Viralatice sem limites

Eu vi isso anteontem e tentei nem pensar nisso para não me irritar muito. Mas é o tipo de coisa que ficaria engasgado na minha garganta até que eu botasse pra fora. Felizmente, o Luciano Martins escreveu uma nota sobre o tema, me poupando o trabalho.

(…)

A mesma vira-latice

Por Luciano Martins, no Observatório da Imprensa.

Observe-se, por exemplo, a cobertura dos jornais genéricos de circulação nacional sobre a reunião dos líderes de países emergentes e o movimento de aproximação com a América Latina, patrocinado pelo governo brasileiro. Usando a Copa do Mundo como oportunidade para reunir dirigentes dos países que formam o bloco conhecido como Brics, a presidente da República protagoniza um evento importante na busca do equilíbrio entre as forças econômicas e políticas do planeta.

Em qualquer outro país, esse seria o tom predominante no noticiário sobre a 6ª Cúpula dos Brics, encerrada nesta quinta-feira. Aliás, esse é o tom geral da mídia internacional, desde a agência americana Bloomberg até chinesa Xinhua, ou Nova China.

Entre as principais decisões anunciadas, certamente a criação de um banco a ser compartilhado entre os países do bloco é a mais relevante, porque representa mais autonomia econômica para o conjunto de nações emergentes, que passará a contar com uma fonte de financiamento independente das instituições dominadas pelos Estados Unidos e a Europa.

O evento marca outros acontecimentos importantes, como a aproximação entre Rússia, Índia, China e África do Sul e os latino-americanos liderados pelo Brasil, bem como contribui para aliviar as tensões geopolíticas ao proporcionar uma janela de oportunidade para os russos, cercados de sanções por parte de americanos e europeus em função da crise na Ucrânia.

Em qualquer outro país, a imprensa estaria propondo um debate interno sobre esse evento, que pode afetar o desenrolar das relações internacionais.

Mas o que fazem os jornais brasileiros?

Os editores dos diários de circulação nacional parecem ter trocado figurinhas e, nas edições da quinta-feira (17/7), as manchetes eram exatamente iguais:

** “Brasil cede e Índia vai presidir banco dos Brics”, dizia o Estado de S. Paulo.

** “Brasil cede presidência, e banco dos Brics é criado”, anunciava a Folha.

** “Brasil cede, e Índia presidirá banco dos Brics”, afirmava o Globo.

Ora, o Brasil não cedeu coisa alguma, não abaixou a cabeça, como insinuam os jornais – a criação do Banco dos Brics havia sido proposta pela Índia desde a 4ª Cúpula, realizada em Nova Delhi em 2012, quando se convencionou que o país proponente teria a presidência executiva pelos primeiros cinco anos.

O cargo mais relevante na fase de implantação da instituição é a presidência do conselho, e essa função caberá ao Brasil.

O resto é a velha vira-latice da imprensa nacional.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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