Refis não beneficia evasão de divisas!


 

Toda vez que a Globo fala sobre a sua própria sonegação, acaba se enrolando mais.

É o que acaba de acontecer.

A essa altura, todo mundo já viu o vídeo no qual Garotinho menciona a sonegação da Globo.

A empresa ficou numa guerrinha contra as redes sociais, mandando retirar, a galera postando de novo, até que as redes ganharam, claro.

Agora o vídeo está no vimeo:

Garotinho no RJTV Best Moments from El Cid on Vimeo.

Na matéria sobre a entrevista de Garotinho, a Globo quase esquece de falar sobre o candidato. Disfarçada de reportagem eleitoral, a Globo publica, talvez pela primeira vez, informações sobre o processo de sonegação de que é acusada.

E dá um link para o que – achávamos em nossa ingenuidade – seria o famigerado Darf.

Nada disso. O link nos leva ao seguinte documento do Ministério da Fazenda.


Observe duas mudanças, provocadas pela denúncia das redes sociais. Antes o processo constava apenas no meio “físico” (ou seja, não havia sido digitalizado). E não estava arquivado.

Agora ele foi digitalizado e foi arquivado, após movimentação ocorrida em dezembro de 2013.

Entretanto, como o processo foi roubado e depois reconstituído com ajuda da Globo, gostaríamos de saber se o processo digitalizado da Receita é o mesmo que foi vazado na internet.

A própria Globo explica que o processo foi arquivado porque ela aderiu ao Refis, o programa de refinanciamento de dívidas tributárias criado por Fernando Henrique Cardoso, em 2000.

O Refis é uma espécie de trem da alegria para sonegadores. Todas as dívidas são unidas numa só, e o processo de sonegação fiscal é extinto.

Mas tem um porém.

Ou melhor, dois poréns.

1) O processo de sonegação fiscal apenas pode ser extinto se a empresa aderiu ao Refis antes da ocorrência de denúncia criminal.

2) Conforme a Constituição, o crime de evasão de divisas não se beneficia do Refis.

*

Na matéria publicada ontem, a Globo fornece um cronograma da sonegação.

Reproduzo o trecho do comunicado da Globo:

“Como é de conhecimento público, a Globo Comunicação e Participações adquiriu os direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002. Em 16/10/2006, a emissora foi autuada pela Receita Federal, que entendeu que o negócio se deu de maneira a reduzir a carga tributária da aquisição. Em 29/11/06, a empresa apresentou sua defesa junto às autoridades, fundada em sua convicção de que não cometeu qualquer irregularidade, tendo apenas escolhido uma forma menos onerosa e mais adequada no momento para realizar o negócio, como é facultado pela legislação brasileira a qualquer contribuinte. No dia 21/12/06, a defesa da Globo foi rejeitada pelas autoridades e em 11/10/07, a empresa foi intimada da decisão desfavorável, apresentando recurso em 09/11/07. No dia 24/11/09, a Globo tomou a decisão de aderir ao Refis (Programa de Recuperação Fiscal) e realizar o pagamento do tributo nas condições oferecidas a todos os contribuintes pelo Fisco. O pagamento foi realizado no dia 26/11/09, tendo a empresa peticionado às autoridades informando sua desistência do recurso apresentado (o que ocorreu em 04/02/10).”

Ora, se a Globo aderiu ao Refis apenas ao final de 2009, isso suscita outras perguntas:

– O roubo do processo no último dia do ano de 2006 não constitui um fato criminal, cujo motivo não foi justamente impedir que houvesse uma denúncia antes da Globo se acertar com a Receita?
– O silêncio conivente da imprensa, ontem e hoje, não revela a existência de um acordo tácito e mafioso entre as mídias, para proteção mútua?
– Por que o Ministério Público não registrou denúncia criminal contra a sonegação da Globo, antes desta aderir ao Refis em 2009?
– Há algum parecer sobre os crimes de evasão de divisas porventura praticados pela Globo?

Reproduzo abaixo um roteiro publicado em julho do ano passado pelo Fernando Brito, no Tijolaço.

*

A MECÂNICA DE UM CRIME IMPERFEITO

A nota divulgada pela Rede Globo dá os elementos necessários para que se examine o porquê de a funcionária Cristina Maris Meirick Ribeiro ter “providenciado” o sumiço do processo de sonegação fiscal.

Fatos e datas, para ajudar nossas inocentes autoridades a construir o “modus faciendi” de um escândalo fiscal.

1- A Globo é autuada em 16 de outubro de 2006 por sonegação de impostos devidos pela compra dos direitos de transmissão da Copa de 2002. Total da autuação: R$ 615 milhões.

2- No dia 7 de novembro, José Américo Buentes, advogado da Globo, passa recibo de que recebeu cópia da autuação.

3 – No dia 29 deste mesmo mês, a Globo apresentou uma alentada defesa, de 53 páginas, pedindo a nulidade da autuação.

4- No dia 21/12/06, a defesa da Globo foi rejeitada pelos auditores.

5- No dia 29/12/2006, o processo é remetido da Delegacia de Julgamento I, onde havia sido examinado, para o setor de Sistematização da Informação, de onde são expedidas as notificações. Uma sexta-feira, anote.

6-Sábado, 30; Domingo, 31; Segunda, 1° de janeiro, feriado. Dia 2, primeiro dia útil depois da remessa do processo ao setor, a servidora Cristina Maris Meirick Ribeiro, que estava de férias, vai à repartição, pega o processo, enfia numa sacola e o leva embora.

7- Até o simpático Inspetor Clouseau concluiria, portanto, que ela foi mandada lá com este fim. Estava só esperando chegar lá o processo. Chegou, sumiu.

8- Não é preciso ser um gênio para saber a quem interessava que o processo sumisse antes da notificação, para que não se abrisse o prazo de decadência do direito de recorrer e conservar a regularidade fiscal.

9- A Globo diz que foi informada, “para sua grande surpresa”, do extravio do processo “alguns dias depois da sessão de julgamento”. Como? Por quem? A globo já tinha conhecimento da decisão? Se tinha, o prazo recursal já estava aberto.

São essas as humildes contribuições deste blogueiro ao Ministério Público Federal, que deixou passar essa sequência de acontecimentos debaixo do seu nariz e, em lugar de iniciar um procedimento investigatório, se diz consternado com uma suposta violação do “sigilo fiscal”.

Uma tramoia destas envolvendo o Fisco e uma montanha de dinheiro que deveria estar nos cofres públicos é coisa desimportante.

Por: Fernando Brito

*

E agora, publico um dos documentos que vazaram semanas atrás, e que integra o processo da sonegação da Globo. Trata-se de uma autorização do Banco Central para que a Globo expedisse ao exterior a módica quantia de US$ 221 milhões.

Aparentemente, tudo na mais perfeita ordem. A Globo pediu e recebeu autorização para enviar ao exterior uma determinada quantia, com fins de “investimento no exterior”, para a Globinter Investment, sediada num paraíso fiscal do Caribe.

Só que não.

A Receita concluiu, e isso está bem claro no processo, que a Globo enganou o Estado brasileiro. O objetivo não era “investimento no exterior” e sim a aquisição dos direitos de transmissão da Copa de 2002, sem o pagamento dos impostos.

A Globo sentiu-se obrigada a aderir ao Refis para não perder o certificado de nada consta da Receita, condição para receber recursos públicos, mas ao fazê-lo caiu numa armadilha.

Quem adere ao Refis assina um termo admitindo que sonegou e, portanto, desistindo de qualquer recurso. A própria Globo agora admite que, em 04/02/2010, desistiu de recorrer.

Se sonegou, então admite que prestou informação incorreta às autoridades monetárias sobre o uso que daria às centenas de milhões enviados a paraísos fiscais, para a conta de suas empresas laranjas no exterior.

Isso é crime de evasão de divisas.

E crime de evasão de divisas não é contemplado pelo Refis.

Ainda tem muita coisa mal explicada neste processo da Globo.

Espera-se que o inquérito aberto na Polícia Federal do Rio de Janeiro, de número 926 / 2013, possa esclarecer a sociedade.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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