“Nada será fácil: as escadas
não serão o fim da viagem:
mas darão o duro direito
de, subindo-as, permanecermos.”
O poema de Alberto da Cunha Melo, um dos grandes nomes da literatura pernambucana, encaixa-se bem na atual conjuntura.
A trajetória de Campos não se encerraria com as eleições deste ano. Mesmo não ganhando, ele ganharia recall eleitoral e, portanto, subindo, ali permaneceria, pronto para ser candidato em outra oportunidade. Mas nada seria fácil. Ele poderia sair menor do que entrou.
No mesmo poema, Melo diz que “o céu parece revestido / de uma camada de cimento: /deixo as marquises porque sei / que esta chuva não passará.”
O que me faz voltar ao presente, porque o jatinho de Campos parece ter se espatifado contra um céu de concreto, o que é também uma metáfora das durezas da vida e da política. Agora, em meio às novas turbulências que se anunciam, não adianta se esconder sob marquises.
A chuva não passará.
Foi uma experiência curiosa ler os jornais hoje. A tragédia que aniquilou um dos principais nomes da eleição presidencial criou um cenário de verdadeiro caos nas redações. Todos vieram dar seu pitaco. Alguns dizem que a morte de Campos determinará um segundo turno. Outros afirmam exatamente o contrário.
De maneira geral, a mídia e as forças de oposição já iniciaram uma pressão gigante para que Marina assuma o lugar de Campos. Em entrevista para Folha, o cientista político Marcos Nobre assevera: “Vai haver uma pressão insuportável para o PSB lançar Marina. Insuportável”.
Por outro lado, quase todos concordam que a situação é complexa porque boa parte do PSB não gosta de Marina Silva. Quem a bancava era Eduardo Campos. Nos últimos meses, inclusive, ela vinha se afastando do comando das estratégias de campanha.
Em entrevista dada em outubro do ano passado, ela já advertia:
“Não sou uma militante do PSB. É uma filiação democrática transitória. Sou a porta-voz da Rede, militante da Rede. Meu partido é a Rede.”
Com o tempo, a situação se agravou. E o fato de Campos permanecer estacionado nas pesquisas acentuou ainda mais o desgaste de Marina dentro do PSB.
Era muita dor de cabeça para pouco voto.
Por outro lado, não há como discordar da análise do Nobre, em relação às pressões.
Partindo do pressuposto de que Marina será candidata, contudo, as interrogações não são menores.
Como ficarão as alianças estaduais? Quem será o novo presidente do partido?
Sendo candidata, Marina terá posição de poder dentro do PSB, para determinar estratégias de campanha?
Vou dar alguns pitacos inocentes sobre o que vai acontecer.
Com Marina, o PSB pode crescer no Sudeste, mas perder bastante no Nordeste. Os votos de Campos em Pernambuco, por exemplo, tendem a migrar para Dilma.
Não estou certo de que a morte de Campos forçará um segundo turno. Marina pode tirar um bocado de votos de Aécio e a soma de votos da oposição pode ficar a mesma coisa.
Campos, em si, era um grande quadro. Falava melhor que Dilma e Aécio juntos. Minhas críticas a ele se davam no campo político e ideológico. Na retórica, ele era superior aos dois líderes da campanha.
Isso é uma perda irreparável para a oposição.
Marina é uma mulher inteligente e preparada, mas a voz esganiçada e débil prejudica o seu desempenho oral.
As pesquisas feitas agora, no calor da emoção, gerarão efeito artificial. Até porque a mídia já se aproveita da tragédia para burlar a legislação eleitoral e promover Marina.
Os primeiros programas do PSB serão obrigados a ser uma espécie de homenagem a Eduardo Campos, cuja figura permanecerá ainda muito presente no imaginário do PSB, qual um fantasma, a assombrar Marina Silva.
A campanha do partido, aliás, terá que ser inteiramente reformulada, acarretando um terrível desgaste físico e psicológico a seus profissionais.
O desaparecimento de Campos traz confusão ao cenário eleitoral, travando estratégias durante alguns dias.
A mídia é que não espera, até porque a sua dinâmica não o permite. Ela já começou a mexer seus pauzinhos. Seu objetivo é muito simples: produzir um segundo turno.
Suponho que mídia e alguns grupos financeiros até já se resignaram com possível reeleição de Dilma, mas temem que uma vitória num primeiro turno lhe daria uma força política que não lhes interessa.
A realização de um segundo turno obrigará tanto o governo quanto a oposição a estabelecer mais pactos e compromissos políticos com as forças econômicas e midiáticas. Por isso ele é tão importante.
Considerando friamente o cenário, a morte de Campos traz prejuízo apenas para o PSB, que perde sua principal liderança, aquela na qual vem investindo há décadas, inclusive com uma perigosa dose de personalismo (e a prova é que seu candidato em Pernambuco permanece num longínquo segundo lugar).
Aécio Neves ganha porque Campos é um adversário a menos e tende a ganhar os votos de oposição que iam para o socialista. Ou não, como diria Caetano. Aécio pode perder votos para Marina.
Dilma também pode ganhar: Campos era um adversário talentoso, que desapareceu. A presidenta tinha três adversários: Aécio, Marina e Campos. Agora tem dois.
Outra coisa que fico imaginando é o que estaria pensando Campos lá no além-mundo.
Marina se auto-convidou para ser candidata de Campos, o qual, pressionado pela lógica eleitoral de ter uma aliada de 20 milhões de votos, topou com visível entusiasmo. Só que jamais passou pela cabeça de ninguém que ela fosse uma possível substituta. Tanto que as especulações em torno de quem seria a cabeça de chapa foram logo esvaziadas pela cúpula do partido, que não admitia outro nome além do próprio Eduardo.
E agora, por uma reviravolta do destino, eis que Marina novamente tem a chance de concorrer ao cargo de presidente da República.
A vida é mesmo uma caixinha de surpresas! Daí voltamos ao poema de Alberto da Cunha Melo citado no início do post, que serve como luva para fechar nosso raciocínio:
Se esperasse um tempo de paz,
nem meu túmulo construiria.
Começo e recomeço a casa
de papelão em pleno inverno.
Um plano, um programa de ação
debaixo de uma árvore em prantos,
e voltar à primeira página
branca e ferida pela pressa.
Com as eleições marcadas para daqui a poucas semanas, o PSB terá de reconstruir seus planos e programas de ação debaixo de uma “árvore em prantos” e voltar à primeira página, Marina Silva, que foi justamente “ferida pela pressa” de fundar um novo partido.