A capa do Globo não deixa dúvida. “Ex-diretor receberia até 50% em contratos fechados”.
Pena que manchetes tem de obedecer uma lógica mínima, pois a vontade do editor, certamente, seria dar uma manchete assim:
“Ex-Diretor de estatal da Dilma e que tinha negócios com doleiro amigo de Vargas receberia até 50% em contratos.”
Aí vamos ler a matéria e descobrimos que o percentual de 50% é apenas uma especulação. Segundo o advogado, na verdade seriam 50% de 5%, ou seja, 2,5%.
Os especialistas em consultorias entrevistados pelo jornal confirmam que comissões para intermediação de negócios costumam ser de 1% a, no máximo, 15%. Ninguém ouviu falar de 50%.
Na mesma planilha encontrada, a maioria das anotações sobre as comissões de Costa descreve 5%. Os tais 50% aparece apenas num ou dois itens, mas corresponderiam, segundo o advogado de Costa, a um percentual sobre o percentual.
Ou seja, a especulação em torno dos 50%, além de não ser conclusiva, é improvável. A explicação do advogado de Paulo Roberto Costa, até o momento, é a mais plausível. Não porque o advogado seja bonzinho, ou Costa seja “barateiro”, mas porque comissões de 50% contrariam a lógica, pois inviabilizariam qualquer negócio.
Não importa. Os 50% vão para o Fantástico e vão para a capa do Globo.
Escândalos referentes a questões federais, que podem envolver o governo ou alguma das estatais, não precisam seguir nem a lógica nem os princípios básicos do jornalismo.
O trensalão tucano trazia documentos (não “anotações”, mas documentos oficiais), número de contas, valor exato, amplos estudos de investigadores suíços, testemunhos, confissões, etc.
Mas no Brasil é assim: em primeiro lugar, escândalos tucanos começam a ser investigados, em geral, apenas 20 anos depois do crime. O trensalão só foi “achado” na gaveta do Ministério Público depois que a Suíça quase produziu uma crise diplomática com o Brasil. E a imprensa não move uma palha para ajudar nas investigações.
Já escândalos que a mídia considera que podem atingir o governo federal, esses aparecem no dia seguinte aos crimes, e a imprensa não apenas mobiliza todos seus exércitos, como tem acesso a tudo que a Polícia Federal descobre, na mesma hora, inclusive os documentos mais sigilosos. Não importam mais provas. Bilhetinhos encontrados, especulações em torno de percentuais, mesmo as mais esdúxulas, se tornam manchetes. Se achassem um bilhetinho na casa do Paulo Roberto Costa escrito algo como “Telefonar para Vilma amanhã”, alguém rasuraria o V, transformando em D, e seria manchete no dia seguinte: “Ex-diretor preso pela Polícia Federal mantinha contatos frequentes com Presidente Dilma”.
O doleiro Alberto Youssef agora não é mais chamado nunca pelo nome. É apenas “doleiro amigo de Vargas”. Podiam fazer isso também com o Cachoeira, não? Ao invés de chamá-lo pelo nome, podiam sempre repetir: “Bicheiro amigo da Veja”.
Na Folha, o título na capa é: “Governistas dominaram doações de firmas na lista”. A nota, ainda na capa, diz que “79% das doações em 2010 de empresas citadas na tabela apreendida pela Polícia Federal na casa do ex-diretor da Petrobrás, Paulo Roberto Costa” foram para partidos pró-governo Dilma. Genial! E os os 21%, foram para os partidos da oposição? Quais partidos? Quantos % dos partidos formam a base do governo Dilma? Seriam 79%? Esses mesmos partidos não são aliados da oposição nos estados?
Até outubro, esqueçam os escrúpulos jornalísticos. Agora vale tudo. A sorte dos brasileiros é que a mídia, em seu afã denuncista, fica tão confusa, que seu poder de manipulação declina. Ninguém consegue entender mais nada.
Lamentável é ver a própria Polícia Federal fazendo o jogo da mídia, vazando tudo para os órgãos de imprensa, que usam as informações de maneira seletiva, conforme seus interesses.