Eis que o “submundo da internet”, tão alardeado por Aécio Neves em sua entrevista ao Roda Viva, acabou aparecendo na verve desastrada do assessor de seu amigão Eduardo Campos.
Pior ainda, foi parar nada mais nada menos que na Veja.
Eu reproduzo abaixo um post do Paulo Nogueira, porque é muito engraçado, e traz várias lições políticas importantes sobre as eleições e sobre a nossa mídia.
Mas eu discordo num ponto de seu artigo: não acho que o lance do pó irá afetar eleitoralmente Aécio Neves. Posso estar enganado, mas uma das qualidades do eleitorado brasileiro é não dar tanta bola à vida pessoal dos candidatos. Quer dizer, até dá, mas não é um ponto determinante, sobretudo se ficar apenas no campo da intriga.
Até porque, ao longo da campanha, especialmente perto do final, as baixarias de internet serão tão intensas, que o eleitor só acreditará naquilo que quiser acreditar.
O eleitor votará no governo, se achar que é preciso dar mais tempo para Dilma trabalhar, e votará na oposição, se achar que já chega. A polarização já está se formando, de maneira muito forte. Por isso, Campos, a meu ver, já é carta fora do baralho.
Mas eu faço uma ressalva. Se Aécio pensa que vai transformar o Brasil inteiro numa grande Minas Gerais, onde ele mantém mídia e internet amarradas no porão da sua casa, sem poder fazer uma piada infame, sem fazer uma crítica, uma denúncia, está muito enganado. O sarcasmo do brasileiro não conhece limites.
O brasileiro é libertário. A própria atitude do assessor de Campos é a prova cabal disso: ele perde o emprego mas não perde a piada!
Entretanto, o sarcasmo, a ironia, o humor negro, essas características tão marcantes do internauta brasileiro, só atingem Aécio Neves com tanta força porque ele – o internauta – as usa deliberadamente como armas linguísticas, contra um candidato que ele não gosta.
Essa é a arma do internauta comum contra a mídia: o sarcasmo sem limite. A mídia, por usar concessão pública, tem de controlar seu instinto assassino. O internauta, não. Ele entende a rede social como um espaço de liberdade absoluta, onde ele pode falar o que quiser.
A direita age assim, ao menos, tanto é que pratica homofobia, racismo, discriminação política e ameaça, livre e impunemente em suas redes. Quando a direita trata com escárnio a fama de “pinguço” de Lula, não é porque esteja realmente indignada com o consumo de álcool de Lula. É uma forma de crítica política. Suja, baixa, vulgar, desgastada, mas ainda sim uma crítica política. A mesma coisa acontece com Aécio, só que ainda não está desgastada. As pessoas ainda não se cansaram de falar disso.
O fato de um de seus amigos ser o dono de um helicóptero apreendido pela Polícia Federal com meia tonelada de pó não ajudou muito…
O que irá prejudicar Aécio Neves, portanto, não é exatamente sua fama de “chincheiro”, mas sim a antipatia natural de muita gente, que o vê como um marionete da mídia, da direita, dos rentistas, dos 1% que pretendem voltar a mandar nos 99%.
Lula, Dilma, o PT, sempre apanharam tanto nas redes sociais, que nada mais é surpresa, nada mais é novidade. Já se falou tanta coisa de Lula, por exemplo, que perdeu a graça. E Lula nunca protestou, nunca processou ninguém, jamais passou pela cabeça dele mobilizar exércitos de advogados para prender, multar e prejudicar internautas. A seu modo, por isso mesmo, Lula é muito mais moderno e cosmopolita do que Aécio, um provinciano assustado com o que seus vizinhos vão pensar.
Uma última observação: o “vai ter coca, Aécio”, para quem não entendeu, é um trocadilho com o “não vai ter copa”…
Vamos ao texto de Nogueira, que é uma bela crônica de humor político.
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O pastelão político do assessor de Campos que disse que haveria Coca para Aécio
Por Paulo Nogueira, no Diario do Centro do Mundo
É com certeza uma das histórias mais cômicas – e reveladoras — da campanha de 2014.
Digamos assim: um pastelão político.
Primeiro, foi uma postagem no seu Facebook em que o coordenador de mídias sociais de Eduardo Campos, Marcos Bahe, escreveu o seguinte, conforme registrou ontem à noite mesmo o DCM: “Vai ter Coca, Aécio.”
Era uma alusão à cocaína, é claro. O disfarce pouco sutil da cacetada era o nascimento dos filhos de Aécio, embora pouca gente comemore a chegada de crianças com Coca Cola. A partir dos três ou quatro anos, talvez.
Mas Bahe tinha pressa para veicular sua postagem. Não dá para imaginá-lo guardando a piada infame por alguns anos.
O final da história é previsível: Bahe foi demitido. Mas a comédia permaneceu: ele disse que tinha escrito aquilo para um grupo restrito de amigos, e por engano suas palavras ganharam o público.
Acrescentou hashtags hilariantes: #vacilo, #destavezfuieu e #sorry.
Note que não houve um pedido de desculpas específico nem a Eduardo Campos e nem, muito menos, a Aécio Neves.
Uma possível aliança que começara em sorrisos e troca de afagos explodira espetacularmente numa mistura de Coca e cocaína.
A parte mais divertida da comédia, para mim, veio do site da Veja, na seção Radar, de Lauro Jardim.
Pessoalmente, me fez rir intensamente na noite de domingo. Aqui, o texto. Sugiro que você vá direto aos comentários.
Lauro registrou o texto de Bahe. Era, em si, um fato engraçado: em plena Veja, adepta fanática de Aécio, a questão da cocaína era levada ao público.
Mas o melhor veio dos leitores. Duas ou três vezes li os comentários para renovar minhas risadas.
O melhor comentário que li dizia o seguinte: “Cheira, mas faz.”
Clap, clap, clap.
Outro dizia: “Este filho de Francisco é petista.” Um foi mais direto neste ponto: “O filho do Chico Buarque está perdido com essa assessoria.”
Um outro decretava: “Olhos azuis: sinônimo de pessoas traiçoeiras.”
Sobrou para o jornalista do Radar também.
“Eu acho Lauro Jardim petista.”
A influência de Reinaldo Azevedo nos leitores da Veja estava evidente. Dezenas de comentários usavam a expressão “petralhas”, que Azevedo se orgulha de haver criado como se se tratasse da Comédia Humana de Balzac, ou de Em Busca do Tempo Perdido de Proust.
Parece esperar um Prêmio Pulitzer, ou quem sabe um Nobel de Literatura, pela forma obsessiva como reivindica a expressão “petralha”.
Um outro leitor fez uma análise: “Campos é o genérico do PT. Ainda sonho com Jair Bolsonaro, contudo querer ganhar voto na base da desqualificação do adversário é petralhice.”
Aí se vê que, hoje, Reinaldo Azevedo, Bolsonaro e a Veja se misturam na cabeça dos leitores da revista.
Aécio foi intensamente defendido. Um leitor exeortou cada um dos demais a convencer cinco eleitores a votar nele, Aécio, para livrar o país dos petralhas. Mas, ainda que em medida pequena, sobrou até para o defendido. Um dos debatedores disse que Aécio aparelhou, sim, Minas, ao contrário do que gosta de dizer. Cita o caso do marido de sua irmã, Andrea Neves, nomeado para uma diretoria no Sebrae de Minas.
Um outro leitor pontificou: “O uso de drogas pode levar ao nascimento de filhos defeituosos, com problemas! É interessante que o marqueteiro do Campos analise bem isso.”
Pausa aqui.
Escrevi outro dia sobre política de comentários nos sites. Um site não é nem mais nem menos do que os leitores que atrai e que nele expressam suas opiniões.
Se um dia os anunciantes do site se detiverem para ver a quem chegam seus anúncios, provavelmente levarão um susto.
Os melhores sites do mundo moderam os comentários para evitar que sociopatas os inundem com suas mensagens de ódio. O NY Times tem uma equipe dedicada a fazer isso. No DCM, eliminamos comentários de quem propaga sua sociopatia delirante.
Mas a Veja se tornou um dos redutos prediletos do que há de mais baixo entre quem comenta em sites. Como notou Caetano Veloso, Reinaldo Azevedo parece se orgulhar dos malucos que o aplaudem a cada pancada nos petralhas, no Apedeuta etc etc.
Entre todos os comentários da nota de Lauro Jardim um dizia tudo: “É melhor cheirar do que feder”.
Sim, é claro, os petralhas, segundo ensinou a Veja a seus leitores ao longo destes anos, fedem.
Eu tinha dito que era uma prova de completa desconexão com a realidade o PSDB indicar um candidato com a fama – merecida ou não – de consumir cocaína.
Não era, sob o ângulo do PSDB, uma questão moralista – mas política, essencialmente política.
A conta fatalmente viria. O Roda Vida – em que o assunto consumiu doze intermináveis minutos – foi apenas o primeiro sinal disso.
O segundo veio ontem.
Achar que uma candidatura possa decolar em tais circunstâncias – e sem que haja ideias poderosas a empurrá-la – é, em si, mais uma piada.