Para entender o desgaste do governo Dilma
seg, 16/06/2014 – 16:47 – Atualizado em 16/06/2014 – 17:48
Luis Nassif, em seu blog.
Há alguns fatores inevitáveis explicando o ódio de parte do eleitorado a Dilma Rousseff e uma espécie de desânimo generalizado em relação ao país.
Os grupos de mídia vem batendo diuturnamente na presidente. Mas essas campanhas são pró-cíclicas – isto é, ajudam a acentuar o movimento de baixa da presidente. Ou seja, os grupos de mídia não criam, apenas acentuam um estado de espírito pré-existente.
JK e Lula foram alvos de campanhas pesadíssimas e conseguiram não apenas superar como manter em alta a autoestima nacional. Em plena campanha para o governo do Rio, o Jornal Nacional montou várias cenas de arrastão nas praias, tentando passar a ideia de descontrole. E Brizola virou o jogo.
Os fatores conjunturais
Há um conjunto de fatores conjunturais que aguçam o pessimismo atual da opinião pública.
Um deles é o fim do ciclo de otimismo intenso que se seguiu à superação da crise de 2008, à conquista da sede da Copa e das Olimpíadas, à consagração internacional das políticas de inclusão.
Cada mudança de patamar significa maiores cobranças nas etapas seguintes. Cria-se de uma demanda impossível de atender. Já tratei diversas vezes esse tema dos ciclos de otimismo-pessimismo.
Essa frustração acentua dois movimentos relevantes de opinião pública.
Um deles, a quebra de expectativas de quem ascendeu à classe média. Os novos cidadãos não se contentam com o que conquistaram até agora e querem mais. O segundo movimento é o da resistência das classes média e alta contra os novos incluídos.
Esses dois movimentos foram atenuados na fase anterior pela situação da economia, permitindo a Lula praticar uma espécie de política do ganha-ganha. Com a frustração do crescimento, esses sentimentos voltam à tona com toda força, potencializados pela liberação de energia através das redes sociais.
A comunicação pública
Aí entram os fatores de responsabilidade do governo.
O maior deles foi o amplo descuido para com a opinião pública – a opinião pública ampliada e os grupos organizados da sociedade – e uma política de comunicação amorfa. Essa inércia permitiu que os grupos de mídia jogassem sozinhos em campo.
Apesar da CGU (Controladoria Geral da União), da Lei da Transparência, das ações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, venceu a versão do “governo mais corrupto da história”.
Mesmo tendo retomado os investimentos públicos e deixado um legado de obras relevantes, os PACs (Programas de Aceleração do Crescimento) ficaram mais conhecidos pelas obras inacabadas do que pelas obras entregues.
Na área social, a imagem da educação não se fixou nos avanços obtidos – que refletem ações de governo – mas na posição absoluta do país nos rankings internacionais – que reflete uma situação histórica.
Inúmeros boatos alimentados pela mídia – como o suposto apagão iminente do setor energético – não foram enfrentados. Não se cuidou de prover informação sequer para sites e blogs empenhados em desmanchar o terrorismo.
Também não se esclareceu a população sobre os gastos e ganhos da Copa nem sobre trabalho de articulação de diversas instâncias –estados, municípios, poder judiciário, Ministério Público, clubes de futebol setor privado -para um projeto que, até agora, tem sido bem sucedido.
Mesmo após as manifestações de junho de 2013 e a eclosão da comunicação digital, o governo não se preocupou em montar uma estratégia para enfrentar os boatos de rede e de mídia.
O estilo Dilma e a manifestação de poder
Mas o ponto central de desgaste de Dilma é o fato de ser uma presidente sem poder.
Explico melhor esse conceito.
A manifestação de poder de um governante se expressa na maneira como negocia com os diversos setores e consegue implementar suas (da presidente) determinações.
Para isso, não basta apenas o poder da caneta.
O governante precisa ter debaixo de si uma estrutura que permita controlar o enorme cipoal burocrático do governo, um Ministério proativo que ajude a filtrar as demandas e se responsabilize pela implementação de medidas e pelos resultados da sua pasta.
Com muito mais condições que o presidente, é o Ministro proativo que tem a temperatura do setor, controle sobre sua estrutura e a responsabilidade de identificar problemas, trazer soluções e propor medidas inovadoras. O Presidente é o maestro da orquestra.
Dilma não montou um Ministério com essa incumbência. Por vontade própria, tornou-se um maestro sem orquestra.
Além disso, o presidente necessita de “operadores” – pessoas de sua estrita confiança incumbidos de fazer valer as ordens nos diversos nichos de poder: Ministérios, autarquias, instituições públicas etc. Também não dispõe desses quadros. É muito desconfiada para conferir esse poder a terceiros.
Lula tinha vários “operadores”: Antônio Pallocci junto ao setor privado, Gilberto Carvalho junto aos movimentos sociais, José Dirceu junto aos diversos segmentos de poder (embora muitas vezes corresse em raia própria), tinha a confiança de dirigentes de fundos de pensão e de bancos públicos e o próprio CDES para contato direto com a chamada sociedade civil organizada.
Além disso, mantinha Ministros de peso sendo interlocutores de seus setores – como Luiz Furlan, no MDIC, Roberto Rodrigues na Agricultura, Gilberto Gil/Juca na Cultura, Nelson Jobim na Defesa; Márcio Thomaz Bastos na Justiça; Fernando Haddad na Educação; Celso Amorim nas Relações Exteriores. Todos com capacidade de formulação e poder de decisão garantido pelo presidente. Ou seja, cada Ministro era a expressão do poder do presidente.
Quando o poder é claro, torna-se o imã que atrai todas as demandas e expectativas. E o Presidente torna-se um mediador de conflitos.
Por falta de experiência com o cargo e com a política, Dilma não soube montar essa estrutura nem deu liberdade para seus Ministros montarem as suas. Ou seja, o poder presidencial não chega na ponta.
Daí se entende a frustração geral de seus interlocutores.
Os que chegam até Dilma encontram uma presidente cheia de energia, boa vontade e racionalidade. Algum tempo depois percebem que nada do que prometeu será implementado.
Some-se a uma política econômica errática e com parcos resultados e se terá a explicação para o desgaste atual do governo.
Mesmo assim, Dilma acumula uma série de vantagens sobre seus adversários. Dos três pré-candidatos é a única a acenar com um projeto de país, mesmo mal implementado; com compromissos irredutíveis em relação às políticas sociais; com a noção de que a construção nacional passa pela economia, infraestrutura, educação e inovação e políticas inclusivas; com a fixação pela transparência pública. E com alguns projetos transformadores, como o sistema do pré-sal e o próprio PAC.
Pode ser que, com a experiência do primeiro mandato, vencendo as eleições possa-se ter um segundo mandato mais eficiente. Pode ser que a teimosia não permita. De qualquer modo, Dilma está na situação do time de futebol que depende apenas dos seus resultados para vencer.