Rascunho para diálogo de uma peça teatral brechtiana. Monólogo.
Personagem: Um homem de meia idade, extremamente rico e culto.
Cena: Um apartamento num prédio de luxo, em qualquer capital do país.
Início do diálogo.
“Eu acordo, abro os olhos e vou a janela contemplar as nuvens carregadas de desgraça vindo na minha direção. O horizonte não mais as segura; ao contrário, sopra-as constantemente para cá.
Quanto mais elas se aproximam, minha ansiedade, paradoxalmente, diminui. Sinto, ao invés disso, uma pequena comichão de alegria borbulhando em meu estômago. O fim está próximo, viva um novo começo!
…
Só que elas não chegam nunca! Já estou ficando impaciente. E ainda sou forçado a ler notícias como essa, de que a produção industrial experimentou um vigoroso crescimento em fevereiro.
Que merda!”
Fim do diálogo.
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Pois é, amigos, os números divulgados hoje pelo IBGE revelam que a caravana não está dando bola para o ladrar dos cachorros.
A produção industrial brasileira cresceu 5% em fevereiro, na comparação com o ano anterior. No acumulado do ano, o crescimento já é de 1,3%.
Entretanto, o mais importante é que o crescimento do setor de bens de capital, termômetro da disposição empresarial por novos investimentos, já acumula alta de 8% no ano, e registrou crescimento de 12,5% no acumulado dos últimos 12 meses.
Nosso personagem brecthiano, um irritado intelectual conservador, ainda continuará aguardando, da janela de seu apartamento, a chegada das nuvens da desgraça. Só que as nuvens agora parecem seguir na direção contrária, afastando-se. Tenho um pouco de medo de qual será sua reação quando perceber isso.
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É ainda de Brecht uma frase que eu gostaria de aplicar a Joaquim Barbosa, após suas estrepolias de hoje, tentando chamar de regalia a violência ilegal que vem impondo a José Dirceu, mantendo-o em regime fechado quando sua sentença é para semi-aberto.
Só que podemos alterar um pouco a frase e a usarmos para qualificar nossa mídia, que, por tática eleitoral, dificilmente dará destaque a notícias que revelem um bom desempenho da economia brasileira: “Há jornais incorruptíveis, ninguém consegue induzi-los a falar a verdade.”