Má fé nas críticas ao Decreto 8243

Quanto mais os histéricos da direita hidrófoba se revoltam com o decreto que amplia a participação popular, mais eu acredito que foi o maior acerto do governo em anos. Ele ganha de qualquer jeito, mesmo se o projeto for derrotado na Câmara, porque cria um fato político que mobiliza os setores organizados e estimula outros a se organizarem. E obriga a mídia a mostrar a cara, queimando-a de vez junto ao público progressista.

Encontrar o momento certo de apostar na democracia e no povo, é uma arte.

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“Há má fé nas críticas ao decreto 8243?: a cientista social Thamy Pogrebinschi fala ao DCM

Postado em 24 jul 2014
por Pedro Zambarda de Araujo, no Diario do Centro do Mundo.

No dia 23 de maio, o decreto presidencial 8.243 foi lançado e causou a revolta de veículos de imprensa no Brasil. O documento, assinado por Dilma, institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS).

O jornal O Estado de S.Paulo publicou um editorial no dia 29 de maio afirmando que o decreto estava provocando uma “mudança de regime” e que era um oportunismo do governo Dilma que “felizmente desistiu da Assembleia Constituinte”.

No dia 19 de junho, a professora de ciências sociais e pesquisadora sênior do WZB Social Science Center em Berlim, na Alemanha, chamada Thamy Pogrebinschi publicou um artigo no site da revista Carta Capital com o nome “Novo decreto: Não há representação sem participação”.

O DCM conversou com ela sobre o decreto, a reação da mídia e o fortalecimento dos movimentos sociais.

Por que você acredita que Dilma tomou essa atitude de abrir um espaço para movimentos sociais?

Um maior diálogo entre estado e sociedade é uma característica de governos do PT, que consideram a participação como um “método democrático de gestão”. Durante o governo Lula, movimentos sociais que antes protestavam nas portas dos ministérios passaram a ter acesso aos mesmos, sentando-se junto com representantes do governo para discutir suas demandas e debater políticas de forma compartilhada.

O diálogo com os movimentos sociais, contudo, diminuiu de forma perceptível no governo Dilma, especialmente se comparamos com Lula. Houve e há ainda uma série de tensões, mas isso não significa que canais foram fechados. Prova disso é justamente o recente diálogo com o MTST, o qual demonstra que há espaços para diálogo e eles podem vir a ser mobilizados também por outros movimentos que vem buscando se fazer ouvir desde os processos iniciados em junho de 2013. O governo tem dado indicações de ter percebido que a área de infraestrutura requer mais prioridade e maior participação. Quem contribuiu definitivamente para isso foi o Movimento Passe Livre.

Suas considerações sobre o decreto presidencial estão relacionadas com sua pesquisa em Berlim?

Sim, e também com pesquisas que venho fazendo desde 2009 no Instituto de Estudos Sociais e Políticos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ).

O Estadão e diversos colunistas, como o blogueiro Reinaldo Azevedo, dizem que o decreto é inconstitucional e um caminho para a ditadura. Por quê?

Isso é não apenas falso, mas também absurdo. Típico da imprensa histriônica, que chama atenção para si mesma no Brasil. Essas afirmações chegam a ser cômicas, não fosse triste o fato de milhares de pessoas acreditarem sem perceber a manipulação e a desinformação. A Constituição de 1988 estabeleceu, em seu texto original, as bases de uma democracia mais participativa, a qual vem sendo institucionalizada por meio de diversos atos administrativos e legislativos, inclusive sucessivas emendas constitucionais. O decreto não cria nada de novo.

Tudo o que ele busca sistematizar e organizar já existe desde bem antes de o PT chegar ao governo federal. Em 2003, quando Lula chegou à presidência, já havia 28 mil conselhos gestores de políticas espalhados pelo Brasil. Desde essa época, os conselhos municipais de saúde, que já eram cerca de cinco mil em 2003, praticamente um por município, já atuavam na formulação e monitoramento das políticas, fazendo valer nada mais do que a diretriz de “participação da comunidade” estabelecida pelos constituintes de 1988.

Exatamente as duas principais instâncias participativas regulamentadas pelo decreto e atacadas pela mídia conservadora, os conselhos e as conferências, não são nenhuma novidade e nem foram criados por uma canetada do Executivo. O próprio Poder Legislativo, ao longo de diversas legislaturas e governos, vem contribuindo para consolidar o que o decreto tenta apenas organizar. No caso, é um sistema nacional de participação. Diante desses fatos, vê-se que o problema dos que se opõem ao decreto não é a desinformação, e há uma enorme má-fé em jogo.

Você afirma que este decreto pode ser uma oportunidade para debate da a Lei de Segurança Alimentar e Nutricional, o Estatuto da Igualdade Racial, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Juventude, entre outras propostas. Como seria este debate?

Todos esses exemplos são, já, resultado deste debate. Eles consistem em leis, votadas e aprovadas pelo Congresso Nacional, após extensa deliberação em conselhos e conferências. Esses espaços permitem a construção de uma agenda compartilhada, possibilitam uma convergência de preferências e opiniões, e quando o Legislativo também indica convergir com as diretrizes ali confeccionadas, propondo e aprovando leis cujo conteúdo reflete tais debates, tem-se um aprofundamento democrático importante.

Os conselhos têm poder de decisão?

Conselhos e conferências não têm poder decisório. Jamais o tiveram e o decreto não determina que tenham. Nem todos os conselhos são considerados deliberativos, isto é, podem emitir resoluções, com limitado alcance administrativo. Do ponto de vista da defesa de uma democracia mais genuinamente participativa, portanto, o decreto pode ser até criticado por sua timidez. Diversos mecanismos participativos praticados nas democracias mais estabelecidas do mundo preveem que seus resultados sejam implementados diretamente ou submetidos a um referendo popular, prescindindo, portanto, da intervenção legislativa. Este não é o caso do Brasil, daí o absurdo das afirmações de que o decreto busca solapar o Poder Legislativo.

Como podemos melhorar nossos representantes através de movimentos sociais?

Não há antagonismo entre representação e participação e, mais do que complementaridade, há, desde sempre, interdependência entre ambas. O voto, sem o qual não há representação, é justamente uma forma de participação. Por outro lado, as deliberações de mecanismos participativos seriam ineficazes sem os representantes eleitos que os transformam em leis e políticas públicas. Assim como não há representação sem participação, também não há participação sem representação.

Hoje, o que se assiste no mundo é uma ampliação tanto das formas de representação quanto das formas de participação. ONGs e movimentos sociais abrem espaço para uma nova forma de representação quenão se origina em um mandato ou autorização providos pelo voto, assim como acontece com bancos centrais, agências reguladoras e organizações internacionais sem que se discuta a sua legitimidade.

Novas formas de participação além do voto são adotadas em democracias bastante avançadas como Suíça, Finlândia, Dinamarca, Alemanha, Canadá e até nos Estados Unidos. Lá eles querem combater a chamada “crise da democracia” permitindo que os cidadãos participem em outros momentos e de outras formas além do voto.

Como você enxerga a atitude do governo com as manifestações durante a Copa do Mundo?

A brutal repressão policial aos protestos e movimentos é um lastro remanescente da ditadura em nossa democracia. É preciso separar as políticas do governo federal das ações dos governos estaduais, assim como da Polícia e do Ministério Público. No entanto, não podemos ficar calados diante disso.

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Sobre o Autor: Escritor, jornalista e blogueiro. Atualmente escreve sobre tecnologia e games no site TechTudo. Teve passagem pelo site da revista EXAME. Formado em jornalismo pela Cásper Líbero, estuda filosofia na FFLCH-USP.

Thamy Pogrebinschi


Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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