O Fernando escreveu um belo texto no Tijolaço, analisando a comprovação, agora estatística, que o público nos estádios da Copa pertencem a uma elite.
Confirmou-se estatisticamente uma coisa que a gente sabia, por ver na TV. E também por razões financeiras óbvias, relativas ao preço dos ingressos.
No jogo contra os Camarões, um amigo, negro e tricolor, fez uma piada ao ver a bandeira do Fluminense tremulando na arquibancada: “ainda bem que não deixam preto entrar nesses estádios, senão a gente seria obrigado a ver a bandeira do Flamengo”.
Apesar da Fifa ter disponibilizado alguns milhares de ingressos a preços populares, até mesmo quem comprou esses foi a elite, que tinha tempo e informação para entrar na internet e zerar o estoque.
Não estou fazendo nenhuma condenação à elite que adquiriu esses ingressos, e entendo que a maior parte dela é formada por uma classe média que antes pensa como elite do que é realmente. Uma classe média que tem os preconceitos dos ricos, vota como os ricos, mas é uma das primeiras a se dar mal quando a direita assume o poder.
Uma classe média que não se assumiu como classe trabalhadora, mas que, como tal, deveria amar e identificar-se com os trabalhadores humildes, que construíram os estádios e que respondem, através de sua força de trabalho, por todo o bem estar de que eles desfrutam.
Não, essa classe média, por lavagem cerebral do andar de cima, fala e anda como se também pertencesse ao Olimpo dos milionários, certamente na suposição de que, agindo assim, terá um dia seu ingresso garantido em algum camarote vip no mundo encantado da Casa Grande.
Os números da pesquisa põem um ponto final na polêmica criada por Gilberto Carvalho, ao dizer que “não foi apenas elite que xingou Dilma”.
Se nos estádios em geral, o perfil sócio-econômico é extremamente elitista, na comparação com a renda do povo brasileiro, está evidente que este perfil era ainda mais acentuado no jogo de abertura, onde o ingresso era muito mais caro e muito mais difícil de obter. Apenas os “bem relacionados”, os “vips”, ou os dispostos a pagar pequenas fortunas, podiam estar ali.
Os pobres também estão insatisfeitos com a presidente, Gilberto, porque querem mais, muito mais. Talvez se o Itaquerão estivesse cheio de pobres, talvez também houvesse vaias à presidente. Ou melhor, provavelmente não. Os pobres estariam felizes, agradecidos pela oportunidade de estar ali.
Pobre tem ódio quando está de barriga vazia, quando está sem casa, quando um filho seu é assassinado.
Quem odeia de barriga cheia é o rico.
Mas o fato concreto é que, naquele dia, no estádio Arena Corinthians, foi a elite que baixou o nível.
Uma elite que tem protagonizado vexames em vários jogos da Copa, inclusive no último jogo do Brasil contra o Chile, em que vaiou o hino dos adversários, uma atitude tão mesquinha e truculenta quanto xingar a presidenta de seu próprio país, num jogo de abertura de Copa assistido por milhões de crianças.
Gilberto, no entanto, tem razão numa coisa: essa elite é nossa, é brasileira, não devemos desistir de conquistar seus corações, de arrancar seus espíritos da armadilha de ódio que algumas famílias astutas, proprietárias dos meios de comunicação, lhes armaram.
O maior desafio enfrentado por aqueles que lutam, nas redes sociais, nos blogs, para desmontar as armadilhas da mídia, é justamente salvar o maior percentual possível de elementos da classe média do pesadelo mental e político em que vivem mergulhados.
O Brasil vive a sua melhor fase da sua história e a classe média, ao invés de se unir num pacto político para continuarmos transformando o país, vai se juntar aos mesmos bandidos da Casa Grande que nos saquearam durante séculos, que saquearam inclusive a ela, classe média brasileira, durante os anos neoliberais?
Ou a classe média tem saudades dos juros do cheque especial dos tempos de Armínio Fraga? Da gasolina aumentando até três vezes por mês? Da falta de perspectiva profissional de seus filhos?
A classe média tem saudades de ver engenheiros dirigindo ônibus, ou na fila para um emprego de gari?
A classe média tem saudades de um tempo em que milhões morriam de fome? De um tempo em que o governo não investia em infra-estrutura? Não construía portos, não expandia aeroportos, não construía novas hidrelétricas? Nada, nada, nada. Apenas privatizava o que já tínhamos, a preço vil, e ainda emprestando dinheiro público aos compradores.
Essa é a luta. Gilberto Carvalho, neste ponto, também está certo. Não podemos responder o ódio com ódio. Numa democracia, a guerra não é de combate, mas de conquista. A luta é pelo esclarecimento, pela informação, pelo direito do cidadão de fazer suas escolhas políticas com base em dados concretos, e não em mentiras.
O período eleitoral deste ano será, mais que nunca, filosófico, socrático. A luta principal será a luta pela verdade, uma verdade que não está, definitivamente, nos editoriais dos jornalões.
Mas que, por outro lado, pode ser encontrada até mesmo na imprensa comercial, como vemos na pesquisa feita pela Folha, desde que a notícia seja temperada por um olhar crítico severo do leitor.
Um olhar que saiba separar o joio do trigo. Um trabalho cansativo, muitas vezes frustrante, mas que tem de ser feito, diariamente, e infelizmente por muitos anos, até que a nossa mídia se modernize, se torne mais plural, mais próxima do padrão dos países avançados, mais distante da nossa história triste de golpes contra a democracia, patrocinados e apoiados justamente pelas mesmas empresas de mídia que temos hoje.