A informação de que foi Aloizio Mercadante, ministro-chefe da Casa Civil, a fonte secreta, ou ex-secreta, que rebateu a entrevista do ex-presidente José Sergio Gabrielli, me fez suspeitar de que seja ele o “Frank Underwood” do governo Dilma.
Frank Underwood é o personagem vivido por Kevin Spacey em House of Cards. Em dado momento, na segunda temporada, Underwood, alçado ao cargo de vice-presidente, consegue se tornar íntimo do presidente dos EUA, e passa a lhe dar conselhos. Underwood age com tanta destreza e maquiavelismo que o presidente sequer percebe que seu próprio vice-presidente está lhe traindo com uma sutileza diabólica. Underwood dá conselhos aparentemente razoáveis ao presidente, consegue algumas vitórias no congresso, mas no fundo está conduzindo o presidente para um abismo.
Os ativistas na área de comunicação sabem, por exemplo, que Mercadante é um dos “inimigos”. Junto com Paulo Bernardo, ele joga no time da mídia.
Você já viu Mercadante defendendo o governo? Defendendo Dilma?
Jamais.
Mercadante só defende a si mesmo. E tem agido nos bastidores.
E agora voltou a agir nas sombras. As manchetes dos jornalões desta terça-feira revelam um verdadeiro golpe de Mercadante, a meu ver, contra o próprio governo.
Se você ler a matéria, porém, não vai encontrar nenhuma declaração de Dilma, apenas vagas referências a fontes anônimas do Planalto. A Folha também cita fontes anônimas.
Mas o Estadão quebrou o pacto de silêncio e revelou que a fonte era, na verdade, Aloizio Mercadante.
Então as minhas suspeitas, de que há um Frank Underwood no governo, podem ter sido confirmadas. E o principal suspeito, até o momento, é Aloizio Mercadante, que tem um histórico de traições a seu próprio partido.
Mercadante era o homem por trás dos “aloprados” petistas, numa operação desastrada que visava comprar um dossiê contra o candidato tucano ao governo de São Paulo, José Serra. Quem acabou pagando o custo político da operação foi Ricardo Berzoini, então presidente nacional do PT, a quem coube responder à mídia. Mercadante, como sempre, sumiu do mapa. Mas os petistas presos eram ligados a Mercadante, sobretudo o tal Hamilton Lacerda, coordenador de Comunicação do então candidato ao governo de São Paulo. E o dossiê seria comprado para beneficiar Mercadante.
Mercadante sempre some do mapa, ou pior, faz o jogo da mídia. Mensalão? Fez o jogo da mídia. Crise Sarney? Fez o jogo da mídia. Crise na Petrobrás? Fez o jogo da mídia.
O que pretende Mercadante? Derrubar Dilma e assumir seu lugar?
A gente sempre presta atenção apenas no embate entre oposição e governo. De vez em quando, atentamos para a crise na base aliada. Raras vezes, porém, temos informações sobre as guerras mais sangrentas e mais secretas numa democracia: aquelas que se dão no interior dos partidos. Quer dizer, assistimos a guerra entre Aécio e Serra, no momento vencida por Aécio, mas ao custo de muito sangue tucano.
E o PT? Vive em harmonia eterna? Claro que não. Há embates surdos terríveis entre as diversas tendências.
Na entrevista ao Estadão, Gabrielli deu a seguinte informação:
Estadão: Houve US$ 530 milhões de baixas contábeis da Petrobrás por causa de Pasadena. Existe possibilidade de a companhia recuperar esses valores?
José Sergio Gabrielli – Não sei os números de hoje, mas a presidente Graça diz que o lucro é de US$ 58 milhões em janeiro e fevereiro de 2014. Se multiplicar US$ 58 milhões em 10 meses ela recupera os US$ 530 milhões. É uma conta linear.
Pois é. Se Graça Foster deu essa declaração, e está gravado em vídeo, por que o blog da Petrobrás não mostra esses documentos? Por que, meu Deus? Por que Mercadante, ao invés de rebater Gabrielli, que tenta, desesperadamente, ajudar ao governo a enfrentar a guerra midiática, não rebate a mídia com informações sobre Pasadena? Por que Mercadante não reage às mentiras diárias da mídia, a começar falando sobre o valor pago pela Astra pela refinaria, que não foi US$ 42 milhões e sim, no mínimo, US$ 360 milhões.
Segue o vídeo de Graça Foster, com seu depoimento, em que deixa bem claro o valor pago pela Astra:
Gabrielli está tentando ajudar. Está se expondo às feras, dando entrevista, arriscando-se. E Mercadante, está fazendo o quê? Dando entrevistas anônimas (e falando em nome de Dilma!) para a grande imprensa botar mais fogo na CPI.
Eu queria publicar aqui o vídeo com o depoimento de Cerveró. Eu vi apenas um pedaço. Queria assistir na íntegra e deixar registrado no blog para os leitores, mas não estou achando no youtube. Achei apenas um trecho na TV Câmara:
(PS: uma leitora me enviou um link para a íntegra do depoimento de Cerveró).
Entretanto, está claro que há um apagão político e comunicativo sinistro no governo. E não dá mais para culpar apenas Dilma. É o núcleo político do governo.
Foi notório que Graça Foster participou da audiência no Senado sem conversar antes com os senadores do PT. Ficou notório que o governo não fez nenhum gesto para aproximar Gabrielli, Cerveró e Graça Foster, de maneira a produzir um mínimo de coerência sintática nos discursos. O governo não tomou nenhuma providência política para evitar a CPI.
Se você observar bem, verá que não há divergência substancial entre o que diz Foster, Gabrielli e Cerveró. A diferença é sintática, e na interpretação que se faz de seus discursos.
Nessa confusão toda, eu tenho a impressão que o melhor desempenho foi de Nestor Cerveró. Ele acompanhou o processo de compra de Pasadena e é um funcionário concursado de 39 anos de carreira na Petrobrás.
A imprensa corporativa, definitivamente, não é séria. Pelo menos, não neste tema, que é eminentemente político. Ela quer apenas jogar lenha na fogueira e cumpre um papel odiosamente desinformativo. Não é possível que Dilma ou Mercadante não vejam isso. Graça Foster afirmou que Astra pagou, no mínimo, US$ 360 milhões por Pasadena. A mídia continua usando, mentirosamente, o número de US$ 42 milhões. Mercadante prefere rebater Gabrielli, um dos melhores quadros do PT, a rebater a mídia? Não entendo.
O grande erro de qualquer um que tente analisar a refinaria de Pasadena é tratar do negócio como se falássemos de um jogo que já estivesse terminado. A refinaria está viva! Se está dando lucro, qualquer prejuízo será reparado.
O segundo erro é tratar o negócio exclusivamente do ponto-de-vista contábil. Essa é a visão de acionistas privados, sobretudo estrangeiros, que não estão interessados em retorno de longo prazo. Querem dinheiro agora.
Todos esquecem que a razão de ser da Petrobrás não é fazer “bom negócio”, nem sequer explorar petróleo. A razão de ser da Petrobrás é oferecer combustível ao consumidor brasileiro. Combustível, ou seja, petróleo refinado, gasolina, diesel. Para isso, precisamos de refinarias.
Petróleo bruto não tem valor de uso. É um produto altamente tóxico que não serve para nada. O petróleo só tem valor se for transformado, numa refinaria, em gasolina, diesel e refinados.
Eu tenho de explicar porque combustível é importante? Tenho que explicar que vivemos ainda, infelizmente, num mundo completamente dependente de derivados de petróleo?
Se algum dia, houver problema no fornecimento de gasolina para São Paulo ou Rio, poderemos importar de Pasadena, uma refinaria com índice Nelson acima da média das refinarias brasileiras, e que produz uma gasolina de altíssima qualidade.
Esta é a importância de Pasadena. É uma refinaria situada no principal corredor petrolífero do mundo, com acesso ao golfo do México, onde estão as principais jazidas de petróleo da América do Norte. A própria Petrobrás explora alguns poços por lá.
Francamente, não entendo. Como pode ser mau negócio possuir uma refinaria num lugar tão estratégico? As pessoas só pensam no dinheiro. E a estratégia, que vale muito mais que dinheiro? E o conhecimento do mercado norte-americano? E a oportunidade de assimilar tecnologias e experiências que serão importantes para as refinarias que estão sendo construídas no país?
Outro dia, fiquei sabendo que o What’s Up, um aplicativo meia boca para smartphone, foi vendido por US$ 16 bilhões. Se o What’s Up desaparecesse do mundo, não creio que haveria nenhum choque na economia brasileira. Já uma refinaria como Pasadena, que produz 100 mil barris por dia, tem uma importância estratégia para a segurança energética dos Estados Unidos, podendo ser usada, portanto, como um instrumento de barganha econômica ou mesmo política pelo governo brasileiro.
Será que ninguém no governo entende que segurança energética vale muito mais que qualquer dinheiro? Será que não há ninguém capaz de falar de Pasadena do ponto-de-vista estratégico?
Tudo bem, os planos para Pasadena mudaram. Antes, havia a expectativa de dobrar a produção da refinaria para fazer com que ela refinasse petróleo pesado vindo do Brasil. Parece que isso não vale mais a pena. Ora, então que se mudem os planos, e apresentem este novo planejamento à sociedade. Ninguém quer saber se Pasadena foi um mau ou bom negócio. A gente quer saber o que será feito a partir de agora. Quer informações detalhadas sobre o lucro, sobre as perspectivas, sobre o mercado de refinaria nos EUA. A nossa imprensa não dá nada. Só quer saber de escândalo, escândalo, escândalo.
Eu tenho um amigo que ficou dois anos estudando o mercado de tênis para vender para a zona norte e oeste do Rio de Janeiro. Depois que completou os estudos e iniciou a fase de prospecção, os negócios não andaram. Então ele foi à Copacabana e a coisa mudou de figura. Fechou vários negócios. A vida é cheia de exemplos assim. A gente planeja uma coisa, mas a realidade acaba nos forçando a mudar o plano no meio do caminho.
Se a Petrobrás tivesse perdido dinheiro comprando ações de uma empresa que desapareceu do mercado, aí sim, teríamos um péssimo negócio. No caso de Pasadena, ela comprou uma refinaria tradicional, situada no canal de Houston, em operação, que lucrou US$ 58 milhões no primeiro bimestre. Será mau negócio apenas se for mal gerida, ou se a Petrobrás não souber desenvolver estratégias inteligentes para explorar seu potencial.
Com tanta coisa que pode ser dita, Mercadante prefere sussurrar intrigas palacianas a jornalistas da imprensa inimiga…
Aliás, se Mercadante é tão fã mesmo de Underwood, poderia lembrar um pensamento dele, em que compara poder e dinheiro, posicionando-se em favor do primeiro. O mesmo raciocínio podia ser feito na questão de Pasadena. Ter uma refinaria processando cem mil barris de petróleo por dia vale muito mais que o dinheiro gasto para adquiri-la, caso a empresa souber aproveitar esse poder.