Eu queria fazer alguns comentários sobre a notícia reproduzida abaixo.
1) O Globo trata os réus da Ação Penal 470 como uma categoria à parte no sistema penal brasileiro. Não são pessoas. São “mensaleiros”. Essa desumanização, que se viu desde o início do julgamento, tem sido muito útil na estratégia de fazer com que os leitores não os vejam como cidadãos brasileiros condenados por crimes de corrupção, mas que ainda tem direitos. Não. Não são cidadãos. Nâo são simples condenados. São “mensaleiros”. Ora, a Globo também é mensaleira, porque fraudou o imposto de renda. Pimenta da Veiga, candidato do PSDB ao governo de Minas Gerais, também não é “mensaleiro”? Ele recebeu R$ 300 mil de Marcos Valério e embolsou, sem apresentar uma mísera nota fiscal, sequer um recibo. Embolsou e pronto. O PSDB firmou, a mídia blindou, nenhum colunista chiou. Está aí, candidatíssimo ao governo de Minas. Aécio Neves, outro dia, apareceu no palanque ao lado de Eduardo Azeredo, beneficiado pela Justiça com julgamento em primeira instância, regalia que não tiveram os réus da Ação Penal 470; quase todos tinham direito a serem julgados em tribunais inferiores e, com isso, terem acesso a um duplo grau de jurisdição, mas não tiveram esse direito. Ninguém viu manchete nos jornais: Aécio aparece ao lado de mensaleiro. Aliás, para ser justo, Azeredo tinha que ser chamado de “mensaleiro original”, pois foi ele o primeiro a pegar dinheiro com Valério.
2) Mello deixou bem claro que não concorda com Joaquim Barbosa, e que os presos em semi-aberto tem direito a trabalho externo, conforme entendimento do STJ. A matéria do Globo dá um jeito de manter esse raciocínio em segundo plano, quase escondido na notícia. Até porque Mello, astutamente, meio que protegeu Barbosa ao inventar uma firula técnica para negar pedido do PT. Por isso eu dei um título mais condizente com o teor da matéria. Mello se posicionou frontalmente contra o entendimento de Joaquim Barbosa. Nesse sentido, ele “detonou” Barbosa no que é mais importante: no mérito da questão.
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Mello concorda com semiaberto, mas nega pedido do PT
qua, 28/05/2014 – 07:09 (No blog do Nassif)
Ministro do STF nega pedido do PT para trabalho externo de mensaleiros
Marco Aurélio Mello arquivou ação do PT que queria reverter a necessidade de cumprimento de um sexto da pena como requisito para ter acesso ao benefício de trabalho externo
Ministro ironiza e diz que tem dúvida se juízes vão seguir Barbosa. ‘O prestígio do senhor presidente está tão grande assim?’, disse
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou nesta terça-feira, por motivos técnicos, o pedido feito pelo PT para que fosse unificado o direito ao trabalho externo a todos os presos que cumprem pena em regime semiaberto. O ministro não chegou a analisar o mérito do pedido. Ele afirmou que esse tipo de decisão não pode ser tomada em Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), e a ação foi arquivada.
O PT queria com a ação, reverter a necessidade de cumprimento de um sexto da pena como requisito para ter acesso ao benefício de trabalho externo. A exigência do cumprimento mínimo da pena está na Lei de Execução Penal e foi usada pelo presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, para negar o pedido de trabalho feito pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado no processo do mensalão.
O ministro explicou que a decisão só poderia ser tomada em pedido de habeas corpus ou em agravo de instrumento. Portanto, a decisão seria caso a caso, para cada preso; não seria possível unificar um entendimento só para todos os detentos do país.
— A ADPF é um instrumental nobre, não pode ser barateada, não é Bombril. Isso que tem que ser percebido — argumentou.
O ministro lembrou que o entendimento do STJ de dar aos presos do semiaberto o direito ao trabalho externo sem o cumprimento mínimo da pena prevalece há uma década. Ele duvida que juízes de Varas de Execuções Penais sigam a decisão de Joaquim Barbosa, que foi contrário à jurisprudência do STJ no caso dos condenados no mensalão.
— O STJ tem jurisprudência há 10 anos. Será que a juizada vai se curvar à decisão (de Barbosa)? O prestígio do senhor presidente está tão grande assim? — questionou, irônico.
Marco Aurélio disse que concorda com a interpretação do STJ.
— O critério objetivo é problemático. Quer ver uma incoerência? Exigir um sexto para trabalhar externamente. Quando tiver um sexto, já vai para o aberto. É um equivoco, porque o sistema não fecha — disse.
Há duas semanas, Barbosa revogou autorizações de trabalho concedidas a outros sete condenados no mesmo processo: os ex-deputados Valdemar Costa Neto (PR-SP), Pedro Corrêa (PP-CE), Bispo Rodrigues (PL, atual PR) e Romeu Queiroz (PTB-MG); o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares; o ex-tesoureiro do PL Jacinto Lamas; e o advogado Rogério Tolentino.
Apesar de existir a regra na lei, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vinha autorizando o trabalho externo a presos do semiaberto sem o cumprimento de um sexto da pena desde a década de 1990. Essa jurisprudência estava sendo seguida por juízes das Varas de Execuções Penais de todo o país. Barbosa adotou a regra anterior no julgamento dos casos dos réus do mensalão.
Na ação, o PT argumentava que a exigência do cumprimento de um sexto da pena antes da concessão do benefício fere o direito à individualização da pena e o princípio da ressocialização do condenado, previstos na Constituição Federal. Segundo o texto, a exigência, se adotada pelas VEPs, esvazia “a possibilidade de trabalho externo no regime semiaberto por parte de milhares de apenados”.