Em Kim, obra-prima de Rudyard Kipling, sobre um garoto indiano que adere ao serviço secreto britânico, os protagonistas costumam falar no “Great Game”, o “Grande Jogo”, que tratava da guerra de espiões travada entre Rússia e Inglaterra para o controle da Ásia.
O termo me veio à memória ao lidar com o assunto mais explosivo do momento: a decisão do “garganta profunda” de liberar a íntegra dos documentos que tratam da sonegação da Globo.
O grande jogo começou.
Na sexta-feira de manhã estivemos no Centro Aberto de Mídia, conversamos com vários jornalistas, explicando o teor da denúncia sobre a sonegação da Globo.
Se a Globo decidir dar “um sumiço” em alguns blogueiros, a imprensa internacional, nacional e até mesmo rádios locais, já estão de olho.
Entretanto, é preciso dar alguns esclarecimentos sobre a origem dos documentos e informar onde eles estão.
O processo foi roubado em 2006, uma servidora foi presa, e ele permaneceu desaparecido por vários anos, até que algumas páginas começaram a vazar em 2013.
A mesma fonte, que até hoje se mantém anônima, voltou a entrar em contato e nos garantiu que, a partir desta semana, começa a vazar a íntegra do processo.
Ela nos informou que está no exterior do país, por questão de segurança. Como aperitivo, nos enviou as seguintes imagens, já publicadas semana passada em alguns blogs:
A partir de segunda ou terça, ela disponibilizará, na internet, os primeiros documentos inéditos.
A fonte se comprometeu a devolver a íntegra do processo às autoridades competentes, depois que o vazamento for completo. Cópias da íntegra do documento foram feitas, mas apenas serão enviadas aos blogueiros caso aconteça alguma coisa com a fonte original. Até o momento, apenas o “garganta profunda” detêm o processo.
No momento da entrega às autoridades, faremos um ato público, com presença de movimentos sociais, sindicatos e todos os interessados em combater a sonegação das grandes empresas, sonegação que sangra os cofres públicos e tira dinheiro da saúde e educação, além de aumentar o peso nos ombros da classe média, dos pequenos empresários e dos trabalhadores.
Aproveito para recapitular o caso e preparar a opinião pública para a chegada desses novos documentos.
No ano passado, o Cafezinho publicou um post informando sobre o vazamento de 25 documentos de um processo administrativo da Receita Federal, no qual a Globo era condenada a pagar R$ 615 milhões, em 2006, em valores não atualizados.
Essas páginas estão aqui:
A imprensa manteve um silêncio sepulcral sobre o escândalo, apenas quebrado quando um internauta descobriu, meio por acaso, um outro fato cabeludo ligado ao processo: os documentos haviam sido roubados por uma servidora da Receita Federal, que logo depois foi condenada e presa.
A blogosfera mergulhou em peso na investigação do caso, fazendo talvez a primeira grande investigação jornalística coletiva da nossa história.
A servidora, Cristina Maris Meinick Ribeiro, autora do furto, condenada pela Justiça Federal, após cumprir um período de prisão, foi liberada com um habeas corpus solicitado junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), concedido pelo ministro Gilmar Mendes. Simples servidora, ela foi defendida por um dos maiores escritórios de advocacia do país.
Aí não teve jeito. A grande mídia foi obrigada a entrar. O Jornal da Record fez três reportagens especiais:
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Fizeram até filme do Hitler protestando contra o vazamento do processo.
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Há exatamente um ano, no dia 13 de julho, a Folha também noticiou o caso:
Desde então, a mesma fonte que havia feito o vazamento, depois de ameaçar (no bom sentido) várias vezes que iria entregar a íntegra dos documentos, recuou e sumiu.
Agora reapareceu. E garantiu que, dessa vez, irá entregar tudo, e já nos deu algumas provas de que está falando sério.
Importante ressaltar que nossa (digo “nossa” porque foram vários movimentos sociais) primeira iniciativa, ao receber as páginas do processo, foi encaminhá-las ao Ministério Público Federal, para que este investigasse a sonegação de impostos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e demais crimes contra o sistema financeiro, cometidos eventualmente pela Rede Globo.
O Ministério Público aceitou a denúncia e abriu inquérito. A esta altura, a notícia já ganhava o UOL e a Agência Brasil:
Após apurar a consistência das denúncias, o Ministério Público decidiu encaminhá-las à Delegacia Fazendária da Polícia Federal, na Superintendência do Rio de Janeiro, que aceitou abrir um inquérito sobre o caso.
É o inquérito 926/2013, conduzido pelo delegado Rubens Lyra.
Desde então, não houve novidades sobre o caso. A PF age com discrição, o que se compreende, em se tratando da maior empresa de mídia da América Latina.
O jogo recomeça agora, com o reaparecimento do nosso “garganta profunda”, que provavelmente por estar vivendo no exterior, sentiu-se mais seguro para vazar o resto dos documentos.
Ele havia prometido iniciar o vazamento a partir deste domingo, mas nos pediu mais dois dias para se organizar melhor.
Achamos até bom, porque o Brasil estará hoje e amanhã muito absorvido pelo final da Copa do Mundo.