacidade de mudar de vez essa questão – algo que o PT no governo teve por mais de uma vez a chance de fazer, mas que se omitiu covardemente em nome de uma tal de governabilidade, termo que se presta a qualquer uso.
A regulação das concessões de comunicação se comprova, assim, mais uma vez, ser o nó górdio de nossa democracia que volta e meia é colocada em xeque, quase sempre com motivações internacionais. Necessita, portanto, ganhar absoluta centralidade em qualquer reforma política – tanto quanto o financiamento público de campanha e a revogabilidade dos mandatos. Em isso acontecendo, cacarecos como Bolsonaros perderão força e poderemos com mais facilidade abrir a cortina de fumaça que esconde algo muito pior.
Mudanças profundas nesse quadro podem ser duríssimas.