De vez em quando algum amigo me pergunta sobre as eleições no Rio de Janeiro. A entrada de Lindbergh Farias, agora aliado ao PCdoB e ao PV, abriu a possibilidade de termos um governo de esquerda pela primeira vez, desde Brizola.
O governo do estado, agora gerido por Luiz Fernando Pezão, que concorre ao cargo, foi um dos que mais sofreu queda de popularidade no ano passado. O movimento “Fora Cabral” ganhou muita força, e o governador assistiu sua popularidade experimentar um declínio impressionante.
Com certeza, foi uma lição para todos os políticos. Nunca se deve se deixar que altas taxas de aprovação acomodem o governo. Autoridades eleitas, por mais bem avaliadas que estejam, devem manter um diálogo constante com a população.
Entretanto, o que houve com Cabral também está ligado a um desgaste natural do PMDB junto à sociedade. O PMDB parece que desistiu de fazer política. O PT tem mil problemas; no Rio, então, nem se fala. Mas tem militância, e uma vida partidária autêntica, mesmo que – no Rio – pequena e confusa. O PMDB, com toda a sua máquina, deixou de lado o debate ideológico, tornou-se uma legenda amorfa, sem identificação à esquerda ou à direita. E com isso perdeu aquela consistência que permite ao partido manter uma base mínima de simpatizantes orgânicos.
Na primeira crise, Cabral perdeu toda a sua gordura em termos de aprovação, que aliás não passava disso: gordura.
Entretanto, Pezão ainda é um candidato competitivo, até porque ele não é Cabral. Ainda não se sabe até que ponto a rejeição à Cabral afetará Pezão. Ele ainda patina nas pesquisas, mas poderá crescer ao longo dos próximos meses, até porque continua mantendo ótima relação com Lula e Dilma.
Garotinho está no páreo. É um candidato forte, líder nas pesquisas, e aparou, nos últimos meses, algumas arestas na relação com o governo federal. O deputado relaciona-se melhor com Dilma do que com Lula, e reduziu significativamente a linguagem de beligerância feroz que usava contra o Planalto. Tornou-se um aliado. Tanto é que a campanha de Lindbergh conta com apoio de Garotinho num eventual segundo turno.
O problema de Garotinho é a sua escolha pelo obscurantismo religioso, uma faceta que o fez se tornar popular junto ao eleitor evangélico, mas que lhe transformou numa espécie de Dr.Jekkil. Quando entram em jogo tabus religiosos (gays, aborto, etc), o simpático deputado federal, sempre corajoso em suas respostas à mídia, converte-se de repente numa figura raivosa, agressiva, cheia de preconceitos, uma espécie de Bolsonaro carola e gordinho.
Crivella, por sua vez, é um mistério. Não se sabe se virá como candidato. Também é um candidato muito forte, conta com o apoio de uma rede midiática poderosa, controlada por seu tio, Edir Macedo, e tem o voto da Igreja Universal do Reino de Deus, uma das principais neopentecostais do estado. Sua presença ajudaria seu partido a alavancar vagas na Câmara. Mas Crivella é fortemente dilmista, e dificilmente tomará qualquer decisão sem uma boa conversa com a presidenta, que pode convencê-lo a permanecer no ministério da pesca, ou oferecer-lhe qualquer outra situação.
O núcleo da campanha de Lindbergh espera, portanto, uma polarização com Pezão. Mas não é fácil polarizar com o atual governador. Com o governo do estado é fácil, mas não com a figura do Pezão, que cultiva a imagem de bonachão, amigo de todo mundo.
O problema de Pezão, no entanto, é que ele está à frente de uma estrutura viciada. O PMDB fluminense tornou-se uma máquina pesada, corrupta, e sem criatividade. O projeto das UPPs, tão popular na capital e no país inteiro, não conseguiu avançar de maneira satisfatória para a segunda etapa, que era assegurar serviços públicos às regiões carentes.
Lindbergh ainda é um enigma em termos de projeto de governo, até porque a mídia mantém um bloqueio pesado sobre suas propostas. Mas ele vem fechando alianças importantes. Começou pelo PCdoB. Jandira Feghali, o nome mais forte do partido no estado, desistiu de sua candidatura em nome da montagem de um bloco de esquerda no estado. E agora “Lindinho” obteve o apoio do Partido Verde, e terá Roberto Rocco, um dos principais quadros do PV, como seu vice.
A conquista do Partido Verde revela uma estratégia inteligente de Lindbergh, de morder um eleitorado ligado a questões ambientais, que votou em peso em Marina Silva nas eleições de 2010. Pode até mesmo ajudar Dilma neste sentido, agora que Marina, como vice de Eduardo Campos, perdeu a magia que tinha nas últimas eleições.
Este eleitorado tem um peso significativo no Rio e não apenas na zona sul. É um eleitorado jovem, que não se identifica com a estética mezzo socialista, mezzo pragmática, do PT. O PV, apesar de ser um dos partidos mais pragmáticos do país, tem uma grife importante.
Pezão tem uma máquina monstruosa, azeitada ao longo de vários governos sucessivos. As estruturas de comunicação do governo do Estado são reconhecidas por sua competência na relação com a mídia. Tanto é que temos a impressão que a imprensa fluminense já escolheu seu lado: o próprio Pezão. Aliás, este ano, a Globo estará acuada no Rio. Não pode apoiar Lindbergh, porque é do PT, e a Globo odeia o PT. Não pode apoiar Garotinho, porque ele é seu inimigo número 1. Não pode apoiar Crivella, porque seu tio é dono da principal emissora concorrente, a Record. A Globo não tem saída a não ser apoiar Pezão.
Garotinho sempre foi bom de voto, mas também possui uma rejeição avassaladora na capital e junto aos formadores de opinião. E não falo apenas do Globo. O discurso obscurantista de Garotinho afasta de sua campanha todos os setores esclarecidos da sociedade.
Enfim, as eleições fluminenses traz um cardápio de candidatos competitivos, e está difícil prever algum favorito.
Lindbergh tem a vantagem de exibir o número 13 num estado onde a presidente pode ter uma boa votação. O petista será favorecido ainda pelo enorme tempo de TV da candidata.
Entretanto, o maior adversário de Lindbergh no estado não é sequer Pezão. É o presidente do PMDB, Jorge Picciani, que jamais perdoará o petista por lhe ter tomado a vaga para o Senado que ele acreditava ser sua.
Os movimentos de Picciani, de apoiar Aécio Neves e arrebanhar alguns prefeitos e parlamentares do PMDB para a campanha tucana, contudo, podem ser um tiro no pé do próprio Picciani, e acabar beneficiando Lindbergh. É que o único trunfo do PMDB fluminense junto à Dilma é sua lealdade política. Se nem isso Pezão conseguir assegurar, Dilma pode entrar de vez na campanha de Lindbergh.
Nas próximas semanas, haverá um quadro mais claro. Pesquisas de intenção de voto, consolidação de alianças e o tempo de tv de cada um, essas informações tornarão possíveis previsões mais completas sobre a política no estado. Aí voltamos a conversar.